Sylvia Colombo https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br Latinidades Tue, 30 Nov 2021 12:31:53 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Que ninguém limpe as paredes de Santiago https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2020/10/24/que-ninguem-limpe-as-paredes-de-santiago/ https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2020/10/24/que-ninguem-limpe-as-paredes-de-santiago/#respond Sun, 25 Oct 2020 00:09:53 +0000 https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/files/2020/10/chile-vale-screenshot-320x213.png https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/?p=3675 Desde 18 de outubro de 2019, o Chile vive um momento histórico. Começou com a onda de protestos que completou um ano na última semana, passa pelo plebiscito para aprovar ou não a redação de uma nova Constituição, neste domingo (24), e certamente continuará durante os próximos meses, ou anos, em que o país debaterá uma nova forma de organização do Estado e da sociedade.

Seja qual for o desenlace desse processo, um dilema já está no ar. O que fazer com a quantidade gigantesca de grafites, mensagens, bandeiras, pôsteres, cartazes tipo lambe-lambe e colagens com mensagens políticas que cobrem estátuas, muros de prédios públicos e particulares, comércios, pontes e bancos de praça?

Há quem defenda que tudo seja limpo, para preservar o belo patrimônio arquitetônico de Santiago. Em geral, esse grupo vê essas mensagens como vandalismo, sujeira, poluição visual. Há os mais neutros que sugerem que se tirem fotografias dessas imagens e que estas sejam exibidas como um retrato de época. E, por fim, os que creem que é melhor deixar assim, pois a cidade se mostra mais viva, como se estivesse dialogando com a sociedade em busca de uma saída de seus problemas. Sou das que opinam que se deve deixar tudo como está. Afinal, é a melhor maneira de entender o que pensam aqueles que se manifestam pró ou contra a atual situação.

“Fora Piñera”, “Mais lésbicas, menos policiais”, “fora, comunistas”, “liberdade aos presos políticos” são algumas das mensagens, acompanhadas de fotos ou desenhos de indígenas, mulheres, do compositor Victor Jara, assassinado durante a ditadura (1973-1990), além de mensagens escritas no idioma dos povos mapuches que habitam o sul do país. Há, ainda, imagens em branco e preto de manifestantes com um olho sangrando, em vermelho vivo.

Caminhar por Santiago e ver essas mensagens é uma das melhores maneiras de entender o que está acontecendo e o que se reivindica. Mais oportunidades para os jovens, melhores aposentadorias para os idosos, uma nova legislação sobre a reprodução feminina, representação para as minorias, a revolta contra os abusos da polícia. Passar os olhos por elas é entender o que vem movendo parte da sociedade chilena neste turbulento ano.

Mais, as mensagens visuais na cidade se conectam com uma tradição chilena. Pouco antes de começar a ditadura e mesmo durante o regime militar, havia grupos que se reuniam para pintar murais. Os primeiros surgiram ainda durante o governo do socialista Salvador Allende, representando os trabalhadores e indígenas do país. Depois do golpe que terminou com a democracia e com a vida de Allende, esses coletivos passaram a trabalhar na clandestinidade, usando a arte como uma forma de resistência.

Tanto naquela época como agora, as autoridades corriam para apagar as mensagens e intervenções. O caso é que, nos últimos meses, a profusão de manifestações foi tão grande que não há tempo para apagar tudo. A essa altura dos acontecimentos, talvez seja melhor deixar tudo como está.

É como se a cidade explicasse ao visitante o que vem acontecendo nela, ao mesmo tempo em que recorda diariamente seus cidadãos da lista de problemas que o país ainda têm para resolver.

 

 

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Colômbia, um passo à frente, dois para trás https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2016/12/20/colombia-um-passo-a-frente-dois-para-tras/ https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2016/12/20/colombia-um-passo-a-frente-dois-para-tras/#comments Tue, 20 Dec 2016 16:53:51 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/?p=2675 Manifestantes pró-matrimônio gay, em Bogotá (Foto AP)
Manifestantes pró-matrimônio gay, em Bogotá (Foto AP)

Por incrível que pareça, a Colômbia se predispõe a tomar mais uma decisão por meio de um plebiscito, poucos meses depois de o país ter cindido em dois com a votação sobre o processo de paz. Desta vez, será para escolher entre seguir dando passos firmes em direção a uma sociedade igualitária, com mais liberdade e direitos civis a todos ou continuar sendo um país extremamente conservador, e que permite que crenças religiosas de uns ditem políticas que valem para todos.

O tema em questão é a adoção por casais homossexuais. Ou melhor, a adoção por casais, indivíduos ou grupos familiares, que não sejam compostos pela tradicional formação “homem e mulher”. Tudo começou quando a Corte Constitucional do país, há um ano, permitiu a adoção de crianças por parte de casais do mesmo sexo. A decisão revoltou líderes religiosos cristãos e evangélicos, que iniciaram intensa campanha para derrubar a medida.

Quem capitaneou o movimento foi a senadora evangélica Viviana Morales, que recolheu mais de dois milhões de assinaturas para um pedido de reescritura de um artigo da Constituição, tornando a adoção algo que só poderia ser exercido por famílias constituídas pelo casamento de homem e mulher. O pedido já recebeu um primeiro “sim” do Senado e agora deve passar por mais um debate parlamentar para o aval final. Vencidas ambas etapas, o assunto iria para votação num referendo.

Um dos problemas é que a medida, se aprovada, não apenas impedirá a adoção por parte de casais gays, mas também por parte de viúvos, divorciados e solteiros em geral, antes perfeitamente habilitados para isso e amparados pela Constituição. “Se isso passa, estaremos dando um péssimo sinal para a sociedade, estaremos dizendo que na Colômbia há cidadãos e famílias de primeira e segunda classe”, disse a senadora progressista Claudia López.

O texto do pedido de Morales justifica a medida como de “proteção a meninos e meninas, e garantias de que receberão edução de uma família formada por um matrimônio de fato”. A senadora se aferra a dados de pesquisas recentes que indicam que 85% dos colombianos são contra a adoção igualitária. O marido de Morales, um ex-guerrilheiro do M-19, diz que a medida evitaria a “homossexualização da sociedade”.

A possibilidade de que o “sim” saia vitorioso nesse caso é muito grande. Ainda está na memória de todos como a chamada “ideologia de gênero” ajudou a derrubar o acordo de paz no plebiscito de 2 de outubro.

Em entrevista à Folha, o próprio presidente Juan Manuel Santos admitiu ter minimizado a importância que a visão religiosa da família tem para boa parte da sociedade colombiana.

Na última semana, Santos alarmou-se com o andamento acelerado da medida no Congresso, e se posicionou contra o plebiscito. “Não estou a favor dessa posição. Nós somos um governo que promoveu os direitos de todos os colombianos, incluindo as minorias raciais, étnicas e os homossexuais.”

O caso é que, por ora, Santos não tem muito a fazer que esperar o desenvolvimento do processo. O que parece ficar muito claro é que a “ideologia de gênero” é um assunto que chegou para ficar na pauta da discussão política na Colômbia, e deve ser um dos temas-chave da eleição legislativa e presidencial de 2018.

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O que Deus teve a ver com o não à paz? https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2016/10/13/o-que-deus-teve-a-ver-com-o-nao-a-paz/ https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2016/10/13/o-que-deus-teve-a-ver-com-o-nao-a-paz/#comments Thu, 13 Oct 2016 23:21:01 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/?p=2552 Marcha pelo "não" e contra a ministra homossexual Gina Parody (Foto El Espectador)
Marcha pelo “não” e contra a ministra homossexual Gina Parody (Foto El Espectador)

Por incrível que pareça, influenciou muito o voto pelo “não” no plebiscito da paz a interpretação que alguns líderes religiosos católicos e evangélicos fizeram do documento acordado entre o governo colombiano e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, e o modo como transmitiram aos fiéis essa leitura.

Algo desse ambiente religioso anti-acordo já podia ser percebido semanas antes, quando manifestantes foram às ruas protestar contra uma cartilha de orientação sexual para crianças distribuído pelo ministério de Educação. O panfleto, que obedecia padrões internacionais, tinha como objetivo ensinar tolerância a meninos e meninas em idade escolar com relação a diferenças raciais e de preferências sexuais. Porém, muitos pais consideraram que a publicação estimulava uma “ideologia de gênero” e, de certo modo, ensinava às crianças que ser homossexual não era um problema. Irritados, os manifestantes direcionaram seus ataques à então ministra da Educação, Gina Parody, e a atingiram por meio de um aspecto de sua vida pessoal _Parody é homossexual. Já nesse episódio, era possível ver cartazes que relacionavam membros do governo a uma ideologia que consideram “anti-familiar”, e daí partiu-se para a ameaça de votar “não” ao acordo. Esses setores mais conservadores da sociedade também não simpatizam com o fato de o governo do presidente Juan Manuel Santos ter promovido avanços em legislações sobre direitos civis, como o matrimônio gay, a legalização da maconha para uso medicinal e o aborto (ainda em debate no Congresso).

O ex-presidente Álvaro Uribe, principal promotor do “não”, logo percebeu aí um potencial para expandir sua campanha. Existem 10 milhões de evangélicos na Colômbia, enquanto a maioria da população é católica. Associado a alguns pastores, Uribe e seus apoiadores passaram a atacar o acordo de paz naquilo que se referia ao projeto de promover uma sociedade conciliada mais igualitária. Dois trechos específicos do texto deram brecha para esse reclamo dos religiosos. O primeiro era o que dizia que “a implementação do acordo deve ser feita tendo em conta a diversidade de gênero, étnica e cultural, e que se adotem medidas para as populações e os coletivos mais humildes e mais vulneráveis, em especial meninos e meninas, mulheres e pessoas com deficiência”. O outro ponto era o que estipulava: “que se promova a igualdade de gênero, mediante a adoção de medidas específicas para garantir que mulheres e homens participem e se beneficiem em pé de igualdade da implementação do acordo.”

Depois da derrocada da proposta, no último dia 2, por uma diferença mínima de 54 mil votos, membros do governo e da equipe de negociadores vêm quebrando a cabeça para tentar entender onde perderam votos, que pontos do acordo não convenceram a população e o que se pode fazer em termos de retocar o texto, sem assassina-lo, para que possa ser reapresentado ou reutilizado. Pois, foi então que se mediu o impacto da influência desse aspecto religioso. Segundo cálculos dos próprios evangélicos, dos cerca de  4 milhões que declararam ter votado, mais da metade votou “não”, por considerar que o acordo era uma ameaça à “ideia tradicional de família”. Um grupo de representantes da comunidade evangélica já prepara um documento, a ser entregue ao governo no dia 20 de outubro, em que propõe mudanças nesses itens. Segundo Edgar Castaño, presidente da Confederação Evangélica da Colômbia, “o documento deixa vulneráveis os princípios evangélicos da família quando fala de equilibrar os valores das mulheres e desses outros grupos (referindo-se à comunidade LGBT)”.

O governo também avaliou que o apoio do papa Francisco se mostrou débil ao final. Enquanto estavam na fase de negociações, o papa apresentou-se como mediador e estimulou o acordo. Depois, ao ser chamado para integrar uma comissão que escolheria os juízes para o tribunal especial, retirou-se de cena, e com ele calaram-se também outros líderes da Igreja Católica local, a quem Santos também não cai bem. Esses líderes também consideraram o acordo demasiado concessivo às Farc. Nesse caso, a propaganda de Uribe, de que Santos seria um “comunista” e que estaria levando a Colômbia a se transformar num país que desrespeita valores tradicionais de certa forma funcionou.

Um dos principais porta-vozes dessa ideia, o procurador Alejandro Ordóñez, ultra-conservador e uribista, disse a Santos que o acordo deveria ser “purgado de toda a ideologia de gênero”.

Foi por isso que, ao longo da última semana, além de receber lideranças políticas de distintos matizes e grupos de vítimas, Santos também ouviu os religiosos. E acabou prometendo concessões. “Vamos tirar tudo o que ameace a família, a Igreja e vamos buscar uma frase, uma palavra que não cause temor aos que creem.”

Quem não gostou nem um pouco desse recuo do governo foram as Farc. Único lado da negociação que contou com mulheres na mesa de discussões, a guerrilha manifestou que esse não será um item negociável. Victoria Sandino, porta-voz das Farc disse que “não haverá retrocesso nesse ponto. Não só nos surpreendeu esse debate, como nos doeu profundamente porque estão enganando as pessoas com mentiras”, declarou à revista “Semana”. “Não vamos tirar do acordo um item que cuida dos direitos das mulheres e da população LGBT”.

Pois esse é apenas um dos obstáculos que enfrentarão, nas próximas semanas, os negociadores, que ainda buscam um jeito de manter o acordo vivo, remendado ou não, e salva-lo de alguma forma antes de que termine o prazo do cessar-fogo, em 31 de dezembro.

 

 

Marcha pelo "não" em Bogotá (Foto AP)
Marcha pelo “não” em Bogotá (Foto AP)
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Um Nobel da Paz tem força para trazer a paz? https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2016/10/09/um-nobel-da-paz-tem-forca-para-trazer-a-paz/ https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2016/10/09/um-nobel-da-paz-tem-forca-para-trazer-a-paz/#comments Mon, 10 Oct 2016 00:28:23 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/?p=2547 As mãos de Timochenko, Santos e Raúl Castro, em encontro das equipes negociadoras em Cuba (Foto Reuters)
As mãos de Timochenko, Santos e Raúl Castro, em encontro das equipes negociadoras em Cuba (Foto Reuters)

É uma pena, mas a resposta mais imediata para essa pergunta parece ser “não”. Pelo menos no que se refere à Colômbia.

Numa semana fervilhante na terra que deu origem a Macondo e ao chamado “realismo mágico”, os colombianos ainda estão tentando entender o que aconteceu. Depois de uma derrota do “sim” no plebiscito da paz por uma diferença mínima de votos (50,2% a 49,7%), um “day after” em que se via um presidente apático, derrotado, ter de receber, humilhado, ao grande rival, que se impôs com a vitória do “não” (Álvaro Uribe), e que ficou nada menos quatro horas dizendo-lhe o que achava que estava errado no acordo, Juan Manuel Santos despertou na sexta-feira com a notícia de que tinha recebido nada menos do que o Nobel da Paz.

O prêmio já foi concedido a pessoas por conquistas passadas, ou por tentativas de conquistas, ou pelo conjunto de uma obra que ainda está por ter um desenlace. Mais que um feito, o Nobel da paz premia um esforço. E é por isso que, por mais que soe contraditório, o Nobel a Santos, poucos dias após a derrota do plebiscito, faz sentido. Há pelo menos quatro anos esse homem comanda de modo obstinado uma negociação com uma guerrilha que espalhou sangue pela Colômbia, fez mais de 250 mil mortos e tirou 8 milhões de suas casas.

A pergunta que se faz agora é se o prêmio tem chance de reverter o resultado de domingo ou ajudar num eventual novo processo a ser iniciado. O consenso geral dos analistas que vêm opinando é que o prêmio pode até ajudar, dar sobrevida política a Santos, mas agora, assim como antes, a paz ainda depende daqueles envolvidos em negocia-la. Como bem disse o analista argentino Juan Tokatlian, professor da Universidade Torcuato di Tella, especialista em Colômbia e um dos acadêmicos que mais entendem de América Latina na região hoje: “O Nobel é talvez a última maneira que a comunidade internacional tem de dizer à Colômbia que deve seguir buscando o processo de paz.”

Sim, porque os outros países outra coisa não podem fazer. Já apoiaram as negociações, alguns ofereceram território e observadores, vários se reuniram na festa do dia 26, vestiram “guayaberas” brancas e se postaram ao lado de Santos para dar-lhe apoio. Agora, cabe aos envolvidos. E os envolvidos _as urnas já disseram e uma observação das ruas e do interior colombiano comprovam_ estão tão dividido como antes.

A verdade é que o documento de Havana está moribundo, soltando seus últimos suspiros de vida. A perspectiva de que esse texto permaneça vivo e seja aceito como está é muito pequena. Pelas seguintes razões. A primeira, o cessar-fogo que o garante acaba em 31 de outubro, e é difícil que até lá sejam reformados os pontos que a oposição quer, sem um esforço e uma rapidez descomunais. Só para se ter uma ideia, o artigo relacionado à reforma agrária tomou 12 meses para se chegar a um consenso, o das vítimas dois anos. Achar que todos os retoques poderão ser feitos em 21 dias é ilusório. Claro que se pode negociar uma extensão do cessar-fogo, mas isso também dependerá de uma negociação nada simples.

As Farc e o governo aceitaram ouvir os pontos daqueles que defendem o “não”. Até antes do Nobel, Uribe era bem claro. São eles: cabeças das Farc na prisão, prisão de verdade e não reparação comunitária, narcotráfico como crime não-anistiável em nenhuma circunstância, não-elegibilidade política para ex-guerrilheiros, e fim da Justiça transicional que possa colocar no banco dos réus, além de ex-guerrilheiros, militares (muitos que atuaram durante o mandato de Uribe) e civis envolvidos em crimes conexos à guerra (o próprio Uribe).

O líder das Farc, Rodrigo “Timochenko” Londoño já avisou que esses termos, assim como foram formulados, não são aceitáveis, e que a alternativa seria que as Farc voltassem aos montes e selvas. Sua justificativa é que a única razão para que a guerrilha tenha topado sentar-se a negociar foi a promessa de que poderiam entrar na política. Se o ponto principal de Uribe é um “não” a essa possibilidade, é muito provável, portanto, que a guerra siga.

Para tentar essa solução de curto prazo, já começaram as conversas entre os escolhidos de ambos os lados para dialogar com as Farc. Representando o governo estão Humberto de la Calle (chefe dos negociadores), a chanceler Maria Holguín e o ministro da Defesa, Luis Villegas. Do lado do uribismo estão o ex-candidato Óscar Iván Zuluaga, o provável presidenciável da força para 2018, Ivan Duque, e Holmes Trujillo.

Antes do Nobel, este seria um encontro de surdos, porém, depois do Nobel, é possível que os uribistas se vejam numa situação em que devem dar, pelo menos agora, um passo atrás. Uma vez que o presidente colombiano ganhou capital político e mais apoio internacional, o uribismo pode se intimidar e abrandar os termos que antes eram considerados inegociáveis. Ou seja, admitir a elegibilidade política, mas adia-la ou colocar algum entrave, permitir que se anistie algum tipo de atividade ligada ao narcotráfico, e que a exigência de prisão para os líderes seja mais branda, como se fez com o acordo com os paramilitares, ainda sob Uribe, nos anos 2000.

Mas essa é apenas uma possibilidade. Também está aquela em que o Nobel não seja respeitado. Para que sua força ecoe dentro da Colômbia, um fator fundamental deve ocorrer, e de fato está ocorrendo: a população pró-“sim” está saindo às ruas em manifestações. Se esse movimento cresce, o uribismo perde ainda mais força, e pode ter de capitular em outras de suas exigências.

A queda de braço pode seguir por semanas ou meses. Se tomar muito tempo, também matará o acordo, uma vez que 2018 é ano eleitoral, e portanto a disputa tomará outras cores. O próximo presidente pode ser um uribista e o acordo voltará para o limbo. Então, tudo teria de ser iniciado do zero, com novas equipes e novos critérios.

A questão que está posta aqui gira em torno da mesma disputa que tem marcado a história recente da Colômbia. De um lado, está Uribe e seus 6,6 milhões de votos (os que escolheram o “não”). Do outro, Santos, até segunda-feira passada um líder derrotado e com menos 20% de popularidade. Só que agora Santos é outra pessoal, renovado pelo Nobel da paz.

A queda de braço será entre essas duas forças. Mas, à diferença do plebiscito, que não entusiasmou muita gente (menos de 40% do eleitorado votou), essa nova fase parece ter acordado os colombianos, que ganharam as ruas e querem uma resposta rápida a esse impasse.

O limbo prolongado do acordo não interessa a ninguém: nem aos que sofrem com os ataques e extorsões das Farc ativas, nem ao governo que ficou desprestigiado com a derrota, nem a Uribe, que quer logo armar sua força pensando em 2018. E mais, o limbo não interessa à Colômbia, que mais do que nunca quer voltar à comunidade internacional como um país em paz, maduro e com a economia em ordem.

Imagem do centro de Bogotá tomado por apoiadores do "sim", na noite de segunda, após o resultado (Foto El Espectador)
Imagem do centro de Bogotá tomado por apoiadores do “sim”, na noite de segunda, após o resultado (Foto El Espectador)

 

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Amigos, Vargas Llosa e Álvaro Uribe trocam farpas pelo processo de paz https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2016/09/20/amigos-vargas-llosa-e-alvaro-uribe-trocam-farpas-pelo-processo-de-paz/ https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2016/09/20/amigos-vargas-llosa-e-alvaro-uribe-trocam-farpas-pelo-processo-de-paz/#comments Tue, 20 Sep 2016 18:49:58 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/?p=2534 Álvaro Uribe e Vargas Llosa, durante encontro em Madri (Foto AP)
Álvaro Uribe e Vargas Llosa, durante encontro em Madri (Foto AP)

E pensar que esses dois eram amigos. Em seu incansável discurso contra os populismos de esquerda, na última década, o Nobel peruano Mario Vargas Llosa várias vezes apontou o ex-presidente colombiano Álvaro Uribe (2002-2010) como um político responsável, que agia de modo “enérgico e resoluto” contra as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) e contra outros grupos de luta armada de tendência esquerdista. Coerentemente, em seu pomposo aniversário de 80 anos, em março, entre os 400 ilustres convidados, Vargas Llosa não se esqueceu de chamar seu ídolo colombiano, Uribe, que atendeu à festa junto a outros políticos neoliberais latino-americanos.

Entre as tantas passagens em que demonstrou simpatia pelo ex-presidente colombiano, contei uma aqui, quando cobri o Festival de Literatura de Bogotá (Filbo), em 2014. Vargas Llosa teve um bate-boca com um manifestante que, em meio à sua palestra, rasgou um livro do Nobel acusando-o de ser próximo de Uribe _a essa altura, com má-fama depois da descoberta dos escândalos envolvendo o governo com os paramilitares, entre outros. Vargas Llosa chamou o leitor anti-uribista de “fundamentalista” e seguiu sua fala.

Pois a amizade entre Álvaro Uribe e Mario Vargas Llosa sofreu um duro golpe nesta semana. O ex-presidente deve ter tido de esfregar os olhos ao dar de cara com a coluna que o peruano escreveu no jornal espanhol “El País”, em que dizia que: “se eu fosse colombiano e pudesse votar, o faria pelo ´sim´.”

Como se sabe, a Colômbia vive as semanas prévias a um plebiscito em que não apenas a população aprovará ou não um acordo de paz a que chegaram o governo e as Farc. Internamente, a votação se transformou também numa queda-de-braço entre o atual presidente e promotor do acordo, Juan Manuel Santos, e seu antecessor e antigo padrinho _mas hoje inimigo mortal_ Álvaro Uribe.

O ex-presidente tem recorrido o país fazendo comícios em campanha estridente pelo “não”. Suas razões, pelo menos as verbalizadas, são de que o acordo é demasiado concessivo à guerrilha, que “entrega o país ao castro-chavismo” e ao comunismo. Suas razões pessoais, qualquer colombiano perguntado nas ruas dirá, estão relacionadas a ciúmes políticos e a uma disputa sobre quem deixará o melhor legado e ficará mais vistoso nos livros de história. Se Uribe, até então conhecido como o presidente que, com mão-dura, pacificou o país, reprimindo a guerrilha, ou Santos, que oferece agora amplas anistias, subsídios e uma Justiça especial a pessoas que cometeram graves delitos.

Uribe não ficou quieto, e logo no dia seguinte do artigo do escritor peruano, soltou um comunicado, por meio de seu partido, o Centro Democrático. Diz o texto: “Convencidos de seu espírito democrático, convidamos o sr. Vargas Llosa a ler o acordo de 297 páginas para que verifique que seu objetivo não é a paz, mas sim impor aos colombianos um modelo que causou muito estrago à Cuba e à Venezuela.”

O curioso é que, em seu artigo, Vargas Llosa também usa argumentos parecidos ao de Uribe, só que para pedir o contrário, que os colombianos votem “sim”. Se para Uribe, votar “não” é aproximar a Colômbia da atual tragédia venezuelana, para Vargas Llosa, a única maneira de evitar o mesmo panorama é votar pelo “sim”. Diz ele: “O ar desse nosso tempo não está para as aventuras guerrilheiras que, nos anos 60, só serviram para encher a América Latina de ditaduras militares sanguinárias e corrompidas até os ossos. Empenhar-se em imitar o modelo cubano, a romântica revolução dos barbudos, serviu para que milhares de jovens latino-americanos se sacrificassem inutilmente e para que a violência e a pobreza se estendesse.” E conclui pedindo “uma recusa às ditaduras, às rebeliões armadas e as utopias revolucionárias que afundam os países na corrupção, na opressão e na ruína (leia-se Venezuela).”

Como continuará a queda-de-braço entre os dois amigos neoliberais, a Colômbia espera, como quem acompanha uma telenovela.

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Pergunta do plebiscito cria polêmica e confunde pesquisas https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2016/09/10/pergunta-do-plebiscito-cria-polemica-e-confunde-pesquisas/ https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2016/09/10/pergunta-do-plebiscito-cria-polemica-e-confunde-pesquisas/#respond Sat, 10 Sep 2016 19:47:41 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/?p=2504 Charge da revista "Semana" mostra o presidente Santos (com o "sim") e o ex-presidente Uribe (com o "não")
Charge da revista “Semana” mostra o presidente Santos (com o “sim”) e o ex-presidente Uribe (com o “não”)

Minha experiência recente com as pesquisas de intenção de voto na Colômbia não é  das melhores. Quando vim ao país para cobrir as eleições de 2014, elas de um modo geral erraram no primeiro turno e não adivinharam que Óscar Iván Zuluaga venceria essa rodada. Já no segundo, oscilaram e apenas nas últimas horas antes do pleito conseguiram cravar que Juan Manuel Santos virara o jogo e seria reeleito.

Portanto, eu não esperava nada diferente ao chegar aqui, há poucas semanas, para cobrir o processo de paz. Nos dias anteriores ao anúncio do texto final, elas davam uma tendência de aumento do “não”. Depois que se fez público o consenso entre as duas partes, o “sim” subiu, mas só por uns dias. Logo, quando o texto foi melhor conhecido, o “não” voltou a ganhar força, por conta do conhecimento das concessões à guerrilha que os colombianos têm dificuldade para engolir e que seguem no documento.

Por fim, depois que se lançou a pergunta oficial do plebiscito, os números voltaram a disparar para o lado do “sim”. E a mais recente, do instituto Ipsos, aponta uma vitória de lavada, de 72% _numa competição em que essa alternativa só precisa de 4,5 milhões de votos, ou seja 13% do total para sair vencedora.

Mas será que a oscilação tem a ver mais com a facilidade com que os colombianos mudam de ideia ou com a fragilidade dos métodos de apuração?

Para o colunista da revista “Semana”, Daniel Coronell, um dos mais respeitados jornalistas do país, sim, pois, ao dissecar os problemas de uma dessas pesquisas apontou para diversos erros cometidos por institutos colombianos: fazem muitas perguntas antes da questão principal, ou seja, acabam de algum modo conduzindo o cidadão a uma opção, se estiver indeciso, dão mesmo peso a sondagens telefônicas do que a entrevistas ao vivo e, em geral, privilegiam as regiões urbanas.

Só que, a essa altura da campanha, a questão da disparidade dos números apontados pelas pesquisas ganha um componente novo. E é o seguinte: a pergunta elaborada pelo governo para ser respondida pelos colombianos no próximo dia 2 de outubro é adjetivada e dá margem a uma interpretação pouco objetiva.

Vamos a ela: “Você apoia o acordo final para o fim do conflito e a construção de uma paz estável e duradoura?”.

O principal problema foi logo apontado pela oposição, inconformada: a questão não fala das Farc e não especifica de que acordo se trata especificamente. Para os que conhecem pouco a história da Colômbia, acordos de paz já foram feitos aos montes em outras épocas, com o M-19, com o Quintín Lame, com os paramilitares. Neste momento, além do quase encerrado acordo com as Farc, o governo também iniciou a negociação de outro, com o ELN (Exército de Libertação Nacional).

Portanto, o colombiano médio, sem muito acesso a informação, pode confundir-se, até porque aqueles que vivem em zonas de conflito sabem que as Farc são apenas parte da violência geral do interior. Também estão aí as temidas Bacrim _bandas criminosas_ formadas por ex-paras e ex-guerrilheiros, hoje dedicados ao narcotráfico. Como saber de que acordo se está falando? A oposição pediu que se esclarecesse que esse era o tratado com as Farc, incluindo a sigla da guerrilha em questão na pergunta, mas o governo não acatou o pedido, e a Corte Constitucional o apoiou.

Para o presidente Juan Manuel Santos, a pergunta é “neutra” e não tem como causar confusão. Neste ponto, além da oposição, surgiram reparos também de linguistas e constitucionalistas. Para estes, a pergunta deveria se limitar ao acordo de Havana e não questionar o eleitor se ele é ou não a favor da “paz”, um conceito abstrato e genérico, e ainda mais com os adjetivos “estável e duradoura”.

Não há como negar que tal questão, assim formulada, leva o eleitor a ser favorável à proposta, ainda que não a conheça bem. Quem possivelmente dirá ser contra a paz e que ela seja estável e duradoura? É preciso lembrar que, entre os que defendem o “não” estão não apenas aqueles interessados na derrota política de Santos ou que querem que o conflito continue porque lucram com ele. Também defende o “não” parte da sociedade que igualmente quer a paz, porém sem as tantas concessões e anistias que o acordo de Santos propõe. E a pergunta, como está formulada, não os contempla, não dá opção para que os eleitores que gostariam de uma paz diferente da estabelecida no texto de Havana se manifestem.

Ao perguntar, com uma linguagem idílica e apontando para um futuro sorridente e luminoso (“uma paz estável e duradoura”), o governo falta com a objetividade, e de certa forma manipula os corações a seu favor.

É desejável e, neste momento bastante provável, que o “sim” vença o plebiscito. Mas a pressa de Santos em aprova-lo antes que sua popularidade continue caindo _por questões extra-paz, como a economia_ pode fazer com que cometa atropelos. Seria uma pena desperdiçar esses quatro anos de negociações tomando atitudes autoritárias ou manipulando sentimentos, que foi um pouco o que ocorreu na formulação dessa pergunta.

Os colombianos merecem que o “sim” ganhe e que a guerra termine, mas também que isso ocorra de forma legítima e democrática.

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