Sylvia Colombo https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br Latinidades Tue, 30 Nov 2021 12:31:53 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 As medidas de Trump que podem multiplicar a violência na América Central https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2017/11/08/as-medidas-de-trump-que-podem-multiplicar-a-violencia-na-america-central/ https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2017/11/08/as-medidas-de-trump-que-podem-multiplicar-a-violencia-na-america-central/#respond Wed, 08 Nov 2017 19:54:23 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/?p=3005
Centro-americanos cruzam o México no teto do La Bestia, trem que viaja em direção à fronteira com os EUA

O que a atual administração dos EUA chama de “imigrantes ilegais” é, na verdade, uma crise humanitária de proporções gigantescas. Nove de cada dez pessoas que cruzam a fronteira norte do México sem autorização (segundo o Pew Research Center), são centro-americanos que fogem da violência em seus países.

O que Trump não conta a seus eleitores é que a violência que impera hoje nos países do chamado Triângulo do Norte (El Salvador e Honduras, principalmente, mas também Guatemala e Nicarágua) é resultado do enfrentamento entre “maras” (gangues) que se formaram em solo norte-americano, e que apenas se tornaram mais cruéis, numerosas e sangrentas uma vez que foram deportadas pelo governo Clinton, nos anos 1990, de volta a países que não tinham estrutura social e econômica para recebe-los. Uma vez em casa, a opção que viram foi abraçar de uma vez a vida criminosa, praticando extorsões, narcotráfico e sequestros. É disso que os refugiados que são vistos tentando escapar pendurados em trens, nadando ou caminhando pelo deserto, desejam escapar.

Longe de resolver o problema em sua origem: ajudar os países da América Central para que reorganizem suas economias, frágeis desde os tempos das guerras civis, e receber os imigrantes que chegam aos EUA e que podem colaborar ocupando postos de trabalho na área de serviços, por exemplo, a atual administração toma atitudes contrárias às que poderiam ajudar a sanar o problema.

Prova disso é a recente revogação dos TPS (Temporary Protected Status) a mais de 2.500 nicaraguenses, que foram avisados que têm 14 meses para deixar os EUA. Os TPS são permissões para viver e trabalhar nos EUA, oferecidas a habitantes de países que passaram por tragédias naturais ou estão em guerra civil. Em geral, são concedidas por seis ou dezoito meses. No caso desses nicaraguenses, e ainda de 57 mil hondurenhos, 200 mil salvadorenhos e 50 mil haitianos, os TPS em vigor foram inicialmente concedidos em 1998, depois que o furacão Mitch fez considerável estrago nesses países. Nas administrações seguintes, eles foram sendo renovados por conta da crescente violência na região. Os presidentes George W. Bush e Barack Obama consideraram que devolver todos esses refugiados de uma só vez causaria um imenso distúrbio social e seria de um impacto negativo muito grande naquelas frágeis economias, o que por sua vez agravaria a crise de refugiados em sua própria fronteira.

Mas Trump não pensa assim. Já selou o destino desses nicaraguenses. Quanto aos hondurenhos, depois de muita pressão de uma comitiva de seu governo sobre congressistas republicanos, foi obtida uma extensão das TPS, mas apenas até julho de 2018. Já os salvadorenhos e os haitianos, cujos governos também estão pedindo aos EUA uma extensão do programa para evitar uma situação de calamidade em seus países, aguardam apreensivos. Seus períodos expiram em março e em janeiro de 2018, respectivamente, e a Casa Branca já sinalizou que não deve haver renovação.

É perturbadora a omissão internacional com relação à crise humanitária que vive a América Central. Em países como Honduras e El Salvador a taxa de homicídios só é menor do que as de países oficialmente em guerra. Quando a mídia norte-americana os classifica de “imigrantes ilegais” soa de modo pejorativo, como se de fato se tratassem de “bad hombres”, no rico linguajar do presidente. As imagens, porém, dizem outra coisa. São famílias, mulheres com bebês de colo e crianças viajando dependuradas nas ferragens de trens de carga, jovens meninas que tomam anticoncepcionais antes da viagem porque já sabem que serão estupradas no caminho ou pais que saem escondidos no meio da noite cobrindo os filhos com medo de que as “maras” os sequestrem para um recrutamento forçado.

Os outros países da América Latina fazem bem em pedir o fim dos abusos aos direitos humanos e eleições já na Venezuela, preocupados com a acentuada e grave degradação do país caribenho. Mas é de saltar os olhos o fato de que sequer mencionam o drama centro-americano.

Refugiados centro-americanos em sua incerta viagem (Foto Al Jazeera)

 

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Torre de Trump no centro de Buenos Aires cria saia-justa para Macri https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2016/11/22/torre-de-trump-no-centro-de-buenos-aires-cria-saia-justa-para-macri/ https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2016/11/22/torre-de-trump-no-centro-de-buenos-aires-cria-saia-justa-para-macri/#respond Tue, 22 Nov 2016 18:56:47 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/?p=2626 O presidente argentino, Mauricio Macri, e o recém-eleito Donald Trump (Foto Arquivo)
O presidente argentino, Mauricio Macri, e o recém-eleito Donald Trump (Foto Arquivo)

Os meios argentinos estão em polvorosa desde que vazou um suposto conteúdo da conversa telefônica entre o presidente Mauricio Macri e o recém-eleito norte-americano, Donald Trump, com direito a uma breve intervenção de Ivanka Trump na conversa dos dois mandatários-empresários.

Segundo informação de bastidores revelada pelo jornalista Jorge Lanata em seu programa dominical, “Periodismo Para Todos”, os dois líderes não teriam falado apenas de política. Talvez até nem tenham falado nada sobre esse assunto. Trump teria aproveitado o telefonema de congratulações do colega argentino, a quem conhece há décadas, para pedir rapidez na liberação de uma obra sua próxima ao Obelisco de Buenos Aires. Trata-se de uma Trump Tower de 35 andares que a empresa do magnata tencionava começar a construir em 2020. Além desse empreendimento, Trump tem também uma obra de grande porte, com mais de 150 apartamentos, sendo construída num balneário uruguaio próximo à Punta del Este.

“Macri disse a Trump que a Argentina estava aberta a investimentos agora, e Trump respondeu que tinha US$ 150 milhões investidos na torre de Buenos Aires”. O empreendimento estaria travado na burocracia local, e Trump teria pedido celeridade ao antigo colega de negócios. A história teria sido vazada a Lanata e a outros jornalistas locais por um membro da equipe de Macri.

A história pegou fogo mesmo quando o jornal britânico “The Guardian” publicou uma matéria relatando o caso, acrescentando ainda mais bastidores, revelando que a filha do magnata também tinha entrado na conversa com o mandatário argentino.

Trump ainda não deixou claro como seus negócios serão tocados quando ele assumir a Presidência, e sugeriu que seus filhos estariam adiante das empresas. Porém, como os mesmos filhos estão na equipe de transição, a ideia de que o conflito de interesses pode virar regra ganhou força.

Desde então, a mídia norte-americana e de língua inglesa, então, vem replicando a história por todas as partes.

O curioso do episódio é que as equipes de comunicação tanto de Macri como de Trump saíram a negar o caso apressadamente. Mas não o próprio Trump, que, num tuíte revelador, insinuou que não pretende parar seus negócios quando assumir a Presidência, e ainda arremetendo contra os meios que publicaram a história. Seu tuíte não nega que tenha tratado da Trump Tower de Buenos Aires com Macri, quase que vai na direção totalmente contrária, dizendo o seguinte: “Antes da eleição era bastante conhecido que eu tenho interesse em propriedades em todas as partes do mundo. Apenas a mídia desonesta faz disso um grande escândalo”.

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Macri e Trump, entre a amizade e uma saia-justa https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2016/11/13/macri-e-trump-entre-a-amizade-e-uma-saia-justa/ https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2016/11/13/macri-e-trump-entre-a-amizade-e-uma-saia-justa/#comments Sun, 13 Nov 2016 22:20:27 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/?p=2609 O argentino Mauricio Macri e o norte-americano Donald Trump (Foto Arquivo)
O argentino Mauricio Macri e o norte-americano Donald Trump (Foto Arquivo)

O presidente argentino poderia ter comemorado mais que qualquer mandatário latino-americano a vitória do republicano Donald Trump, nas últimas eleições dos EUA. Além do perfil parecido _ambos herdeiros de fortunas e empresários_, os dois se conhecem há décadas, já fizeram negócios de valores milionários juntos, jogaram golf e almoçaram várias vezes em viagens de Macri a Nova York. Em uma entrevista do começo dos anos 2000 resgatada pela mídia argentina nos últimos dias, Macri chama Trump de “amigote”.

Porém, a eleição do republicano não caiu de forma muito leve no estômago de Macri e de sua equipe econômica. Desde sua posse, há quase um ano, a Argentina se apressou em derrubar as barreiras comerciais e em livrar o país do intenso protecionismo kirchnerista contra o qual Macri armou de forma enfática sua campanha eleitoral. Além disso, o argentino começou também a dar passos largos para aproximar-se da Aliança do Pacífico e viajou para Europa e para os EUA para avisar que a Argentina estava de volta aos mercados internacionais e que queria e precisava, desesperadamente, do retorno do investimento estrangeiro ao país.

A mensagem se espalhou de forma positiva, e foi coroada com a visita que recebeu do presidente Barack Obama, em março, quando mais portas se abriram nesse sentido. Além de simbolicamente reforçar essa imagem de uma nova Argentina, aberta e carente de mais laços comerciais internacionais, o encontro aproximou Macri de Obama, e por consequência dos democratas. Numa visita marcada pela “buena onda” entre os dois líderes e as duas primeiras-damas, Juliana Awada e Michelle, com direito a baile de tango e visita a Bariloche juntos, ambos os líderes acertaram uma agenda ampla comum que priorizava intensificar a relação comercial bilateral, e ainda incluía outros temas de colaboração nas áreas de segurança, de combate ao narcotráfico e até na de direitos humanos, não exatamente uma prioridade na gestão macrista.

Para demonstrar a boa vontade de Obama com a nova gestão argentina, meses depois aterrissou em Buenos Aires o secretário de Estado John Kerry, trazendo uma pasta com novos documentos sobre a ditadura (1976-1983), até então classificados, e que serviram, de fato, às investigações das organizações de direitos humanos e de historiadores locais, mostrando que a participação e ingerência dos EUA no governo dos militares argentinos tinha sido maior do que se pensava.

A ambição do macrismo seguia sendo, até as vésperas da eleição, a de recuperar uma relação de comércio bilateral que já havia sido mais intensa no passado. No período de Bush pai, as vendas aos EUA representavam 10% do total exportado pela Argentina. No final do período Clinton, alcançaria 18%, mas, já nas gestões Bush e Obama, se encontravam na magra marca de 7%. Macri estava confiante que o novo amigo na Casa Branca o ajudaria a elevar essa cifra e tiraria a Argentina do atual sufoco. Entre os acordos desenhados na visita de março, estava um de uma ampliação expressiva das exportações agropecuárias do país-vizinho ao do norte. 

Todo esse rápido e positivo histórico da relação de Macri com Obama fez com que o governo argentino apoiasse abertamente a candidatura de Hillary Clinton. Em entrevista à emissora do Buzzfeed, o argentino declarou em alto e bom som preferir Hillary a Trump. Mais, reforçando sua fama de piadas que de vez em quando geram saias-justas, Macri chamou Bill Clinton de “futuro primeiro-marido” dos EUA, em evento da Fundação Clinton.

A realidade do resultado da eleição do último dia 8 colocou Macri numa situação complicada.

Ele, que tencionava liderar essa guinada da América Latina para a abertura de mercados depois de uma década e meia em que o protecionismo predominou em vários de seus países _num caminho no qual vinha sendo seguido pelo peruano Pedro Pablo Kuczynski, pelo paraguaio Horacio Cartes e, mais timidamente, pelo Brasil, sem contar os que já estavam nessa rota, como o colombiano Juan Manuel Santos_, tomou uma ducha de água fria com a vitória de Trump. Isso porque o republicano tem pregado a revisão da participação dos EUA no Nafta e em outros tratados internacionais. À primeira vista, por seus discursos de campanha, o presidente-eleito norte-americano aponta para uma política econômica protecionista, que tende a levantar barreiras para o comércio exterior, justo no momento em que a América Latina sugere tomar o caminho contrário.

O argentino, então, mobilizou sua tropa para readaptar-se ao novo cenário. Em seu primeiro pronunciamento sobre o novo governo americano, disse: “Espero que continuemos trabalhando nessa relação construtiva, madura, inteligente, que iniciamos com Obama. Vamos ao governo Trump com a melhor predisposição para dialogar. Espero que o que foi acordado seja mantido”. 

Até agora, o norte-americano falou ao telefone com apenas dois líderes latino-americanos após a eleição, o mexicano Enrique Peña Nieto e o colombiano Juan Manuel Santos. Porém, nos últimos dias, um dos filhos do magnata ligou para a chanceler argentina Susana Malcorra para acertar um telefonema de Trump a Macri, provavelmente durante a próxima semana. Eric Trump, sem mencionar o apoio recente de Macri aos democratas, recordou à Malcorra a velha amizade dos anos 80 entre Trump pai e os Macri (pai e filho): “Diga ao presidente Macri que meu pai sempre se lembra dele com carinho”, disse à chanceler.

Macri, portanto, inicia a semana esperando essa chamada e que ela signifique a continuidade dos negócios entre Argentina e EUA que ele pensava ter inaugurado com êxito com Obama.

Mais, deve estar torcendo para que nenhum assessor de Trump tenha tido acesso e mostrado ao presidente-eleito a entrevista que deu no ano passado a uma jornalista de celebridades argentina que lhe perguntou como era Trump. Assim respondeu Macri: “É um sujeito muito exibicionista, já se penteava desse mesmo jeito naquela época. Era toda uma atuação, desde a manhã até a tarde. Prova disso está naquele seu programa de televisão, um ´reality show´ ridículo. Eu não acredito que possa ganhar uma eleição porque suas posições são muito extremas, vai acabar facilitando as coisas para a Hillary.” Na mesma entrevista (veja abaixo), o presidente argentino classificou Trump como “un tipo chiflado” _que seria algo como “um sujeito doidão”.

A ver como a história prossegue.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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“Vivemos na era da pós-verdade”, diz John Carlin https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2016/11/10/vivemos-na-era-da-pos-verdade-diz-john-carlin/ https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2016/11/10/vivemos-na-era-da-pos-verdade-diz-john-carlin/#respond Thu, 10 Nov 2016 18:53:55 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/?p=2605 O ex-presidente colombiano Álvaro Uribe e o presidente eleito dos EUA, Donald Trump
O ex-presidente colombiano Álvaro Uribe e o presidente eleito dos EUA, Donald Trump

O articulista e jornalista britânico John Carlin havia escrito, há algumas semanas, o artigo “2016 – O Ano em que Vivemos Estupidamente”, no jornal “El País”, dizendo que, após o Brexit e a vitória do “não” na Colômbia, só o que restava era a eleição de Donald Trump para demonstrar que “os resultados eleitorais deste ano estão sendo definidos pelo cinismo manipulador dos políticos e pela ignorância, negligência e irresponsabilidade dos eleitores.”

Em entrevista à Folha nesta quarta (9), Carlin disse que os três episódios estão conectados, e tem a ver com o fato de que “estamos vivendo na era da pós-verdade, em que mentir de forma desavergonhada premia os políticos que o fazem”. E diz considerar preocupante que “três mentirosos ameacem mudar de forma tão definidora os destinos de seus países”.

Carlin se refere, em primeiro lugar ao político conservador e ex-prefeito de Londres Boris Johnson, uma das peças centrais na campanha pelo “leave” no referendo que definiu a saída do Reino Unido da União Europeia. “Ele conseguiu convencer parte da sociedade britânica de que o país seria invadido por hordas de imigrantes, de que a Turquia seria esvaziada de todos os seus habitantes e que os refugiados viriam todos para cá”, contou, em entrevista por telefone, desde Londres, onde vive.

Depois, Carlin apontou para o ex-presidente colombiano Álvaro Uribe e sua influência para fazer com que mais de 6 milhões de colombianos votassem “não” ao acordo de paz a que haviam chegado o governo e as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), e que poderia encerrar uma guerra de mais de 50 anos. “Uribe disse coisas absurdas, que o país se transformaria na Venezuela, que um homem como [o mandatário Juan Manuel] Santos pode ser considerado um comunista, que o país seria entregue à guerrilha e que o próximo presidente do país seria ´Timochenko´ [atual líder da guerrilha]”.

Carlin acha também que o pleito colombiano foi um “plebiscídio”, e que Santos cometeu um erro ao convoca-lo. Ainda assim, culpa mais a Uribe, que “influenciou negativamente o processo ao encher os corações e mentes dos colombianos de mentiras sobre o que poderia acontecer”.

Também no caso da vitória de Trump, para Carlin “prevaleceram as mentiras” que o presidente-eleito contou durante a campanha. “O que funcionou para esses três políticos foi apelar para o medo, para os instintos mais primários. Como na pré-história se temiam os mamutes, convenceram de que ´o outro´ era ameaçador, assustaram e usaram de forma despudorada o racismo e a xenofobia para ganhar votos.”

Por fim, conclui que os três episódios apontam para um momento da história da humanidade em que o conhecimento tem deixado de ter valor. “O Iluminismo está em crise. Nesses três casos, a mentira venceu. Não sei nem se devemos analisa-los como temas políticos. Não estou certo se cabe uma análise política de um fenômeno como Trump. Estamos em outro terreno, podemos chama-lo de realismo mágico, de antropologia, de qualquer outra coisa. E o pior é que parece haver um desprezo generalizado dos cidadãos comuns, uma revolta clara contra tudo o que pode ser classificado como elite intelectual e jornalística. Ser um expert num assunto hoje perdeu valor. É muito preocupante.”

 

 

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AMLO e a Revolução dos Bichos https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2016/09/14/amlo-e-a-revolucao-dos-bichos-2/ https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2016/09/14/amlo-e-a-revolucao-dos-bichos-2/#respond Thu, 15 Sep 2016 01:07:49 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/?p=2526

Se a gente não explica o que é, ou quem é, AMLO, fora do México, as pessoas correm o risco de pensar que se trata de um plano de saúde, uma seguradora, ou mesmo de um remédio. Mas… dentro do México, é uma sigla política que define um dos políticos contemporâneos mais longevos _folclóricos para uns, heróico para outros. Trata-se de Andrés Manuel López Obrador, 62, já foi prefeito da Cidade do México (ou DF, para os locais), líder do esquerdista Partido da Revolução Democrática (PRD), candidato presidencial duas vezes (2006 e 2012) e prestes a se postular mais uma vez, em 2018, agora com seu novo partido, o Morena (Movimento de Regeneração Nacional).

Na verdade, AMLO nunca deixou de estar atuante e de fazer barulho. Na primeira vez em que foi derrotado, em 2006, pelo conservador Felipe Calderón (PAN), por uma margem ínfima de votos (0.56%), não se conformou. Armou protestos de rua, bloqueou a principal avenida da capital (o Paseo de la Reforma) e montou acampamento no Zócalo _principal praça da cidade. Em 2012, em eleição que cobri para a Folha, ameaçou fazer o mesmo. Como no México não há segundo turno, os vencedores ganham com maiorias simples, porém frágeis. Desta vez, AMLO perdeu para o representante do PRI (Enrique Peña Nieto), por cerca de 6%, e quase armou o mesmo circo. Pediu recontagem de votos, começou a fazer barulho, mas em seguida aceitou o resultado.

O que não quer dizer que tenha ficado quieto nesse meio tempo. Criticou todos os passos de Peña Nieto até agora e armou encrencas com seu próprio partido, o PRD, construindo a partir daí a dissidência Morena.

Pois, bem a seu estilo espontâneo e algo estridente, AMLO voltou à carga nesta semana, aproveitando o escorregão de Peña Nieto ao convidar Donald Trump _que vem e segue insultando os mexicanos_ para uma visita oficial ao país. Peña Nieto foi tão criticado por isso que nem mesmo seus apoiadores o têm bancado, tanto que ministros e funcionários próximos têm caído.

Um amigo, crítico literário mordaz, disse que esse foi o pior erro cometido na história do México desde a ideia de trazerem o imperador Maximiliano, um Habsburgo, para governar o país no século 19, mas essa é uma outra história.

O fato é que AMLO vem aproveitando o momento de baixa estima e reputação de Peña Nieto para aparecer, critica-lo e, agora, lançando um spot divertido e oportuno, em que anuncia que uma “Revolução dos Bichos” vai ocorrer, citando o clássico de George Orwell, de 1945, uma alegoria crítica da revolução socialista que acaba transformada num sistema totalitário. O ataque foi direcionado diretamente ao coração do PRI, partido que mantém a bandeira da Revolução Mexicana de 1910, e a Peña Nieto, seu atual comandante. Agora, diz AMLO, a revolução será pacífica, tira um lenço branco do bolso, e trará o fim da corrupção e mais segurança aos mexicanos.

Se a provocação foi eficiente ou não, é cedo para saber. Mas o certo é que a sucessão presidencial mexicana, que vinha apenas esquentando os motores, se acirrou com a trapalhada de Peña Nieto chamando Trump para um cafezinho.

Portanto, os principais postulantes ao cargo _no México não há reeleição_ já estão se apresentando. AMLO, o persistente, tentará mais uma vez, e lidera as pesquisas segundo a mais recente, do jornal “El Financiero”. O conservador PAN precisa definir seu candidato, mas está cada vez mais propenso a apostar em Margarita Zavala, mulher do ex-presidente Felipe Calderón, principalmente, segundo apostam os analistas, se Hillary Clinton sai vitoriosa nos EUA _porque ela pegaria carona nesse exemplo. Enquanto isso, o PRI, desesperadamente, busca o menos queimado dos ministros de Peña Nieto. No momento, pende para Miguel Ángel Osorio Chong, responsável pela pasta de Interior.

Cena do novo spot publicitário de Antonio Manuel Lopez Obrador (Foto Reprodução)
Cena do novo spot publicitário de Antonio Manuel Lopez Obrador (Foto Reprodução)
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“Trumplândia afundaria sem os imigrantes”, diz Valeria Luiselli https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2016/08/01/trumplandia-afundaria-sem-os-imigrantes-diz-valeria-luiselli/ https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2016/08/01/trumplandia-afundaria-sem-os-imigrantes-diz-valeria-luiselli/#respond Mon, 01 Aug 2016 18:14:20 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/?p=2416 A escritora mexicana Valeria Luiselli, que vive em Nova York (Foto Divulgação)
A escritora mexicana Valeria Luiselli, que vive em Nova York (Foto Divulgação)

Para a matéria que publiquei nesta segunda (1) em Mundo, sobre a reação dos mexicanos à candidatura de Donald Trump pelo partido republicano, conversei com a escritora mexicana Valeria Luiselli, 32, convidada da última Flip (Festa Literária Internacional de Paraty), que vive em Nova York, no bairro do Harlem, e dali acompanhou a trajetória do milionário até a entrada oficial na corrida pela Casa Branca. Como tantos mexicanos, Luiselli se preocupa com os comentários e propostas racistas com relação aos mexicanos. Como não coube tudo na reportagem, reproduzo aqui alguns dos apontamentos que me enviou sobre os principais tópicos que propus.

Sobre Trump e o México

Me preocupa muito que chegue à Presidência. Me tira o sono. Me preocupa principalmente porque destapou, com seu discurso, o ódio, e o legitimou. Este país [os EUA], como a maioria dos países, está cheio de racistas, violentos, ignorantes e xenófobos. Trump deu voz a eles. É macabra a imagem de um milionário que, diante de um estádio repleto de gente, propõe construir um muro na fronteira com o México. E logo pergunta, gritando, quem deve pagar por ele. Mas o mais triste e terrível é a imagem de milhares de pessoas que respondem: “O México!”.

Por que a candidatura Trump foi possível?

São muitos fatores. As taxas de desemprego, as dívidas de quase todos os estudantes do país, a falta de expectativas, a ausência de um Estado que ofereça um sistema de bem-estar social sólido.

Tenho viajado muito pelos EUA, tomando notas e fazendo fotos para um livro que estou escrevendo. Atravessei, de carro, mais de 20 Estados, visitei cidades semi-destruídas como Detroit, e dormi em motéis de povoados remotos em Oklahoma, Nuevo México e outros. O que se vê no interior do país, longe das cidades pujantes das costas Leste e Oeste, é um abandono absoluto: fábricas abandonadas, postos de gasolina cobertos de pedra, motéis com as janelas quebradas, colchões de antigos quartos apodrecendo ao sol nos estacionamentos vazios. Para não ir muito longe de onde vivo, em muitas cidades pequenas do Estado de Nova York, onde Trump ganhou nas primárias, há filas de “junkies” pedindo dinheiro: jovens e velhos, em sua maioria brancos, viciados em “meth” ou em heroína.

Mas só isso não justifica o imenso apoio a Trump. Por que não se apoiou com o mesmo fervor a Bernie Sanders, que também tinha um discurso populista e prometia beneficiar os menos favorecidos _ainda que de modo muito mais sofisticado, sensato, e sem dar espaço ao fator ódio e ao racismo que sustenta o discurso de Trump? Creio que a resposta tem a ver com o discurso racial. A medula do discurso de Trump é o ódio racial. Trump é o candidato de uma população branca que segue acreditando na supremacia dos brancos e que intui que logo vão deixar de ser maioria neste país. Hoje em dia, 62% do país é branco, mas, em 2065, os brancos serão 45%.

Hoje, há 18% de hispanos, mas em 2065 nós seremos 25%. Todas as estimativas indicam que os EUA tende a se transformar num país com mais diversidade racial. Talvez os apoiadores de Trump vejam em seu candidato a possibilidade das últimas braçadas de um afogado, antes que o século 21 os rebaixe e os EUA se transforme num país… moreno.

Entre outros responsáveis pelo êxito de Trump estão os meios de comunicação massiva. Os meios são como o marionetista invisível detrás de todo esse pesadelo que está se transformando em realidade. Os meios, talvez, tenham visto no personagem de Trump a possibilidade de aumentar audiências. Trump teve mais tempo no ar do que qualquer outro candidato e as consequências disso se reproduziram como um vírus. Ele é uma marca, um slogan, um êxito publicitário.

Por fim, tudo começou como um espetáculo que assistíamos, entre horrorizados, distantes e _é preciso confessa-lo_ entretidos, até que um dia começamos a viver dentro do espetáculo.

Aconteceu conosco como a garotinha de “Poltergeist”, preciso confessar.

Como se sente a candidatura Trump em Nova York?

Na cidade de Nova York, entre os republicanos, ganhou Kasich. Esta é uma cidade de imigrantes, cujos valores são opostos em todos os sentidos ao que Trump representa. Meu bairro, Hamilton Heights, no Harlem, é um bairro muito africano, afro-americano, dominicano, mexicano e árabe, e foi bastante pró-Bernie. O “deli” da esquina da minha casa, pertencente a imigrantes de Acapulco, se chama “Yo Aquí Me Quedo” (eu fico aqui), e no dia das primárias distribuiu broches de Bernie.

Hoje vejo todos preocupados. Minha filha de seis anos pergunta frequentemente: “Se Trump ganhar, vão nos expulsar?” Sua amiga, Ella, uma menina afro-argentina, respondeu a ela, a sério, um outro dia: “Você vai e vamos todos os latinos, senão nos vão matar”. Ninguém, muito menos as crianças, tinha que estar preocupado com essas coisas.

Os que estão em perigo real, como sempre, são os mais desfavorecidos. Faço trabalho voluntário na corte de imigração, como intérprete e tradutora de crianças imigrantes, e aí escutei de perto as preocupações imediatas dessa população. São os mais vulneráveis, todos estão num limbo migratório, não têm dinheiro para pagar advogados, e sua vida está nas mãos de organizações humanitárias que tentam ajuda-los, mas não dão conta. Todas essas crianças e adolescentes recém-chegados e que estão esperando receber asilo político, eles sabem que, se Trump ganha, não vão ter oportunidades aqui.

Sobre as propostas migratórias de Trump.

Nada do que ele sugere é realista. Deportar uma pessoa custa muito mais caro ao governo do que não deporta-la. Para deportar os aproximadamente 11.2 milhões de imigrantes ilegais, os EUA demorariam uns 20 anos e isso custaria entre US$ 400 e 600 bilhões. Além disso, as comunidades imigrantes pagam impostos, são parte da massa de consumidores e formam parte essencial não somente da cadeia produtiva do país como de seu tecido social. Trumplândia afundaria sem os imigrantes ilegais. Basta fazer a conta matemática.

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