Jornais argentinos perdem protagonismo no debate democrático
O papel da mídia impressa argentina nesses dois anos de gestão Mauricio Macri é um assunto do qual este blog já tratou em outras ocasiões.
Afinal, depois de mais de uma década sofrendo pressão do kirchnerismo (2003-2015), um fenômeno que se acirrou depois de 2008, quando o “Clarín” se colocou ao lado dos ruralistas contra um imposto sobre a soja criado por Cristina, dando início à campanha “Clarín Miente”, se esperava uma mudança. Não foi só o “Clarín” que sofreu ataques difamatórios durante esse período, visitas inesperadas da Receita para “ver se estava tudo em ordem” nas contas das empresas de comunicação, assédio de funcionários do governo a anunciantes para que deixassem de publicar avisos publicitários nos principais meios, afogando-os economicamente, e práticas similares foram bastante comuns. As medidas prejudicaram o “Clarín”, o “La Nación” e o “Perfil”, principalmente. Por outro lado, o governo, através de polpudos repasses de verba estatal, ia insuflando a receita de meios alinhados ideologicamente e que propagandeavam suas políticas: o histórico “Pagina12” que, assim, foi desconfigurado de sua tradicional atitude contestatária, o “Tiempo Argentino”, diversos canais de televisão e emissoras de rádio.
Quando tudo isso acabou, com a eleição de Mauricio Macri, em 2015, os donos de meios respiraram aliviados, mesmo com circulações em queda devido a competição com a internet e a crise do setor a nível mundial, pois pelo menos já não era mais necessário preocupar-se com pressões do novo governo. Ao contrário, o mesmo ofereceu a essa imprensa dita independente favores, devolveu-lhes coisas que o kirchnerismo tinha levado, como as transmissões do futebol, estatizadas por Cristina, ofereceu novas concessões e acesso a atuação em novas plataformas, como a da telefonia celular, fazendo virar letra morta o artigo da Lei de Meios que limitava a formação de monopólios.
A questão é, tudo isso foi bom para o jornalismo argentino?
Para quem quer se informar devidamente sobre o que ocorre no país, ou para quem consome jornal para saber se este está cumprindo seu papel de cobrar do governo aquilo que deve ser cobrado, a resposta definitiva é não. Com raras exceções, os jornais mantêm em seus elencos alguns poucos jornalistas investigativos. A migração para a internet em geral busca o clique fácil, e ainda não se encontrou uma forma de aliar jornalismo de qualidade a bom fluxo de audiência.
E o colunismo político, quase tão tradicional como o tango na Argentina, tornou-se (também com raras exceções) excessivamente dócil com relação ao atual governo. De perseguido e vítima, o jornalismo argentino se transformou num pálido ator na democracia local. Pouco questiona, meramente observa, dá excessiva importância ao declaratório, não debate questões essenciais do país a fundo (por exemplo, as reformas econômicas e o aborto, temas que estão na ordem do dia) e mais, não dialoga com o leitor mais jovem. É óbvio que há coisas interessantes para ler em todas as edições dessas publicações, mas se isso ocorre o mérito é dos talentos particulares que aí resistem.
Agora, acaba de surgir um número que corrobora tudo isso. Um estudo do Pew Research Center deixa a mídia argentina bastante mal parada. Segundo o estudo, apenas 37% dos argentinos acreditam que a cobertura feita pelos jornais impressos, com relação a temas políticos, é justa e imparcial. O número grita, quando a média mundial é de 52% e quando se verifica que o país se localiza em 35o lugar num ranking dos 38 países pesquisados. O jornal argentino “Buenos Aires Times”, que circula em inglês dentro do jornal “Perfil”, entrevistou os que realizaram a pesquisas. “O que é interessante é o quão baixo é o nível da cobertura política no país”, disse Katerina Eva Matsa.
Há muitos fatores que contam para isso. Mas talvez o que prepondere é que, após tantos anos fazendo um jornalismo engajado e enviesado contra o kirchnerismo, os grandes jornais abriram mão de alguns valores que definem o bom jornalismo: a independência, a pluralidade, a busca pelo furo e a apuração bem feira, além da não mistura de negócios da empresa com o conteúdo da publicação. Os leitores estão percebendo isso e se afastando. Uma triste agonia, para um país que teve, nos anos 1950-60-70 um dos jornalismos mais vibrantes da região.