Sylvia Colombo https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br Latinidades Tue, 30 Nov 2021 12:31:53 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Feministas venezuelanas sacodem redes sociais e pedem mudanças reais https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2021/05/22/feministas-venezuelanas-sacodem-redes-sociais-e-pedem-mudancas-reais/ https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2021/05/22/feministas-venezuelanas-sacodem-redes-sociais-e-pedem-mudancas-reais/#respond Sat, 22 May 2021 21:04:28 +0000 https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/files/2021/05/METOO-VENEZUELA_WEB-320x213.jpg https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/?p=3802 Com alguns anos de atraso, um movimento feminista organizado e robusto surgiu na Venezuela. Depois do #MeToo norte-americano, do #NiUnaMenos e tantos outros na América Latina. E, como toda organização que defende, em meio à ditadura de Nicolás Maduro, direitos civis e humanos, enfrenta imensas dificuldades.

Uma delas vem de parte da própria oposição ao regime. Há, entre os mais engajados, os que questionam como é possível que, ante a tamanha crise humanitária, fome, escassez de remédios e pandemia, as feministas agora queiram levantar a voz e pedir respeito a seus direitos como uma prioridade? Pois é, dá até preguiça de explicar. Mas, por fim, a união de várias delas tem falado mais alto, mostrando que, especialmente por conta da crise humanitária, lutar pelas causas de gênero é tão necessário como pedir eleições livres.

O movimento venezuelano se chama “YoTeCreo” e, ainda que tenha realizado alguns eventos presenciais, ganhou sua principal força nas redes sociais. Primeiro, porque estamos numa pandemia. Segundo, porque os abusos contra as mulheres venezuelanas agora ocorrem em vários países, desde que a diáspora começou. Hoje são quase 6 milhões de venezuelanos (ONU) que migraram, e muitos deles estão vivendo em países da região.

Em alguns casos, tanto predador como vítima são imigrantes, e o abuso ocorre fora da Venezuela. Como ocorreu com o escritor venezuelano Willy McKey, acusado de abuso por várias mulheres. Depois de admitir a veracidade das acusações contra ele, McKey acabou matando-se, saltando do nono andar de um prédio em Buenos Aires. O caso levantou polêmica dentro e fora da Venezuela, com acusações de seus amigos de que as mulheres o haviam levado a suicidar-se.

O “YoTeCreo” surgiu com força na Venezuela em 19 de abril, quando um grupo de mulheres começou a postar experiências de abusos sexuais por parte de amigos, familiares ou figuras públicas. Foi como uma avalanche, e logo as denúncias já eram milhares. As principais plataformas são o Instagram e o Twitter.

Assim como no trágico caso de McKey, há várias denúncias contra artistas, como o músico Alejandro Soto, da banda Los Colores, ou Tony Maestracci, da Tomates Fritos. A maioria dos casos, porém, indica abusos vindos de distintos lados, e centenas apontam a companheiros, familiares ou amigos próximos. 

Há líderes do movimento em Caracas e na Cidade do México que agora enfrentam o desafio. Deixar que as redes sejam o tribunal das denúncias? Não parece ser uma boa ideia. E o caso de McKey é exemplar. Se em vez de ser torpedeado pela internet, fosse levado à Justiça, não estaria morto, mas pagando por seus crimes como se deve, enfrentando um tribunal e, eventualmente, sendo condenado.

O dilema é, a que instituição levar as denúncias? As feministas do “YoTeCreo” baseadas em Caracas têm visões contraditórias. Há as que acreditam que vale levar os casos para a Justiça do regime chavista, mesmo sabendo de sua inoperância, da falta de credibilidade desta instituição e do fato de que muitas delegacias tratam mal as mulheres e menosprezam casos de violência de gênero. Outras, creem que os casos devem ser ecoados na internet apenas, exercendo pressão pelo “cancelamento” do agressor.

A atriz Grecia Augusta Rodríguez, por exemplo, levou uma acusação ao Ministério Público, e instou, vias redes sociais, que as demais façam o mesmo e que pressionem as autoridades. Há as que creem que é a estratégia correta, outras que já não creem na possibilidade de ter uma resposta de um Estado falido, que sequer tem dado atenção ao colapso sanitário do país ante a pandemia do coronavírus.

Das próprias redes, surgiram outras propostas. Por exemplo, um grupo de venezuelanas que está no México vem recopilando casos, por ora locais, ocorridos com vítimas venezuelanas, para levar a autoridades mexicanas, e estimulando que isso também seja feito nos outros países em que as venezuelanas estejam. É um paliativo, não resolve a questão de gênero na Venezuela, mas começa a mover as peças do jogo e a dar força a essas vozes.

Levantamentos de ONGs locais venezuelanas dão conta de que de cada 10 delitos contra mulheres denunciados às autoridades, nove ficam impunes. Desde 2015, o regime deixou de publicar cifras oficiais sobre a violência contra a mulher no país. Segundo ONGs, em 2019, houve 167 feminicídios. Em 2020, 256. O salto entre um ano e outro é de mais de 50%, e mostra como as medidas de quarentena incrementaram os casos de violência doméstica.

Entre as agressões contra as mulheres venezuelanas estão, também, a falta de acesso à saúde e ao acompanhamento da gravidez. Uma legislação sobre o aborto sequer é pauta de debate na nova Assembleia Nacional, controlada pelo chavismo.

A oposição à ditadura abraça as causas feministas. Porém, se mal tem conseguido jogar nesse campo inclinado com a ditadura pela realização de eleições livres, os opositores acabam deixando as causas de gênero num perigoso limbo, onde as mulheres continuam sendo vítimas de mais abusos.

As mulheres se cansaram, e a hashtag #YoTeCreo está no ar. As mulheres estão saindo da letargia causada pela grave crise do país e organizando-se em torno de suas bandeiras. Porque, ainda que outros digam que não são a prioridade neste momento, elas sabem que sim, o são.

 

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Oposição venezuelana cai na mesma armadilha pela segunda vez https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2020/08/02/oposicao-venezuelana-cai-na-mesma-armadilha-pela-segunda-vez/ https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2020/08/02/oposicao-venezuelana-cai-na-mesma-armadilha-pela-segunda-vez/#respond Sun, 02 Aug 2020 22:39:47 +0000 https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/files/2020/08/271194-320x213.jpg https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/?p=3623 Neste domingo (2), a oposição venezuelana ao chavismo caiu na mesma armadilha de 2005. Ao não encontrar uma estratégia eficiente para enfrentar a ditadura de Nicolás Maduro, decidiu que boicotará as eleições legislativas marcadas para o próximo dia 6 de dezembro. Assim, abre espaço para a possibilidade de que o regime continue no poder por tempo indeterminado, mesmo com a grave crise econômica e humanitária pela qual passa o país e com o nível baixíssimo de popularidade de Maduro (13%, segundo o Datanálisis).

A decisão dos 27 partidos, incluindo os mais importantes da oposição (Ação Democrática, Copei, Voluntad Popular e Primero Justicia), foi anunciada em um comunicado. Nele, as agrupações enumeram as razões, todas elas legítimas, para não participar do pleito. Entre elas: a formação inconstitucional no novo Conselho Nacional Eleitoral (CNE), a inabilitação de atores políticos importantes, a intervenção no diretório dos partidos, a falta de convocação de observadores internacionais qualificados, a existência de presos políticos e o histórico recente de fraudes nas últimas eleições presidenciais e regionais.

Mas, se os motivos são justos, por que boicotar não é a melhor saída? Porque, como bem disse o analista político Luis Vicente León em entrevista à Folha, deixar de participar tirará desse grupo a única coisa que possui, que é a legitimidade dos cargos que conquistaram em 2015, na última eleição venezuelana de fato reconhecida como legal pela comunidade internacional. E “se quando tinham os cargos os parlamentares opositores não conseguiram seus objetivos, não será como poder alternativo, que sequer tem a ratificação do voto popular, que irão conseguir.”

Participar da eleição como se fosse uma partida de futebol com o campo inclinado a favor da ditadura tampouco é uma boa opção. Mas esta estratégia já foi tentada, em 2005, e mostrou-se um colossal erro. Nas eleições legislativas daquele ano, os principais partidos de oposição, por razões parecidas, também decidiram-se pelo boicote. O resultado foi terem demorado 10 anos para voltar a ter voz política no parlamento. E, com isso, deram uma década inteira ao chavismo para que centralizasse ainda mais o poder.

Em 2005, a coalizão chavista ficou com 90% da Assembleia Nacional. O resto do parlamento ficou com partidos pequenos e desimportantes. Chávez, na época, chegou a decretar a morte da oposição: “esses partidos (referindo-se aos que se abstiveram de participar) já cumpriram sua parte e creio que chegou a hora de sua morte. De suas cinzas surgirão novos líderes e grupos de oposição”. Com a frase, referia-se, ao falar de uma “nova oposição”, à parte desta que foi literalmente comprada por subornos, ou que recebeu favores indevidos, apenas para fingir que a Venezuela era uma democracia. Mais ou menos o que Maduro está fazendo hoje com dissidentes como Luis Parra, ex-integrante do partido Primero Justicia, e que vem se prestando ao papel de fantoche como “líder da AN” aos olhos do regime.

É compreensível que a oposição não veja um cenário ideal e competitivo na eleição de dezembro. Não há mesmo, a Venezuela é uma ditadura. Porém, dividir-se e sair fora do cenário eleitoral não parece ser a melhor estratégia. Talvez seja o momento de unir-se novamente num novo projeto, como já se tentou antes, com a formação da MUD (Mesa de la Unidad Democrática), em 2008, ou com o referendo de julho de 2017, ou mesmo com a autoproclamação de Juan Guaidó, em 2019. Quando apresentados a uma proposta nova e entusiasmante, os venezuelanos respondem em apoio, saem às ruas. As três iniciativas citadas falharam, é certo, mas foram tentativas que unificaram as forças da oposição e propuseram algo interessante, uma saída para a situação do país.

Agora não é o momento de ausentar-se, mas sim o de dar um novo passo e de articular as forças e atores políticos de modo diferente, com uma nova estratégia. Senão, o regime ditatorial venezuelano, mesmo que frágil das pernas, terá espaço para continuar causando estrago no país e expulsando dele milhões de cidadãos venezuelanos.

 

 

 

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Um ano da prisão de Requesens, outro abuso da ditadura de Maduro https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2019/08/07/um-ano-da-prisao-de-requesens-outro-abuso-da-ditadura-de-maduro/ https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2019/08/07/um-ano-da-prisao-de-requesens-outro-abuso-da-ditadura-de-maduro/#respond Wed, 07 Aug 2019 20:23:13 +0000 https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/files/2019/08/download-225x213.jpg https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/?p=3386 Sabrina e Adriano, os dois filhos pequenos de Juan Requesens, 30, pensam que o pai está numa “missão especial”. Foi o único argumento encontrado pelos familiares para confortar as crianças, que de repente se viram, em casa, com uma nova situação: o vazio da ausência desse pai jovem, barbudo, falante e carinhoso.

Nascido em Caracas, Requesens é deputado pela Assembleia Nacional, pelo partido opositor Primero Justicia (do veterano Henrique Capriles), e representa Táchira, um dos Estados mais afetados pela repressão da ditadura venezuelana contra seus opositores nos últimos anos.

Junto a Stálin González, Juan Guaidó, Miguel Pizarro e outros, Requesens integra a chamada “Geração de 2007”, um grupo de jovens politizados anti-chavistas que logo entrariam de fato na política, com vontade de mudar o rumo da Venezuela.

Nesta quarta-feira (7), houve um ato em Caracas, convocado pelo presidente encarregado, Juan Guaidó, para homenagear Requesens e pedir sua libertação. A razão? O deputado está preso há um ano, sem acusação formal e sem ter iniciado um julgamento contra ele. Nesse período, tem sido vítima de torturas físicas e psicológicas.

Juan Requesens inflamado durante um discurso (Foto captura de tela)

As causas contra Requesens são muitas, porém delirantes. Tanto não há evidência que o julgamento sequer tem início. E o deputado, conhecido por seus inflamados discursos nas ruas e no parlamento, espera numa cela do temido presídio do Helicóide.

Entre os crimes pelos quais querem que responda estão: “instigação pública continuada”, “tentativa de homicídio contra Nicolás Maduro” (no episódio dos drones), “associação para delinquir”, “financiamento ao terrorismo” e, para finalizar, “traição à pátria”.

Embora ele, seus colegas de parlamento e sua família saibam que se trata de um julgamento político, sua defesa tenta construir uma causa de abuso de poder para que seja liberado o mais rápido possível. Seu advogado, Joel García, aponta várias irregularidades em sua prisão. São elas: violação de seu foro como parlamentar, invasão de sua casa para sequestrá-lo sem ordem de busca e captura (foi realizada por agentes do Serviço Bolivariano de Inteligência Nacional), o prisioneiro foi mantido sem comunicação por mais de 72 horas e manifestou ter sido torturado.

Imagens de Requesens mais magro e machucado (foto divulgada pelo governo)

Além disso, Requesens ainda não foi acusado formalmente, o que implicaria na necessidade de libertá-lo depois de 72 horas, tempo já escandalosamente excedido. A arbitrariedade é clara, e assim, Requesens passou a integrar a cifra de 550 presos políticos (segundo a ONG Foro Penal).

À família, Requesens tem enviado palavras de coragem. “O pior não é estar preso, mas sim que a Venezuela esteja sequestrada”, segundo relatou sua mulher ao site Efecto Cocuyo. Seus parentes também contam que, nas poucas visitas que podem fazer, o encontram com sinais de tortura no corpo, e algumas vezes desorientado como quem sofreu também tortura psicológica.

O ministro da comunicação e um dos homens-fortes do regime, Jorge Rodríguez, divulgou um vídeo em que um alterado Requesens, com aspecto de quem estava sob forte pressão, admitia ter ajudado no atentado contra Maduro.

Segundo o advogado Joel García, o vídeo também mostra irregularidades em sua produção, pois não há a presença de membros da Procuradoria nem de um representante legal de Requesens.

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos já emitiu solicitação ao governo venezuelano para que “se adotem medidas necessárias para proteger os direitos à saúde, à vida e à integridade pessoal do deputado”. Até agora, de nada adiantou.

Em seus discursos, Guaidó se refere a Requesens como a um irmão e um colega de luta, e não deixa de lembra-lo na maioria dos atos. Cada dia que passa é um dia mais de abuso aos direitos humanos deste deputado e dos outros 550 presos políticos do regime ditatorial de Maduro. Nos últimos tempos, as vítimas dessas prisões arbitrárias têm sido, justamente, as pessoas mais próximas a Guaidó, numa tentativa de “quebrar” o ânimo do líder opositor. Em entrevista recente à Folha, Guaidó disse: “Quem está no meu entorno já sabe que é um alvo e tem de se preparar. Ninguém está com medo. Requesens é quase um irmão para mim e está demonstrando o espírito de nossa luta”, afirmou.

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Semanas, ou dias, decisivos para a estratégia Guaidó https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2019/02/11/semanas-ou-dias-decisivos-para-a-estrategia-guaido/ https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2019/02/11/semanas-ou-dias-decisivos-para-a-estrategia-guaido/#respond Mon, 11 Feb 2019 12:57:04 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/?p=3281
O líder opositor e presidente encarregado da Venezuela, Juan Guaidó (foto El Nacional)

Por incrível que pareça, tem sido mais difícil na Venezuela ter sua imagem respeitada como líder opositor do que como um ditador ou autocrata. Claro que os números das pesquisas não negam que mais de 80% da população quer que Nicolás Maduro saia do governo imediatamente. Tirá-lo de fato é outra história. O que parecia fácil pela pura emoção instintiva do último dia 23 de janeiro, agora mostra suas complicações.

Uma delas é a relação da população com os opositores do chavismo. Se olharmos em retrospectiva, a maioria deles cometeu tantos erros, acovardou-se em momentos-chave ou entregou-se a acordos nebulosos com o regime, que qualquer eleitor mediano guarda sérias dúvidas com relação às alternativas que surgem. Por ora, Guaidó tem vencido essa batalha, arregimentando multidões a segui-lo, mas terá fôlego para o que vem por aí?

Dou uma repassada pelas experiências recentes. Henrique Capriles, que enfrentou Chávez na eleição de 2013, tinha convicção naquela noite de que havia ganho e que o governo fraudara os números. Assim também pensavam seus colegas de oposição. O hoje preso político Leopoldo López o instou a ir para as ruas, “vamos fazer barulho porque você ganhou e a hora de tomar o poder é essa”, teria dito López a Capriles, segundo relato do próprio Capriles à Folha. E qual foi a decisão de Capriles? Não fazer nada. Nessa mesma entrevista, Capriles me disse: “eu temia um banho de sangue, mas não imaginei que o banho de sangue viesse depois”. Capriles, hoje, tem seus direitos políticos anulados.

Depois veio Leopoldo López, achando que sua entrega às autoridades, em 2014, de forma transmitida na imagem de um mártir carregado em meio ao povo levaria a população a levantar-se, a tirá-lo da prisão e a alçá-lo à Presidência. Não foi assim. Depois de aguentar uns anos detrás das grades, está em sua casa, em prisão domiciliar, com tornozeleira eletrônica e, também, sem direitos políticos.

A seguinte estratégia da oposição foi inteligente, chamar um referendo com presença recorde de eleitores, em julho de 2017, para pedir “diretas-já”. Foi uma vitória acachapante em termos de números. Só que a ditadura foi mais esperta. Em vez de entregar de bandeja o que queriam os opositores, os convenceu a intermináveis e infrutíferas negociações na República Dominicana, com supervisão do Vaticano. Maduro enganou a todos, disse que as eleições daí em diante seriam limpas e pediu que os opositores apenas respeitassem o seu mandato até o fim. A oposição fez a parte dela, o governo, não.

Maduro ainda elegeu uma Assembleia Nacional Constituinte e, com ela, esvaziou o parlamento legalmente eleito e com maioria opositora. Depois, realizou eleições locais e presidenciais completamente manipuladas. Na presidencial, com um opositor que também amarelou na reta final, Henri Falcón _hoje até mesmo esquecido pelos colegas. A opinião geral da sociedade, principalmente dos anti-chavistas, era que Maduro tinha feito a todos de bobos. E era verdade.

A opção Guaidó não surgiu da noite para a manhã, como mostrou recentemente em um ótimo artigo Javier Lafuente, no “El País”. Com a maior parte de seus principais nomes no exílio, como Julio Borges, ex-líder da Assembleia, Carlos Vecchio e outros, começou uma paciente e lenta construção de uma nova opção, de preferência com uma nova cara. A estratégia seria colocar à frente um rostro novo, fresco e simpático: Guaidó. Segundo, esperar a posse de Maduro no dia 10 de janeiro para seu suposto novo mandato. E, a partir daí, seguindo os ritos institucionais, declarar o cargo vago pela ilegalidade da eleição de maio de 2018. Nesse cenário, mais uma vez, vale reforçar, Guaidó não tomou a ação isolada de “se autoproclamar” presidente. Mas sim, cumpriu o que está escrito na lei e que era seu dever.

Como a Assembleia Nacional considerava o cargo presidencial vazio, Guaidó, como presidente da casa e próximo na linha de sucessão, jurou como presidente encarregado, com a função única de liderar a transição e chamar novas eleições.

O momento na Venezuela ainda é pró-Guaidó. As pessoas escutam o que ele diz, se entusiasmam com ele, comparecem em massa a marchas e atos e estão prontas a ajudar a fazer com que a ajuda humanitária, por exemplo, de fato entre na Venezuela.

Só que, cada dia a mais que Maduro permanece no poder é uma pequena derrota para Guaidó e para aqueles que formularam essa opção. Mais de uma vez o movimento oposicionista perdeu o “timing” e a paciência das pessoas, que se torna mais curto quando há poucos avanços e o número de mortos nas ruas aumenta. Assim, o fantasma da resignação, que reinou em 2018 no país, tende a ir reaparecendo se nada mudar de fato, e rápido.

Guaidó e os articuladores dessa articulação conseguiram muito em pouco tempo, agregar apoios internos e externos, tornar a causa uma causa mundial, levar a população às ruas de modo numeroso novamente. Porém, as dificuldades práticas são evidentes. Como convencer Maduro a sair ou a renunciar, evitando banhos de sangue? Como dar seguimento a uma iniciativa fundamental, que é a de realizar eleições livres sem demitir todos os ocupantes de cargos do CNE (Conselho Nacional Eleitoral), órgão totalmente chavista, e reformula-lo? E como trazer para si não apenas os militares, mas promover o desarme dos esquadrões da morte, que hoje são muito mais letais na repressão _parte dos coletivos, o Faes e o Conas?

Para que a população siga com ele, Guaidó precisa atingir resultados mais concretos rapidamente. O reforço para garantir a entrada da ajuda humanitária seria uma grande primeira vitória e uma bandeira necessária e essencial para seguir com o movimento.

Se o processo se estender por mais semanas, que é a estratégia de Maduro, Guaidó corre o risco de entrar para a galeria dos que tentaram algo e, ao final, capitularam.

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Será o México o balão de oxigênio de que Maduro necessita? https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2019/01/05/sera-o-mexico-o-balao-de-oxigenio-de-que-maduro-necessita/ https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2019/01/05/sera-o-mexico-o-balao-de-oxigenio-de-que-maduro-necessita/#comments Sat, 05 Jan 2019 12:45:06 +0000 https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/files/2019/01/maduro_amlo-320x213.jpg https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/?p=3269
Maduro, López Obrador (centro) e as respectivas mulheres (Foto Presidência do México), no DF

Que a declaração do Grupo de Lima, divulgada na sexta-feira (5), após encontro de chanceleres e representantes dos 14 países membros da aliança, condenaria o “novo mandato” do ditador Nicolás Maduro na Venezuela, que tem início no próximo dia 10, chamaria eleições livres e pediria que a Assembleia Nacional, de maioria opositora, retomasse suas funções era algo mais ou menos esperado. 

O que causou estranheza foi a recusa do México de assinar o documento, sendo o único dos integrantes da coalizão a ficar de fora. Questionado, horas depois, sobre a razão, o presidente recém-empossado, Andrés Manuel López Obrador, disse apenas que o México “não se meteria em assuntos internos de outros países”.

A questão da soberania é uma fronteira tênue que divide os países da região. A Bolívia e o Uruguai costumam justificar assim a razão de não fazer críticas mais duras à ditadura venezuelana. Porém, há matizes nessa questão. Nenhum país do Grupo de Lima, e isso também consta do documento assinado na sexta-feira, defende, pelo menos abertamente e por enquanto, uma intervenção militar na Venezuela. Essa proposta, inclusive, até daria mais fôlego à retórica do regime, que usaria o argumento da ameaça imperialista em seu discurso de propaganda, e com isso encontraria apoio popular para armar-se mais e provocar militarmente os vizinhos.

Porém, nos níveis diplomáticos, políticos e econômicos ainda há muito que pode ser feito para enfraquecer Maduro sem que isso possa ser definido como uma ameaça à soberania, e isso também consta do documento assinado na capital peruana.

Ficou, portanto, difícil de entender a posição do México. Durante o mandato de Enrique Peña Nieto (2012-2018), as críticas ao endurecimento do regime venezuelano foram duras. Já o esquerdista AMLO, como é chamado seu sucessor, parece ter decidido amenizar esse clima hostil. Chamou Maduro para sua posse, e recebeu de volta uma resposta pouco auspiciosa, Maduro foi vaiado por onde passou e teve de deixar às pressas a capital mexicana.

Se o México decidir alinhar-se às posições de Bolívia, Cuba e Nicarágua e não tomar ações para ajudar a pressionar Maduro, pode virar o balão de oxigênio tão esperado pelo ditador venezuelano, justo num momento em que este começa a ver parte do apoio interno de sua própria base de apoio, militar e civil, tremer. É hora de pressionar mais, não menos. E principalmente de não dar-lhe novos aliados, mais ainda se este for a segunda maior economia da América Latina.

Durante sua campanha, AMLO não falou muito de política externa. Mais, ainda declarou que “a melhor política externa é a política interna”. Seus pontos principais foram o ataque a corrupção, aos altos gastos administrativos e a proposta de criar uma guarda nacional para combater a violência no interior. Ou seja, uma pauta interna importante, mas que não deveria excluir a externa num mundo cada vez mais interconectado.

Com os EUA, AMLO mostrou que pretende ser pragmático. Assinado o novo tratado de livre comércio com seus dois vizinhos do norte, ainda não mostrou desacordos frontais com Donald Trump, inclusive aceitando os integrantes da caravana de imigrantes da América Central que os EUA devolveram a seu território. Com 80% de suas exportações tendo como destino o vizinho do norte, AMLO não tem outra opção que a de ser amigo dos EUA, embora muitos de seus eleitores tenham votado nele imaginando que ele confrontaria Trump, principalmente no que se refere ao polêmico pagamento do “muro”, que Trump quer construir na fronteira. A estes, AMLO por enquanto segue respondendo com a limitada frase: “menos política externa, mais política interna”.

Será uma pena e um retrocesso que o México abra mão de condenar e pressionar Maduro. A crise venezuelana gera instabilidade regional em diversos setores, da saúde à geopolítica, da economia à xenofobia. Pelo seu tamanho e por sua importância histórica nos destinos da região, o México não deveria ficar neutro no debate sobre o futuro da Venezuela, muito menos pender mais para o lado de um apoio a Maduro.

 

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Helicóide, de obra vanguardista a prisão política https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2018/05/17/helicoide-de-obra-vanguardista-a-prisao-politica/ https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2018/05/17/helicoide-de-obra-vanguardista-a-prisao-politica/#respond Thu, 17 May 2018 18:15:37 +0000 https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/files/2018/05/unnamed-2-320x213.jpg http://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/?p=3136 Quem chega a Caracas pela primeira vez e vê esse imponente edifício imagina que se trata de algum museu, da sede de algum departamento importante do governo ou até de um observatório astronômico, tão imponente e de arquitetura ousada que destoa do bairro humilde em que se localiza. Hoje, o Helicóide aparece com uma frequência habitual nos noticiários, mas pelos piores motivos, pelo fato de ter se transformado numa prisão política para os inimigos da ditadura de Nicolás Maduro. Ali se pratica torturas, pessoas são confinadas em péssimas condições, e há rebeliões, como nos últimos dias.

Porém, abrigar um centro de pesadelos humanos estava longe das mentes daqueles que o idealizaram, nos anos 1950.

Um projeto privado, foi desenhado pelos arquitetos Pedro Neuberger, Dirk Bornhorst e Jorge Romero Gutierrez, com o formato de duas espirais que se encontram, encostadas a uma colina. De longe, parece uma pirâmide de três lados, e apenas de perto se pode ver seu impressionante domo. O objetivo era refletir os tempos modernos que chegavam a Caracas e que se viam em distintos campos artísticos. Também tinha a intenção de mostrar as transformações arquitetônica e urbanística pelas quais a cidade passava. O projeto chegou a impressionar artistas de renome. O poeta chileno Pablo Neruda e o pintor espanhol Salvador Dalí ofereceram poemas e obras para ilustrar seus interiores. O brasileiro Oscar Niemeyer também o visitou nesta época.

Mas o local não foi pensado para ser um museu, e sim um centro cultural e de compras, que passasse a sensação da riqueza de uma nação que crescia. Haveria lojas como um shopping center normal, um hotel, um clube com piscina e ginásio, restaurantes, além de auditórios e um cinema.

O sonho, porém, nunca virou realidade, pior, transformou-se em pesadelo. Os investidores privados não tiveram fundos para terminar o projeto. Em 1975, o governo nacionalizou o edifício. Porém, termina-lo e reforma-lo custaria muito caro. Ficou anos abandonado, abrigando pessoas sem-teto, “squatters” e gangues criminosas.

Nos anos 1980, preocupado com o problema social em que o edifício havia se transformado, o governo acabou transferindo para lá a sede da polícia secreta. Quando Hugo Chávez chegou ao poder, em 1999, afirmou que achava o prédio meio “assombrado”, mas chegou a prometer que a polícia sairia dali e que o local voltaria a servir a seu projeto original, ou seja, se transformaria em um centro cultural e de compras. Porém, isso nunca aconteceu.

Logo, o desenho interno do Helicóide foi se transformando no que é hoje. Desde que Maduro está no poder, em 2013, o Sebin (Serviço Bolivariano de Inteligência Nacional) se instalou aí definitivamente. No alto, estão os escritórios de comando. Logo abaixo, as salas de interrogatórios e de torturas, e os andares mais baixos, as celas dos prisioneiros políticos. Estima-se que, hoje, existam cerca de 3 a 5 mil pessoas presas no edifício, em más condições, segundo relatos de ex-detentos depois liberados.

De um ponto de vista estratégico, o Helicóide exerce poder sobre as mentes dos venezuelanos. Pela altura em que está, e com a possibilidade de uma visão de 360 graus, é como se estivesse vigiando a cidade noite e dia. E, de certo modo, está. Chegar perto dele é uma façanha. Há como um perímetro de segurança formado por policiais, para desestimular qualquer tentativa.

Há muito o que consertar na Venezuela depois que essa ditadura termine. Mas uma das ações simbólicas que poderiam ter efeito muito positivo seria tirar o Sebin dali e finalmente abrir o edifício para o entretenimento popular e a arte. É um edifício bonito demais para fins tão monstruosos. Caracas merece que o Helicóide se transforme em algo à altura da beleza da cidade e não um monumento ao sofrimento e a dor desses últimos anos.

Garoto vê a construção do Helicóide, nos anos 1960
Garoto vê a construção do Helicóide, nos anos 1960 (Foto Arquivo)
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Caracas antes do caos https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2017/08/16/caracas-antes-do-caos/ https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2017/08/16/caracas-antes-do-caos/#respond Thu, 17 Aug 2017 00:04:26 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/?p=2942
O escritor e jornalista venezuelano, Aníbal Nazoa (Foto Divulgação)

Nem tudo é penúria em Caracas. Se ainda é possível topar numa rua popular com uma obra de Cruz-Diez, encontrar edições baratas de obras da incrível Biblioteca Ayacucho, que formou gerações de estudiosos da América Latina, e ter notícias de cineastas se reiventando em outros países é porque nem tudo está perdido.

Pelo menos foi essa a sensação que tive ao ler “Puerta de Caracas”, uma edição nova, em homenagem aos 450 anos da cidade, que reúne as melhores crônicas do sarcástico jornalista venezuelano Aníbal Nazoa (1928-2001).

Trata-se de uma coletânea das colunas que o escritor publicou regularmente no jornal “El Nacional” nas décadas de 1970, 1980 e 1990. O “El Nacional”, cabe lembrar, chegou a ter um dos melhores cadernos culturais da região, onde escreviam, entre outros, intelectuais sul-americanos que tiveram de emigrar durante as ditaduras dos anos 1970, como o argentino Tomás Eloy Martínez (1934-2010) _que chegou também a editar a seção.

Em suas colunas, Nazoa não falava de temas políticos, ao menos não diretamente. Elas tratavam da vida e das idiossincrasias de Caracas, e de como o cronista via de modo vertiginoso sua transformação: crescendo em população, em arranha-céus, em obras públicas, no trânsito e na proliferação de centros comerciais, entre os anos de 1972 e 1992.

Entre os alvos de suas ácidas críticas estavam, por exemplo, os grandes cartazes de propaganda que começavam a proliferar ao longo das grandes avenidas da cidade. Não só por sua feiúra, alertava, mas também “pelos erros de ortografia que fariam Andrés Bello revirar-se no túmulo”, referindo-se ao filólogo, ensaísta e poeta venezuelano (1781-1865).

Aspectos do dia-a-dia eram seu tema mais corrente, sempre com bastante bom humor. Num dos textos, trata dos então peculiares táxis de Caracas, que até bem pouco tempo atrás não eram regidos pelo taxímetro _hoje em dia, infelizmente, esse tipo de transporte sequer circula muito, por conta das barricadas e dos protestos, foram substituídos pelos moto-taxis.

De todo modo, dizia Nazoa em seu tempo: “Nem o melhor matemático do mundo é capaz de estabelecer um cálculo aproximado sobre o custo real de uma corrida de táxi em Caracas.” De fato, por muito tempo foi assim. O passageiro entrava no carro, dizia onde ia, e o motorista dava o preço. Podia-se aceitar resignadamente, barganhar ou simplesmente sair do automóvel e buscar outro.

O trânsito era um assunto que o angustiava profundamente. Ao voltar de uma viagem a Londres, compara as soluções da urbe europeia com as da cidade-natal, e joga questões às autoridades locais. “Por que todas as linhas de ônibus têm de rumar para um só local (El Silencio)? Em Londres podem mover-se, sem tropeço, dez ou doze milhões de pessoas todos os dias, enquanto aqui temos escassos dois milhões e vivemos dentro de engarrafamentos.”

Uma das crônicas mais divertidas é ficcional. Um sujeito acorda acreditando que está louco e por isso busca um hospital, mas encontra apenas centros comerciais _que tiveram um “boom” em Caracas nessa época. Pede informações, mas todas incluem atravessar um mar de centros comerciais, até que chega ao hospital, agora transformado também em centro comercial. Decepcionado, ao tentar voltar para casa, descobre que a mesma está sendo demolida para dar lugar a um novo… centro comercial.

Nazoa culpava a transformação caótica da cidade a uma “guerra que os magnatas da construção declararam a Caracas, uma cruel guerra destinada a converter esta capital no lugar mais desagradável do planeta”.

As críticas ao crescimento desordenado da cidade são mescladas com comentários sobre os costumes. Ataca de forma irônica os que, a essa altura da história, ainda queriam ver touradas na cidade ou a mania de se transformar parques em cinemas ao ar livre, nos quais, segundo ele, ninguém dava bola para o filme. Comenta, ainda, o uso da língua, os modos no comércio, as diferenças entre as distintas partes da cidade.

Nazoa também passeava pelos bairros mais humildes e tratava o abandono por parte dos partidos que se revezaram no poder até a chegada do chavismo, a Ação Democrática e a Copei. É nesse ponto que sua escrita se torna mais política, ao demarcar a divisão que até hoje caracteriza a cidade. Os bairros do centro e do oeste, contra os de elite, do leste, polarização que está no centro dos enfrentamentos atuais.

É uma pena que o autor não tenha vivido para ver a Caracas da atualidade com seu olhar lúcido, crítico e, acima de tudo, apaixonado pela sua cidade. Seria de grande valia para que impedisse sua diluição em tempos tão turbulentos e violentos.

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