Sylvia Colombo https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br Latinidades Tue, 30 Nov 2021 12:31:53 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Pesadelos dos anos 1990 assombram eleições no Peru https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2021/05/16/pesadelos-dos-anos-1990-assombram-eleicoes-no-peru/ https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2021/05/16/pesadelos-dos-anos-1990-assombram-eleicoes-no-peru/#respond Sun, 16 May 2021 15:39:47 +0000 https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/files/2021/05/autodefensa-800x526-320x213.jpg https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/?p=3798 De um lado, o pesadelo do fujimorismo, com seus abusos a direitos humanos, corrupção e autoritarismo político.

De outro, o pesadelo dos embates no campo na época do Sendero Luminoso (1980-1993), uma guerra interna que matou mais de 70 mil peruanos, e na qual estiveram enfrentados o Estado, as “rondas campesinas” (milícias civis) e os guerrilheiros de esquerda que seguiam o mítico líder Abimael Guzmán.

Os dois principais atores desse terrível período estão hoje detrás das grades, em prisões próximas à capital, Lima. Alberto Fujimori, 82, autocrata que governou o Peru entre 1990 e 2000, cumpre pena na penitenciária de Barbadillo, enquanto Guzmán, 86, está na prisão de Callao. Os dois octogenários parecem ser cartas fora do baralho na eleição presidencial que se resolve no segundo turno no país, no próximo dia 6 de junho.

Parecem, mas não são. As sementes do enfrentamento que plantaram durante sua vida seguem presentes no Peru atual.

O candidato esquerdista Pedro Castillo, líder nas pesquisas, afirma não ser um “senderista”, e sofre ataques de seus opositores por ter vínculos políticos com integrantes do Movadef _o braço democrático do Sendero Luminoso. Integrantes do Movadef, de fato, assessoram sua campanha. Alguns já passaram pela cadeia por vínculo com ações definidas como terroristas pela Justiça.

Não há, porém, evidências concretas de vínculo de Castillo com ações violentas do Sendero Luminoso. O candidato se diz identificado com os “ronderos”, ou seja, os integrantes das “rondas campesinas” que ajudaram as Forças Armadas a aniquilar a guerrilha esquerdista. Os “ronderos”, fortes na região de Cajamarca, Ayacucho e demais regiões onde o Sendero deixou sua marca, apoiam Castillo. Ali, os “ronderos” são vistos, de modo maniqueísta, como o “bem”, contra o “mal”, que seriam os integrantes do Sendero Luminoso. É certo que, sem a ajuda dessa milícia civil, o Estado peruano talvez nunca tivesse terminado o conflito com a guerrilha. Porém, o modo de atuar dos “ronderos”, sem vínculos com a legitimidade institucional de uma força de segurança, também foi responsável por abusos de direitos humanos, como massacres coletivas e execuções extra-judiciais.

Já a candidata da direita, Keiko Fujimori, tem repetido diversas vezes que não tomará medidas anti-democráticas como fez seu pai, que fechou o Congresso, organizou um esquadrão da morte (o grupo Colina) e associou-se a organizações como as “rondas campesinas”. Porém, da palavra à ação há diferenças. E há razões para ter atenção às marcas do fujimorismo clássico que Keiko, filha do autocrata, pode perpetuar.

A coordenação de seu plano econômico, por exemplo, está nas mãos de Jorge Baca Campodónico, que foi ministro de Fujimori. Se o Peru teve um desempenho de crescimento significativo a partir da gestão fujimorista, também é um dos países que pior redistribuiu os benefícios do “boom das commodities”, o que se reflete na alta cifra de pobreza atual, 39,9% da população, e na informalidade do mercado de trabalho, de 77%.

Keiko também diz que um governo seu não será corrupto como o do pai, marcado por escândalos como o dos “vladividios”, que mostravam o principal assessor de Fujimori, Vladimiro Montesinos (também preso atualmente), subornando dirigentes políticos. Mas, como acreditar em uma candidata cujas investigações de corrupção ainda estão em aberto? Keiko está fazendo campanha eleitoral com uma permissão especial da Justiça, porque não poderia, por sua atual situação processual, sequer deixar Lima. Teve de recusar, nas últimas semanas, o convite do Nobel Mario Vargas Llosa de ir a Quito conversar sobre o Peru atual num evento diante das câmeras, porque não pode, simplesmente, sair do país.

A candidata fujimorista comprometeu-se a respeitar os ritos da democracia. Porém, era a líder, até pouco tempo atrás, do Força Popular, partido que, com sua maioria no Congresso, causou a “vacância” (afastamento) de dois presidentes, movida por um espírito vingativo relacionado ao pedido de um indulto a seu pai (preso, entre outras coisas, por roubar o Estado).

Keiko ainda afirma que será respeitosa dos direitos humanos. Mas deu declarações escandalosas na semana passada com relação às mais de 200 mil esterilizações forçadas cometidas durante a gestão de seu pai, afirmando que eram parte de um projeto de “planejamento familiar”. As vítimas deste abuso estão há vários anos pedindo reparações à Justiça.

É possível que, tanto Castillo como Keiko, ao chegarem à Presidência, se mostrem líderes democráticos e que respeitem as instituições do país. Porém, ambos têm dívidas com relação ao Peru dos anos 1990. Seria importante que ambos deixassem claro o que pensam sobre os acontecimentos daquela época e o que pretendem fazer para sanar os males causados então.

Afinal, eles são uma das causas da instabilidade política do país.

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30 anos depois, Vargas Llosa apoia fujimorismo https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2021/04/18/30-anos-depois-vargas-llosa-apoia-fujimorismo/ https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2021/04/18/30-anos-depois-vargas-llosa-apoia-fujimorismo/#respond Sun, 18 Apr 2021 13:09:51 +0000 https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/files/2021/04/download.jpg https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/?p=3781 Mais de 30 anos depois de ter sido derrotado por Alberto Fujimori no segundo turno das eleições de 1990, o escritor e prêmio Nobel Mario Vargas Llosa, 85, tem participado vivamente do debate político no Peru. Perder para um adversário que depois lideraria um governo autoritário e com graves abusos contra os direitos humanos colocou Vargas Llosa numa posição de ainda mais destaque do que já tinha por sua literatura.

O autor de “Lituma nos Andes” passou a figurar como herói anti-fujimorista, que havia tentado impedir os graves acontecimentos que se seguiriam. Deste lugar, ganhou afetos e a simpatia de quem não concordava com a escalada ditatorial do engenheiro. Até então um desconhecido no cenário, Fujimori é descendente de imigrantes e se identificava com os cantos esquecidos do país, enquanto Vargas Llosa tinha o apoio do setor em que nasceu, a elite urbana do país.

Vargas Llosa foi a principal voz crítica da autocracia imposta por Fujimori após o fechamento do Congresso, em 1992. E, depois da redemocratização do país, dos estragos que o fujimorismo impunha em sua ação vingativa a partir do parlamento, sendo o principal responsável, por exemplo, da queda de dois presidentes nos últimos anos, PPK (Pedro Pablo Kuczynski) e Martín Vizcarra.

Tudo isso mudou no último sábado (17), quando Vargas Llosa afirmou que apoiaria o movimento que foi seu principal inimigo. Em uma coluna publicada no jornal espanhol El País, sob o título “Chegando perto do abismo”, o escritor disse que tinha “combatido o fujimorismo de maneira sistemática, assim como fiz contra todas as ditaduras, de esquerda ou de direita. Creio que, nas próximas eleições, os peruanos devem votar por Keiko Fujimori, porque representa o mal menor e há, com ela no poder, mais possibilidade de salvar nossa democracia, enquanto com Pedro Castillo não existe nenhuma”.

Vargas Llosa se refere à votação de segundo turno, em 6 de junho, das eleições presidenciais, que serão disputadas entre a filha do ex-presidente, Keiko, de direita, e o esquerdista Pedro Castillo, um outsider que Vargas Llosa identifica com o projeto chavista. Ou seja, a lógica do escritor é a de que, entre um governo que evoca um regime autoritário de direita e outro que se espelha numa experiência autoritária de esquerda, seria melhor apostar no primeiro.

A mudança de opinião e o apoio de Vargas Llosa ao fujimorismo poderia ser apenas uma curiosidade, se ele não fosse o intelectual mais importante do Peru. Ali, sua palavra é ouvida pela sociedade, tanto é assim que os dois candidatos se manifestaram sobre o tema.

Keiko Fujimori telefonou para o escritor, agradeceu o gesto e afirmou estar de acordo com as garantias democráticas que Vargas Llosa pede, em seu texto, além de reafirmar o compromisso de respeito aos direitos humanos. Já Pedro Castillo afirmou que a declaração pouco importa, porque Vargas Llosa já não conhece o Peru e opina desde sua mansão em Madri –de fato, o escritor já vive há anos na capital espanhola.

O que é claramente uma contradição com relação a suas convicções históricas, por outro lado revela o pragmatismo de Vargas Llosa entre escolher sempre o que, para ele, seria o “mal menor”, a cada eleição. A questão é que estes “males” tampouco tiveram muito êxito, e a cada decisão, Vargas Llosa vai se desacreditando junto à sociedade peruana.

No período da redemocratização, Vargas Llosa apostou em Alejandro Toledo, que terminaria seu mandato em 2006 com um dos menores níveis de aprovação da história do Peru.

Em 2006, Vargas Llosa posicionou-se com vigor contra a candidatura de Ollanta Humala, então líder militar nacionalista de extrema-esquerda. Seu temor de que um populismo estilo chavista tomasse o Peru o fez preferir a vitória de Alan García, que de fato ocorreu. García acabou suicidando-se enquanto respondia a processo por corrupção, enquanto Toledo foi condenado e é foragido da Justiça.

Inconformado com a nova postulação de Humala em 2011, o escritor voltou a apoiar Toledo, mas este foi eliminado no primeiro turno. Vargas Llosa, então, teve de optar entre dois candidatos que não lhe agradavam nem um pouco.

De um lado, a mesma Keiko Fujimori, do outro, Humala. Em suas palavras, era como ter de escolher “entre o câncer e a AIDS”. Mesmo assim, não quis abster-se, e deu seu voto de confiança a Humala depois que este fez amplas promessas de que se posicionaria no centro do espectro político, adotaria políticas de mercado e não desse ouvidos a seus familiares, ainda bastante metidos numa militância extremista de esquerda. Hoje, Humala também enfrenta processo por corrupção e passou um tempo na cadeia.

Em 2016, a disputa foi entre Keiko e PPK, pois Vargas Llosa ficou com PPK, que acabou afastado pelo parlamento e, adivinhem, foi também processado por corrupção.

Cada vez mais, os fãs da magnífica obra de Vargas Llosa parecem preferir deixar de ouvi-lo falar sobre política, tamanhas são suas contradições e contorcionismos retóricos. A derrota como candidato presidencial em 1990 acabou dando ao mundo livros inesquecíveis e um prêmio Nobel das letras. Isso é o que está para ser celebrado.

 

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Com livro ingênuo, Macri tenta voltar à política em ano eleitoral https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2021/04/11/com-livro-ingenuo-macri-tentar-voltar-a-politica-em-ano-eleitoral/ https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2021/04/11/com-livro-ingenuo-macri-tentar-voltar-a-politica-em-ano-eleitoral/#respond Sun, 11 Apr 2021 14:30:01 +0000 https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/files/2021/04/f800x450-215321_266767_5050-320x213.jpg https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/?p=3776 A grande maioria de livros de ex-presidentes costuma ser elogiosa com relação à sua gestão. Se o de Mauricio Macri, à frente da Argentina entre 2015 e 2019, tem uma diferença positiva é a de fazer diversas autocríticas sobre o período em que um setor da sociedade alimentou a esperança de que houvesse uma enorme transformação na política e na economia, promessa que acabou sendo frustrada.

Em “Primer Tiempo” (ed. Planeta), Macri admite que a rapidez da retirada do cerco ao dólar, ocorrida nos primeiros dias da gestão, foi precipitada, e que deveria ter sido acompanhada por outras medidas. Diz que o discurso que usou, o de não culpar a gestão anterior do estado das finanças e sim fazer propostas para o futuro, não serviu. A polarização está tão viva no país que uma narrativa conciliatória não permitiu, segundo ele, que a população soubesse o quão quebrado estava o país e o quão dura era sua tarefa. Também afirma que gastou demasiado tempo em questões relacionadas à produtividade e à política externa, e que delegou a outros membros do governo a articulação política interna, e que por isso esta teria falido.

Por fim, admite ter falhado a estratégia de cooptar os peronistas moderados em torno de sua proposta. No livro, diz que alguns aceitaram num primeiro momento, mas logo o abandonaram porque deixar o peronismo significaria que perderiam diversos benefícios. “O kirchnerismo sequestrou o peronismo”, diz, ainda tentando atrair os peronistas não alinhados à ex-presidente Cristina Kirchner, também atual vice.

Nas últimas semanas, as desculpas pedidas por Macri à sociedade por meio desse mea culpa vêm sendo analisadas, debatidas, criticadas. Têm servido, também, para que o ex-presidente retome o diálogo com seu eleitorado, que vê honestidade em suas explicações.

“O senhor se sente frustrado por ter falhado e, com isso, permitido o retorno do peronismo?”, perguntou uma jornalista num programa de entrevista.

“O que te parece? Claro que sim, não trabalhei quatro anos para entregar o poder de volta para eles.”

Macri tem essa característica, em respostas rápidas, comete alguns “sincericídios”.

No livro, ele conta como foi a passagem do bastão e da faixa presidencial a Alberto Fernández. Na Argentina, é bastante incomum existirem transmissões de poder entre partidos opositores que ocorram em paz. Ao contrário, Macri quebrou uma tradição mais parecida a uma maldição, a de ser o primeiro não-peronista a terminar um mandato de forma democrática.

Foi onde apostou sua última ficha, como conta no livro. Aceitou a derrota como um democrata e decidiu comparecer à posse, abraçar o sucessor e desejar-lhe sorte, cumprindo com seu dever institucional, mesmo com a cara feia de Cristina Kirchner, e o canto da marcha peronista em alto volume como hostil trilha sonora.

Toda a simpatia que tentou mostrar nesse dia se desmonta, porém, com essa resposta. Na verdade, Macri estava enfurecido naquele dia. E começaria aí, também, a montar sua vingança, embora sempre repita que os peronistas é que são os vingativos da história argentina.

O título do livro, “Primer Tiempo”, mostra bem a que vem. Não só apela para sua identificação com o futebol (é fanático pelo esporte e foi presidente do Boca Juniors), como anuncia que vem aí um segundo tempo, talvez até com uma nova candidatura Macri.

O livro é fraco e infantil. Na falta de grandes feitos em seu mandato, Macri narra episódios desimportantes como se fossem uma saga digna de um filme. Como por exemplo quando conseguiu driblar o trânsito em Roma para chegar à tempo da cerimônia de investidura do papa Francisco.

Em outros momentos de “sincericídio”, fala de como sofre não ter podido mudar o país, e que isso só não é pior porque tem suas estâncias de fim de semana e suas possibilidades de passar o tempo que for sem trabalhar e jogando futebol com os amigos –a família de Macri é uma das mais ricas do país.

Mas, se a narrativa é ingênua, Macri não o é, e tampouco seu entorno. O livro chega às livrarias, e ele volta a estar no palco das atenções, justamente quando o país passa por um grave momento. Neste fim de semana, noticia-se que hospitais em Buenos Aires estão com as UTIs saturadas pela primeira vez. A pandemia se mostra mais agressiva nesta segunda onda do que no ano passado, e a quantidade de mortos por coronavírus se aproxima dos 60 mil. O governo, por não ter mais caixa, deixou de dar ajudas à população, o desemprego aumenta e a atividade comercial vai se estancando.

A popularidade de Alberto Fernández vem despencando. Faltam vacinas, enquanto políticos governistas são imunizados ilegalmente. Por fim, os argentinos começam a sentir que não há comando e que o ano de 2021 será dificílimo.

Haverá eleições legislativas no segundo semestre, e o grupo político de Macri, a aliança Juntos por el Cambio, liderada por ele e seu partido, o PRO (proposta republicana), pretende aproveitar esse mau momento do peronismo para retomar espaços no parlamento, voltar a crescer como força política e, em 2023, talvez voltar ao comando da nação.

“Primer Tiempo” apresenta vários problemas da gestão de Macri, mas tenta passar a sensação de que todos eles não são piores do que o que vem ocorrendo agora na Argentina. E que, num segundo tempo, ele saberia que erros não cometer e como voltar a apresentar sua proposta. “Às vezes é preciso dar dois passos atrás para dar um passo à frente”, repete o ex-presidente.

O segundo tempo do jogo político argentino recente, marcado pela polarização entre Macri e Cristina, pode estar mesmo por começar. Porém, além de dois times combalidos e desgastados, é preciso reforçar que o campo está todo esburacado, a bola está murcha, e a torcida, desanimada.

 

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América Latina em 2021, o que vem por aí? https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2021/01/05/america-latina-em-2021-o-que-vem-por-ai/ https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2021/01/05/america-latina-em-2021-o-que-vem-por-ai/#respond Tue, 05 Jan 2021 23:58:45 +0000 https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/files/2021/01/pleb2-320x213.png https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/?p=3714 Se 2020 foi um ano difícil para a América Latina, 2021 não parece que será muito melhor. Economias que já vinham desacelerando iniciam o o ano com quedas de PIB acentuadas por conta da pandemia. Na área da saúde, as novas ondas ou mutações do coronavírus parecem estar chegando muito mais rápido do que as vacinas. E, no meio de toda essa tempestade, vários países vão trocar de comando ou renovar parlamentos. Com isso, veremos candidatos fazendo promessas de campanha que dificilmente poderão cumprir e governantes tendo de realizar ajustes pouco populares que, deste modo, devem colocar mais lenha na fogueira das tensões sociais.

Más notícias já começaram nesta terça-feira (5), com a posse da nova Assembleia Nacional venezuelana, eleita em um pleito marcado por irregularidades e pelo boicote dos principais partidos. Assim sendo, o parlamento, último bastião de uma bastante imperfeita oposição, acaba de cair. O chavismo, agora, toma conta do Executivo, do Judiciário e do Legislativo de um país em grave crise humanitária, sem liberdade de expressão e com centenas de presos políticos. Para quem tinha dúvidas sobre o caráter ditatorial do regime, o discurso de Jorge Rodríguez prometendo perseguir Juan Guaidó e seus seguidores ajuda a dissipá-las.

O Chile vive um ano de transformações e sonhos, e espera-se que estes não se frustrem. Um calendário eleitoral atolado de votações, porém, pode atrapalhar um pouco. Em 11 de abril, os chilenos voltam às urnas para escolher os 155 integrantes da Assembleia Constituinte. O voto dos chilenos, em outubro último, no plebiscito que decidiu pela redação de uma nova Carta, foi nitidamente contra a classe política hoje no poder. Se isso sugere uma renovação, é uma excelente notícia. Mas é uma pena que a eleição para essa assembleia vá ser atropelada por uma campanha presidencial que já começou _o Chile escolhe o sucessor de Sebastián Piñera em 21 de novembro. Se o ano anterior foi de protestos constantes e nervosos, este será de escolhas, num país em que o debate está muito polarizado. O que parece certo é que o chamado “modelo chileno” deve terminar de se desmontar. O que viria no lugar dele?

As pesquisas indicam que o mal-estar contra a política tradicional, já sugerido no plebiscito, continuará. Prova disso é que quem lidera as pesquisas, o prefeito comunista de Recoleta, Daniel Jadue, tem apenas 18% das intenções de voto. E, em segundo lugar, está o direitista Joaquín Lavín, com 11%. Em terceiro lugar, o ex-chanceler de Bachelet, Heraldo Muñoz, com 3%. Ou seja, a maioria dos eleitores ainda está indeciso, ou não quer votar, o que deixa o cenário bastante aberto. A atual popularidade de Piñera também não entusiasma mais ninguém: 16%.

 

A primeira eleição presidencial do ano ocorre em pouco mais de um mês. Trata-se da escolha do sucessor de Lenín Moreno no Equador, em 7 de fevereiro. Depois de um ano de revoltas e em que a cisão da sociedade ficou clara, veio o ano da peste. Foi da cidade litorânea de Guayaquil que vieram talvez as mais terríveis imagens da chegada do coronavírus na região. Hospitais e cemitérios lotados, corpos abandonados nas ruas, enterros coletivos sem identificação dos cadáveres.

O governo de Lenín Moreno, que tão logo começou, em 2017, já se opôs a seu padrinho, Rafael Correa, foi marcado especialmente por esses dois eventos: as manifestações indígenas de 2019 contra o ajuste no combustível e o modo como o país foi golpeado pela pandemia. Todo o demais acabou ficando pequeno. Moreno, mesmo, não buscou nem sugeriu concorrer à reeleição. O governo sequer terá um candidato próprio na contenda.

Mas Rafael Correa, que se sente injustiçado e está condenado a 8 anos de cadeia por corrupção, não desistiu de nada. Primeiro, insinuou candidatar-se a vice de Andrés Arauz, repetindo a fórmula de Cristina Kirchner com Alberto Fernández, mas não deu certo. O fato de estar sentenciado e foragido _vive na Bélgica_ impediu que se candidatasse. Mas seu novo apadrinhado, participará e, se ganhar, terá o mesmo dilema de Moreno, ou ser um fantoche nas mãos de Correa ou também romper as relações com ele.

Arauz concorre com outros 15 candidatos, embora vários com indicação de uma votação inexpressiva. Quem lidera é o candidato de Correa, com 24% das intenções de voto. Em segundo e em terceiro, ressurgem dois veteranos da política equatoriana de poder regional e setorizado, o empresário Alvaro Noboa, com 17%, e o banqueiro Guillermo Lasso, com 12%. Arauz é de Quito, os últimos dois, de Guayaquil, coração financeiro do país. Assim como no Chile, os que não sabem em quem votar ou simplesmente não querem votar são mais de 50%. A rejeição ao modelo político tradicional também se nota no Equador.

Já os peruanos deveriam estar aliviados com a chegada das eleições, em abril, quando finalmente poderiam colocar fim a um mandato em que deu quase tudo errado. Houve três presidentes e dois Congressos, que se sabotaram o tempo todo entre si. Porém, não é bem assim. A apatia e a falta de envolvimento com as possíveis candidaturas também se nota no país andino.

A liderança nas pesquisas é do ex-goleiro do popular time Alianza e atual prefeito do município de La Victoria, George Forsyth, com uma cifra também magra, 18% das intenções de voto. Em segundo, está Julio Guzmán, do partido Morado, que cresceu muito nos últimos tempos. Na eleição mais recente, Guzmán vinha liderando, até que sua candidatura foi impugnada por uma questão técnica que foi bastante contestada. Porém, ele pertence ao partido Morado, do atual presidente interino do país, Francisco Sagasti, o que poderia ajudar a dar um impulso à sua candidatura.

Atrás de Guzmán, está a esquerdista Verónika Mendoza, com 6,5%, que foi uma das responsáveis por desempatar a eleição de 2016, em que o centro-direitista Pedro Pablo Kuczynski venceu por muito pouco a direitista Keiko Fujimori. No último momento, Mendoza anunciou o apoio da esquerda ao candidato, com quem admitia publicamente ter muitas diferenças, apenas para impedir a volta do fujimorismo ao poder. Agora, Mendoza planejava voar mais alto, mas com essa intenção de voto, pode não ser uma candidata competitiva. De todo modo, os números do Peru também mostram que um setor grande do eleitorado tampouco está decidido ou animado a votar. Assim como no Chile e no Equador.

Também haverá “eleição” na Nicarágua, e deixo entre aspas porque a ditadura já inviabilizou legalmente a participação da oposição, o que deve fazer com que seja fácil que tanto Ortega como sua mulher, Rosario Murillo, assim que decidirem quem concorrerá, vença o pleito. Murillo é uma figura-chave do regime hoje. Além de vice-presidente, é a figura mais ativa e a voz mais ouvida do governo, enquanto Ortega tem passado vários meses desaparecido, surgindo apenas de vez em quando.

Outro país centro-americano cheio de problemas irá às urnas neste ano, trata-se de Honduras, que, além da crise econômica e da pandemia, lida com o impacto de furacões e dos enfrentamentos entre grandes empresas mineradoras e líderes ambientalistas, embate que já levou à morte muito destes.

Há, ainda, duas eleições legislativas importantes. Na Argentina, onde vários economistas preveem que virá uma crise como a de 2001 e no México, onde a gestão de López Obrador será julgada nas urnas. O mexicano elegeu-se em 2018 prometendo uma renovação pela esquerda, mas tem se mostrado cada vez mais um populista conservador que, ainda por cima, não vem lidando nada bem com a pandemia.

 

O que certamente está garantido é que não faltarão notícias na região.

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5 livros para entender o Uruguai https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2019/11/26/5-livros-para-entender-o-uruguai/ https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2019/11/26/5-livros-para-entender-o-uruguai/#respond Tue, 26 Nov 2019 23:43:04 +0000 https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/files/2019/11/uruguay-320x213.jpg https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/?p=3459 Muita gente anda impressionada com o Uruguai nestes dias. Outra vez. Como é possível que apoiadores dos dois partidos rivais estejam dançando com suas bandeiras, juntos, dias antes do segundo turno? Como pode ser que não existam insultos entre os principais candidatos? Por que se valoriza tanto a democracia a ponto de o candidato que praticamente já se sabe vencedor diga a seus apoiadores que não comemorem agora, que é preciso respeitar a lei e esperar o fim da contagem dos votos. E mais, que voltem para casa “com alegria contida” (vá dizer isso a um militante político argentino…)? Além disso, um país que respeita os direitos civis, que não gosta dos extremos políticos, que aceita imigrantes, que é igualitário, laico e secular?

Bom, a resposta é que nada disso ocorreu do dia para a noite. Aqui, alguns livros que ajudam a explicar a “excepcionalidade” uruguaia e de que é feito esse país.

  1. Ariel (José Enrique Rodó, 1900) – Neste ensaio filosófico, Rodó (1871-1917) faz uma crítica ao materialismo que o autor via disseminar-se pela América Latina. Prega que os jovens devem defender-se dos valores consumistas e da dominação cultural dos EUA, cultivando a espiritualidade. Seu modelo de democracia estava baseado na educação popular e na construção de uma sociedade igualitária. O ensaio está construído a partir de personagens da obra “A Tempestade”, de William Shakespeare, colocando o foco em Ariel, símbolo do idealismo, que se contrapunha ao materialismo de Caliban.
  2. Las Cartas que No Llegaron (Mauricio Rosencof, 2000) – Escrito pelo ex-Tupamaro e colega de militância e prisão de José “Pepe” Mujica, a obra de Rosencof, 86, fala de um país construído pelas vidas cortadas dos imigrantes e pelos que participaram da luta política dos anos 1970. Acompanhamos o pequeno Moishe, apelido de infância de Rosencof, crescendo numa família que foi a última de seu povoado polonês antes de os nazistas varrerem os judeus dali. Os Rosencof encontram abrigo na então distante Montevidéu. As “cartas” do título são aquelas que os pais de Moishe esperavam a cada dia da família que acabou morrendo nos campos de concentração na Europa, mas também as que ele, já adulto e guerrilheiro, escrevia a seu pai desde a prisão.
  3. Montevideanos (Mario Benedetti, 1959) – A coletânea de contos foi uma das primeiras obras a projetarem o uruguaio Mario Benedetti (1920-2009) como um dos principais autores latino-americanos do século 20. Lança um olhar por vezes piedoso, noutras mordaz e em quase todas melancólico sobre a classe média na “cidade de todos os ventos”, como o autor chamava Montevidéu. Escritos entre 1955 e 1961, funcionam como reflexão sobre a sociedade construída a partir dos tempos de bonança econômica, na década anterior, quando o país se industrializou e conheceu boas taxas de crescimento. Nos relatos que tratam do cotidiano, o autor retrata a alma de Montevidéu. Há também histórias que questionam a ideia de que ser uruguaio no mundo era ser um provinciano longe de casa –conflito que Benedetti viveu, ao ter de se exilar devido à ditadura (1973-1985). O autor questiona o lugar-comum de que Montevidéu é um lugar tranquilo, em que o tempo parece parado. Cada conto do livro mostra algo das sutilezas da alma uruguaia, suas maldades e ternuras, fúrias, paixões, preconceitos e temores, emoções em movimento que permanecem encobertas até hoje.
  4. José Batlle y Ordoñez – Uruguay a la Vanguardia del Mundo (Jorge Buscio, 2004) – Para quem quer conhecer o fundador do Uruguai moderno, o presidente colorado mítico que aprovou, no início do século 20, uma série de leis de direitos civis vanguardistas, como o divórcio apenas pelo pedido da mulher, e trabalhistas, estabelecendo a jornada de oito horas e regulamentando o trabalho rural, este livro é uma boa introdução. O Uruguai é fruto do chamado “batllismo”, cujos valores mais gerais estão espalhados pelos três principais partidos políticos do país. O livro de Buscio investiga as raízes do pensamento de Batlle, o contexto histórico que permitiu que ele se desenvolvesse e analisa o impacto que suas ideias têm no Uruguai contemporâneo.
  5. História Mínima de Uruguay (Gerardo Caetano, 2019) – O renomado historiador consegue resumir, no volume desta coleção que exige que os textos sejam sintéticos, as razões da “excepcionalidade” uruguaia. Caetano o vê como um “laboratório de experiências singulares”, quando se refere, por exemplo, aos ideais do “batllismo”. Dos tempos da Colônia, resgata a fricção em que o país se desenvolveu em meio à disputa entre os impérios português e espanhol. Do seu perfil inicial de “fronteira”, o Uruguai desenvolveu uma identidade cultural e política próprias, longe da influência da Igreja Católica, até hoje pouco atuante neste país predominantemente laico, e cuja virtude mais especial foi ter se desenvolvido e se mantido através dos tempos.
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Quatro dicas para entender Evo Morales https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2019/11/05/quatro-dicas-para-entender-evo-morales/ https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2019/11/05/quatro-dicas-para-entender-evo-morales/#respond Wed, 06 Nov 2019 00:42:21 +0000 https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/files/2019/11/evo-morales-polemica-reuters-320x213.jpg https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/?p=3442 O presidente da Bolívia, Evo Morales, 60, está protagonizando uma crise em seu país. Sua controversa vitória nas urnas no último dia 20 de outubro está sendo contestada pela oposição, por organismos internacionais e levado apoiadores e críticos às ruas, não sem causar violência. O fim dessa crise ainda é desconhecido, mas, para entender melhor quem é Evo Morales, sugiro aqui uma lista de livros e filmes sobre o líder indígena, o primeiro a governar seu país.

  1. Cocalero (Alejandro Landes, 2007) – O documentário acompanha a campanha presidencial de Morales em 2005. Vemos um Evo bem mais jovem, óbvio, e muito tímido se comparado aos dias de hoje. Ele visita comitês, reune-se com sindicalistas _acompanhado sempre de García Linera, seu vice até hoje. Algumas cenas são inquietantes, como uma em que líderes de seu movimento ensinam indígenas muito humildes a votar nele. É possível ter uma ideia de como a região do Chapare, de onde ele veio, se politizou e se organizou, e também alguns dos aspectos de sua vida pessoal, como sua eterna solteirice e sua fama de “namorador”.
    Cena do documentário “Cocalero”, que mostra a primeira campanha eleitoral de Morales (Foto Divulgação)

    2. “Our Brand is Crisis” (Rachel Boynton, 2005) – Cuidado! Não confundir esse documentário com sua versão ficcionalizada de mesmo nome, de 2015, protagonizada por Sandra Bullock (este segundo é muito ruim). O original, de Boynton, é excelente e acompanha o trabalho do time de marqueteiros norte-americanos contratado pelo liberal Gonzalo Sánchez de Lozada (conhecido pelos bolivianos como Goni), para voltar ao poder em 2002. Goni tem problemas, é visto pela população mais humilde como um milionário que não se importa com os pobres, o país vai muito mal economicamente e Goni está mal posicionado nas pesquisas. Os norte-americanos transformam a “crise” numa “marca”, como diz o título, e conseguem eleger Goni. Interessante ver o filme com os olhos de hoje, pois se sabe que este acabaria sendo um período de muitos conflitos e mortes, que acabou possibilitando o surgimento, depois, de Evo Morales como opção viável para a Presidência.

    3. Episódio de “Salvados” com Evo Morales (Netflix) – O jornalista espanhol Jordi Évole é um craque e toda sua série de entrevistas “Salvados” é muito boa. O episódio que conta o dia que passou com Evo Morales na Bolívia, para entrevistá-lo, é um dos destaques. É possível saber como é a experiência, que esta repórter também viveu na pele, de estar o dia todo com o presidente boliviano. Acorda-se cedo, voa-se a três ou quatro cidades bolivianas com ele em seu jatinho e tem-se vários exemplos de como este é vaidoso e seu ego foi aumentando com o tempo. Além disso, tem-se uma ideia de como seus seguidores são fanáticos. Também se pode ver que suas respostas às entrevistas são parecidas. “Se ser populista é estar com o povo, sou populista e não vejo nenhum mal nisso”. O episódio vale mais pelo que mostra da personalidade de Morales do que o que ele diz em suas respostas. E fica claro algo que já estamos vendo. Morales não vai querer sair do poder tão cedo.

    4. “El Jefazo”, Martín Sivak (ed. Debate, importado) – O livro do jornalista argentino conta a trajetória de Morales desde sua infância, passando por seus tempos como sindicalista do ramo da produção de coca, e como foi-se formando sua consciência política. Além disso, Sivak busca compreender como foi a transformação do cocaleiro em presidente e como o presidente deixou-se moldar pelo poder. É um relato independente sobre a vida do atual presidente da Bolívia. Nos últimos meses, Sivak voltou ao assunto, acompanhando Morales pela Bolívia para realizar um documentário, ainda não finalizado.

    Capa do livro “El Jefazo”, de Martín Sivak (Foto Divulgação)
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Cristina reaparece, em livro e candidatura https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2019/04/27/cristina-reaparece-em-livro-e-candidatura/ https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2019/04/27/cristina-reaparece-em-livro-e-candidatura/#comments Sat, 27 Apr 2019 16:09:51 +0000 https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/files/2019/04/sinceramente-cristina-kirchner-disponible-ya-D_NQ_NP_986980-MLA30086698260_042019-F-175x213.jpg https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/?p=3327
A ex-presidente argentina, Cristina Kirchner, que lança livro e deve anunciar candidatura no próximo mês (Foto Divulgação)

Na semana em que o presidente argentino, Mauricio Macri, teve um desgaste inédito com a disparada recorde do dólar e da inflação, a ex-presidente Cristina Kirchner (2007-2015) mostra-se novamente como boa estrategista. Colocou à venda “Sinceramente” (Sudamericana), um livro em que conta alguns bastidores do poder, ataca o atual governo, defende-se das acusações de corrupção e anuncia, nas entrelinhas, sua candidatura para as eleições de outubro deste ano.

O lançamento oficial da obra será apenas no dia 9 de maio, em um evento na Feira Internacional do Livro, de Buenos Aires, que está ocorrendo na cidade até 13 de maio. Distribuído às livrarias na manhã da última quinta-feira (25), em menos de 24h sua primeira edição, de 60 mil volumes, já estava esgotada. Neste fim de semana, uma nova impressão está sendo preparada às pressas, para que uma nova fornada do livro já esteja disponível nas livrarias na próxima segunda-feira (29).

O curioso é que esse fenômeno de vendas da ex-presidente ocorre num momento em que o mercado editorial argentino, por conta da crise local, não anda nada bem. Editoras grandes estão tendo prejuízo, e muitas das pequenas estão fechando, enquanto livros importados vêm custando cada vez mais caro por conta da alta do dólar. “As vendas não vão bem já há alguns anos, mas acreditamos que num espaço como a Feira do Livro se possa promover mais a leitura”, disse à Folha Oche Califa, diretor do evento que reúne ao redor de 1 milhão de visitantes todo ano. “Um milhão de visitas infelizmente não tem correspondido a um milhão de vendas, muitos vêm só para passear, mas esperamos estimular a compra das obras”, conclui.

Nesse contexto, o furor por “Sinceramente” está deixando autores, editores e, principalmente, os políticos opositores a Cristina morrendo de inveja. Um livro considerado best-seller no país hoje vende por volta de 50 mil exemplares. Cristina vendeu mais que isso em apenas 24h e provavelmente dobrará essa marca na próxima semana. Enquanto na abertura da feira o secretário de cultura de Macri, Pablo Avelluto, foi vaiado durante sua fala de inauguração, os organizadores do evento agora quebram a cabeça para resolver como vão fazer caber dentro do espaço tanto seguidores de Cristina no dia do lançamento de seu livro, cuja apresentação terá entrada gratuita.

Por outro lado, o livro, se analisado com atenção, não traz tantas novidades, e se nota uma edição feita às pressas, para aproveitar o “timing” político da má fase de Macri.

Entre os pontos de interesse, estão:

  • a defesa que faz de seus filhos, especialmente de Florencia Kirchner, 28, internada para tratamento médico em Cuba, acusada de corrupção e cuja presença na Argentina é requerida pela Justiça local. Florencia teve transferidos à sua conta milhões de dólares cuja procedência é, supostamente, ilícita.
  • a escolha da cor azul para a capa, num tom um pouco mais escuro que o celeste da bandeira argentina. É uma cor muito simbólica para evocar um “peronismo puro”, algo que sempre é motivo de disputa em tempo de eleições _só neste período de pré-campanha há quatro candidatos peronistas. A palavra “sinceramente”, escrita à mão é corroborada pelos próprios editores, pois Cristina teria escrito o livro sozinha, sem “ghost writers” e passado por um processo de edição com quase nada de intervenção. Segundo a própria Cristina, não é uma obra nostálgica, e sim um retrato de como se sente hoje.
  • a defesa das acusações de corrupção é evasiva, não vai aos detalhes técnicos das investigações, e as classifica como uma “perseguição política”.
  • a ex-presidente admite ter cometido erros e evoca o movimento feminista que tomou o país nos últimos anos, mas do qual ela mesma nunca foi um símbolo, até aqui. “Sou Cristina, uma mulher, com tudo o que implica ser mulher na Argentina. Com uma vida em que se cruzaram sucessos e frustrações, acertos e erros, mas que foi honestamente vivida sem nunca abandonar minhas convicções.”
  • Cristina também abre o jogo sobre como se sentiu ao ter de entregar o cargo a Macri: Muitas vezes, depois do resultado divulgado, pensei na cena, em que eu entregava o bastão a… Mauricio Macri!! Isso me destruía o coração. Mais pensei em muitas maneiras de faze-lo. Numa delas eu tirava a faixa e a deixava sobre uma mesa junto com o bastão presidencial, depois, dava as costas a ele (Macri) sem ver nada mais do que ocorria”. Na verdade, Cristina, depois de discussões diretas com Macri, acabou nem aparecendo no dia da posse. Quem entregou o mando do país a Macri foi o então líder do Senado, Federico Pinedo, que ficaria famoso em memes e piadas como “o presidente da Argentina por 12 horas”, período em que, de fato, ficou com o poder, enquanto Cristina ia embora e Macri preparava-se para assumir. Cristina se abre sobre isso: “Todo o Cambiemos (aliança que elegeu Macri) queria essa foto minha entregando o mando do país a Macri. Então eu seria caracterizada como eles sempre me chamaram, a ‘jumenta’, a autoritária, por fim rendendo-se. Não podia deixar que isso acontecesse”.

Não se conhece nem se pode prever nada sobre a eleição de outubro. Mas o fato é que a última semana, com Macri em queda por conta da situação econômica negativa e sem perspectivas de melhora rápida, e Cristina sabendo pegar a onda que está se formando em seu favor, configuram um quadro novo, quando até pouco tempo atrás se falava de uma reeleição fácil do atual presidente. Os próximos meses serão de disputa acirrada e sujeitos a novas surpresas. A eleição argentina ganha emoção, se não aparecem nomes novos e projetos distintos, acerca-se um verdadeiro circo de gladiadores em que ambos irão se degladiar até a morte. Quem sabe se não é exatamente isso, um show circense, o que esperam os argentinos para outubro? É triste, mas parece ser assim.

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A desigualdade é uma marca no Chile desde os tempos coloniais, diz economista https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2017/11/18/a-desigualdade-e-uma-marca-no-chile-desde-os-tempos-coloniais-diz-economista/ https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2017/11/18/a-desigualdade-e-uma-marca-no-chile-desde-os-tempos-coloniais-diz-economista/#respond Sat, 18 Nov 2017 13:39:28 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/?p=3018
Periferia de Valparaíso, no Chile (Foto La Tercera)

Publiquei hoje em Mundo uma matéria sobre a decepção dos chilenos com relação ao crescimento parco do país nos últimos anos e com o fato de se tratar de um dos mais desiguais da América Latina. Aqui, reproduzo na íntegra a entrevista com o economista Osvaldo Larrañaga, que coordenou o estudo “Desiguales”, organizado pelo PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), e que explica o contexto histórico e político dessas disparidades. Larrañaga fez seu doutorado na universidade da Pensilvânia e hoje é professor da Universidade do Chile.

Folha – Quais os principais motivos para realizar o estudo “Desiguales”?

Osvaldo Larrañaga – O projeto nasceu da necessidade de ter um texto de referência sobre a desigualdade socioeconômica no Chile, que desse conta de suas manifestações, causas, canais de reprodução e mudanças ao longo do tempo. Queríamos que estivesse baseado em sólida evidência quantitativa, mas que também considerasse a dimensão subjetiva da desigualdade: como se vive em um país desigual e quais são as normas e valores sociais que contribuem para que se reproduza ou modifique a desigualdade no tempo?

Também oferecemos uma visão histórica do fenômeno, uma vez que a desigualdade tem sido uma marca da sociedade chilena desde os tempos coloniais. Em resumo, trata-se de um texto que dá conta, em forma compreensiva, do problema da desigualdade do país, para que seja usado tanto por universitários como por quem trabalha no planejamento de políticas públicas, além de interessados em geral no tema.

Folha – Como se explica que o Chile, apesar de ser o país mais desigual entre os integrantes da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico), tenha uma pobreza de 11,6%, considerada baixa se comparada a outros países da região?

Larrañaga – O Chile reduziu a pobreza a menos de uma quinta parte do seu índice de 1987. A queda tem sido resultado, principalmente, do crescimento da economia, que criou empregos e incrementou o ingresso dos lares. Se trata, porém, de um aumento no nível de ingresso, que não tem porque vir acompanhado de mudanças na distribuição. Para a redução da pobreza também contribuiu uma política social que entregou, de forma gratuita ou fortemente subsidiada, educação, saúde, moradia e outros serviços à população de menores recursos.

O mesmo crescimento da economia deu mais recursos aos governos do período, que o usaram para incrementar o gasto social. Entre 1990 e 2016, o gasto público em educação se multiplicou em seis vezes. Ou seja, em 600% em termos reais.

Folha – O estudo aponta para problemas que nasceram em tempos coloniais, como a distribuição desigual de terras e riquezas. Por que foi difícil para os governos do século 20 afrontar o problema?

Larrañaga – Ao longo da história sempre houve no país uma classe alta que concentrou parte significativa da riqueza, ainda que a elite econômica e suas fontes de ingressos tenham ido mudando com o tempo. Dito isso, o século 20 foi um período de mudanças sociais de envergadura, principalmente pela massificação da classe média, que modificou a estrutura social. Até então, esta se compunha de uma elite de tamanho reduzido, uma classe média pequena de funcionários estatais e profissionais do mercado, e uma grande massa de setores populares.

No século 20, a classe média se constituiu como um grupo de grande importância, tanto quantitativa como politicamente. Na década de 1920, deu-se início a políticas de segurança social e de ajudas do Estado, assim como aumentou a participação de partidos políticos de centro e de esquerda, que modificaram o mapa do poder no país.

A desigualdade se reduziu nas décadas seguintes, mas esse processo depois foi revertido pelas reformas liberais impulsadas pela ditadura (1973-1990), que transformaram profundamente a economia, o papel do Estado, as relações de trabalho e a propriedade das empresas.

Folha – As diferenças geográficas influenciam a desigualdade? No sul do país, por exemplo, os habitantes pagam muito mais por produtos básicos, por conta da dificuldade de acesso e de transporte para a região patagônica. Seriam necessários mais investimentos em infraestrutura?

Folha – O Chile tem uma geografia muito variada e certamente isso influi na desigualdade econômica, social e política entre as regiões. Mas essa dimensão, a territorial, não é o componente principal da desigualdade entre as distintas zonas do país. No interior de cada região há muitos graus de desigualdade de ingressos e de possessão de bens não relacionados a isso. Nas regiões extremas, os preços tendem, sim, a serem mais caros por conta do transporte, mas os ingressos de seus habitantes também são mais altos do que a média nacional, portanto não é isso, individualmente, que faz com que seu nível de vida seja inferior à média nacional.

Folha – O fato de que a Constituição chilena não reconheça os indígenas mapuche como uma comunidade é um fator de peso na medição da desigualdade no Chile?

Larrañaga – Não creio que a falta de reconhecimento constitucional seja um fator fundamental para a desigualdade econômica na região em que vivem (Araucania). A lei reconhece direitos iguais a todos os residentes do país, incluindo os povos indígenas.

Dito isso, porém, é evidente que, na prática, os mapuche tem sido um povo discriminado em termos sociais e culturais, além de terem sido despojados de grande parte de suas terras no fim do século 19. Quando se anexou ao território nacional essa zona, a da Araucania, entre 1600 a 1880, o território compreendido entre os rios Bio Bio e Toltén eram terra mapuche, o que cortava o Chile em duas metades. O resultado do avanço sobre essas terras é que hoje os mapuche são um povo postergado econômica e socialmente, e se localizam na parte inferior da distribuição, em termos de ingresso, status, educação, ocupação profissional etc. Não têm reconhecimento como um povo, e isso deveria ser corrigido.

Folha – A reforma trabalhista proposta pelo governo de Michelle Bachelet poderia reduzir o índice de desigualdade?

Larrañaga – É provável, uma vez que a reforma fortalece o poder de negociação dos sindicatos e a evidência histórica mostra que a ação dos sindicatos foi um fator de redução da desigualdade nos países hoje desenvolvidos. Porém, é necessário ser cauteloso na extrapolação das tendências históricas com relação ao futuro, uma vez que as mudanças tecnológicas em curso vão modificar de forma muito significativa o âmbito do trabalho e das relações trabalhistas, sem que saibamos exatamente como isso vai ocorrer e, portanto, não tenhamos como saber agora que políticas públicas serão necessárias para reduzir os efeitos negativos deste desenvolvimento.

Também é preciso ter presente que os trabalhadores informais não se beneficiam das reformas, e que inclusive podem ser prejudicados se a entrada no setor formal se tornar mais rígida.

Folha – O estudo mostra que, apesar de ser o país mais desigual da OCDE, o Chile vem mudando para melhor. Que fatores influem nisso?

Larrañaga – A desigualdade de ingressos vem caindo desde o ano 2000. Há duas razões imediatas. Por uma parte, há um menor crescimento das remunerações dos profissionais e técnicos, impulsada pelo grande aumento da oferta nos últimos anos, devido à expansão da educação superior. Por outro lado, há um aumento das transferências monetárias do Estado a grupos de menores ingressos, principalmente depois da criação da pensão solidária, em 2008. Portanto, há uma nivelação.

Esses desenvolvimentos também explicam a queda da desigualdade durante a década de 2000 em outros países da região. Uma nota de advertência é que as cifras descritas se referem aos ingressos coletados pelas pesquisas feitas em lares familiares, que não medem bem os ingressos mais altos. Quando se toma a informação individual de ingressos de pessoas e empresas no sistema tributário, é possível constatar que o 1% mais rico obtém 33% do ingresso nacional, e o 0,1% obtém 19,5%. 

Folha – O estudo põe foco nos preconceitos que as pessoas sentem ao receber menos ingressos. No Chile, este é um fator importante de discriminação? As razões seriam culturais e históricas?

Larrañaga – O Chile é, historicamente, un país classista, onde as diferenças de ingressos e de riquezas acompanham as brechas de reconhecimento, status, dignidade e respeito. Há muitos sinais de que essa parte da desigualdade está retrocedendo e de que há maior consciência de que todos somos iguais como pessoas, que o dinheiro não deve comprar privilégios nem respeito, e que o pobre não deve ser estigmatizado por sua condição econômica. 

Esta mudança cultural está em desenvolvimento e é um produto do empoderamento das pessoas que se opõem fortemente a que exista discriminação por conta da condição socioeconômica. Tem a ver, também, com a renovação geracional, porque o sentido de igualdade está muito mais instalado entre os mais jovens.

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“Trumplândia afundaria sem os imigrantes”, diz Valeria Luiselli https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2016/08/01/trumplandia-afundaria-sem-os-imigrantes-diz-valeria-luiselli/ https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2016/08/01/trumplandia-afundaria-sem-os-imigrantes-diz-valeria-luiselli/#respond Mon, 01 Aug 2016 18:14:20 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/?p=2416 A escritora mexicana Valeria Luiselli, que vive em Nova York (Foto Divulgação)
A escritora mexicana Valeria Luiselli, que vive em Nova York (Foto Divulgação)

Para a matéria que publiquei nesta segunda (1) em Mundo, sobre a reação dos mexicanos à candidatura de Donald Trump pelo partido republicano, conversei com a escritora mexicana Valeria Luiselli, 32, convidada da última Flip (Festa Literária Internacional de Paraty), que vive em Nova York, no bairro do Harlem, e dali acompanhou a trajetória do milionário até a entrada oficial na corrida pela Casa Branca. Como tantos mexicanos, Luiselli se preocupa com os comentários e propostas racistas com relação aos mexicanos. Como não coube tudo na reportagem, reproduzo aqui alguns dos apontamentos que me enviou sobre os principais tópicos que propus.

Sobre Trump e o México

Me preocupa muito que chegue à Presidência. Me tira o sono. Me preocupa principalmente porque destapou, com seu discurso, o ódio, e o legitimou. Este país [os EUA], como a maioria dos países, está cheio de racistas, violentos, ignorantes e xenófobos. Trump deu voz a eles. É macabra a imagem de um milionário que, diante de um estádio repleto de gente, propõe construir um muro na fronteira com o México. E logo pergunta, gritando, quem deve pagar por ele. Mas o mais triste e terrível é a imagem de milhares de pessoas que respondem: “O México!”.

Por que a candidatura Trump foi possível?

São muitos fatores. As taxas de desemprego, as dívidas de quase todos os estudantes do país, a falta de expectativas, a ausência de um Estado que ofereça um sistema de bem-estar social sólido.

Tenho viajado muito pelos EUA, tomando notas e fazendo fotos para um livro que estou escrevendo. Atravessei, de carro, mais de 20 Estados, visitei cidades semi-destruídas como Detroit, e dormi em motéis de povoados remotos em Oklahoma, Nuevo México e outros. O que se vê no interior do país, longe das cidades pujantes das costas Leste e Oeste, é um abandono absoluto: fábricas abandonadas, postos de gasolina cobertos de pedra, motéis com as janelas quebradas, colchões de antigos quartos apodrecendo ao sol nos estacionamentos vazios. Para não ir muito longe de onde vivo, em muitas cidades pequenas do Estado de Nova York, onde Trump ganhou nas primárias, há filas de “junkies” pedindo dinheiro: jovens e velhos, em sua maioria brancos, viciados em “meth” ou em heroína.

Mas só isso não justifica o imenso apoio a Trump. Por que não se apoiou com o mesmo fervor a Bernie Sanders, que também tinha um discurso populista e prometia beneficiar os menos favorecidos _ainda que de modo muito mais sofisticado, sensato, e sem dar espaço ao fator ódio e ao racismo que sustenta o discurso de Trump? Creio que a resposta tem a ver com o discurso racial. A medula do discurso de Trump é o ódio racial. Trump é o candidato de uma população branca que segue acreditando na supremacia dos brancos e que intui que logo vão deixar de ser maioria neste país. Hoje em dia, 62% do país é branco, mas, em 2065, os brancos serão 45%.

Hoje, há 18% de hispanos, mas em 2065 nós seremos 25%. Todas as estimativas indicam que os EUA tende a se transformar num país com mais diversidade racial. Talvez os apoiadores de Trump vejam em seu candidato a possibilidade das últimas braçadas de um afogado, antes que o século 21 os rebaixe e os EUA se transforme num país… moreno.

Entre outros responsáveis pelo êxito de Trump estão os meios de comunicação massiva. Os meios são como o marionetista invisível detrás de todo esse pesadelo que está se transformando em realidade. Os meios, talvez, tenham visto no personagem de Trump a possibilidade de aumentar audiências. Trump teve mais tempo no ar do que qualquer outro candidato e as consequências disso se reproduziram como um vírus. Ele é uma marca, um slogan, um êxito publicitário.

Por fim, tudo começou como um espetáculo que assistíamos, entre horrorizados, distantes e _é preciso confessa-lo_ entretidos, até que um dia começamos a viver dentro do espetáculo.

Aconteceu conosco como a garotinha de “Poltergeist”, preciso confessar.

Como se sente a candidatura Trump em Nova York?

Na cidade de Nova York, entre os republicanos, ganhou Kasich. Esta é uma cidade de imigrantes, cujos valores são opostos em todos os sentidos ao que Trump representa. Meu bairro, Hamilton Heights, no Harlem, é um bairro muito africano, afro-americano, dominicano, mexicano e árabe, e foi bastante pró-Bernie. O “deli” da esquina da minha casa, pertencente a imigrantes de Acapulco, se chama “Yo Aquí Me Quedo” (eu fico aqui), e no dia das primárias distribuiu broches de Bernie.

Hoje vejo todos preocupados. Minha filha de seis anos pergunta frequentemente: “Se Trump ganhar, vão nos expulsar?” Sua amiga, Ella, uma menina afro-argentina, respondeu a ela, a sério, um outro dia: “Você vai e vamos todos os latinos, senão nos vão matar”. Ninguém, muito menos as crianças, tinha que estar preocupado com essas coisas.

Os que estão em perigo real, como sempre, são os mais desfavorecidos. Faço trabalho voluntário na corte de imigração, como intérprete e tradutora de crianças imigrantes, e aí escutei de perto as preocupações imediatas dessa população. São os mais vulneráveis, todos estão num limbo migratório, não têm dinheiro para pagar advogados, e sua vida está nas mãos de organizações humanitárias que tentam ajuda-los, mas não dão conta. Todas essas crianças e adolescentes recém-chegados e que estão esperando receber asilo político, eles sabem que, se Trump ganha, não vão ter oportunidades aqui.

Sobre as propostas migratórias de Trump.

Nada do que ele sugere é realista. Deportar uma pessoa custa muito mais caro ao governo do que não deporta-la. Para deportar os aproximadamente 11.2 milhões de imigrantes ilegais, os EUA demorariam uns 20 anos e isso custaria entre US$ 400 e 600 bilhões. Além disso, as comunidades imigrantes pagam impostos, são parte da massa de consumidores e formam parte essencial não somente da cadeia produtiva do país como de seu tecido social. Trumplândia afundaria sem os imigrantes ilegais. Basta fazer a conta matemática.

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