Sylvia Colombo https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br Latinidades Tue, 30 Nov 2021 12:31:53 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Morte de Fidel Castro completa cinco anos numa Cuba alterada https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2021/11/25/morte-de-fidel-castro-completa-cinco-anos-numa-cuba-alterada/ https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2021/11/25/morte-de-fidel-castro-completa-cinco-anos-numa-cuba-alterada/#respond Thu, 25 Nov 2021 03:49:53 +0000 https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/files/2021/11/fidel-320x213.jpg https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/?p=3959 Era curioso caminhar pelas ruas do centro de Havana naqueles dias que se seguiram à morte do ditador Fidel Castro, que completa cinco anos nesta quinta-feira (25).

Na noite em que líderes internacionais se reuniram na Plaza de la Revolución para as últimas homenagens ao líder da Revolução Cubana (1959), havia uma diferença fundamental na reação das diferentes gerações de cubanos. Estavam os que apareceram abraçados a fotos do líder revolucionário ou carregando bandeiras e cartazes, alguns chorando, outros com ar de lamento. Estes eram geral pessoas mais velhas. Algumas crianças acompanhavam os pais, ou os avós, para erguer os pequenos altares com sua imagem que permaneceram por dias nas ruas de Havana.

Não houve, porém, a comoção nem a explosão social que boa parte da mídia internacional estava imaginando, como se o evento pudesse significar um divisor de águas ou o fim do regime.

De um lado, estavam as solenidades oficiais e os apoiadores dos Castro, consternados. De outro, via-se uma juventude que reagia olhando para tudo aquilo com desinteresse e desalento. Outros pareciam, ainda, mais preocupados em buscar os pontos de wifi, os únicos lugares da ilha em que é possível conectar-se à internet, e que ficam em algumas praças, certas esquinas ou ruas turísticas. Lembro de ter perguntado a alguns dos jovens por ali sobre o que estavam sentindo. O descaso surgia na forma de frases assim: “eu nem sabia que Fidel ainda estava vivo”, ou “sua morte não muda nada, antes de ficar doente, ele já armou tudo para que não mudasse nada nunca por aqui”.

Quanta coisa ocorreu de lá para cá!

Seu irmão já estava à frente do país desde 2008. Com Fidel ainda vivo, Raúl havia iniciado algumas reformas que levantaram o ânimo nacional, sinalizando não apenas uma abertura econômica como uma aproximação com os EUA que poderia, quem sabe, um dia, significar o fim do embargo.

A eleição de Donald Trump colocou esses avanços em banho-maria. Ficou distante a possibilidade de eliminar as barreiras que impedem a chegada a Cuba de alimentos, remédios e tantos outros itens que tornam o desabastecimento um problema crônico no país.

Raúl, por sua vez, foi substituído por Miguel Díaz-Canel, em 2018, que também sinalizou com mudanças na gestão da ilha.

Promulgou-se uma nova Constituição, em 2019, cheia de lindas palavras sobre a liberdade de expressão e de associação, e até um item que permitia as manifestações pacíficas nas ruas. Porém, a ideia de concretizar um “estado socialista de direito” não foi adiante. Um cerco às atividades de artistas e intelectuais criou uma forte reação desse setor. Espalhados em diversos grupos pela ilha, coletivos passaram a se juntar para ler poemas, realizar performances e greve de fome contra a censura. A ira desatada contra os artistas pelo regime foi desde o princípio desmedida. A partir de então, qualquer jovem com um celular na mão é considerado uma ameaça ao sistema, e os cárceres foram se enchendo de presos políticos.

O caldo foi entornando até que, nos últimos dias 11 e 12 de julho, a ilha viveu um momento inédito. De modo voluntário, milhares de pessoas saíram às ruas para protestar de modo pacífico contra o governo, o desabastecimento, as condições econômicas deterioradas pelos efeitos da pandemia. A repressão foi brutal nesse dia _houve uma morte e centenas de prisões.

Uma segunda manifestação, que estava marcada para o último 15 de novembro, foi abafada em seus mínimos detalhes. Opositores tiveram casas cercadas, alguns tendo sido depois levados a sair do país com a roupa do corpo. Outros tantos foram presos apenas por terem saído de branco nas ruas. Até mesmo um garoto de 15 anos, Reniel Rodríguez (@LunaticoDebates), passou alguns dias atrás das grades, de modo ilegal, só por ter saído de casa com uma camiseta branca, a filmar e mostrar por meio de suas redes sociais o que via nas ruas.

Embora o regime tenha celebrado o “fracasso rotundo” dos protestos, que afirmou terem sido articulados pelos EUA, está claro que o jogo já é outro no país. Sabendo que não vai poder manter a repressão contínua, Díaz-Canel tomou algumas medidas para tentar acalmar a população. Entre elas, a legalização de um conjunto pequeno de empresas privadas, para aliviar a pressão desse setor. Outras, mais contorcidas, passam por acertar com a Nicarágua de Daniel Ortega que cubanos possam viajar para lá sem visto. Com isso, espera-se que um grupo considerável de cubanos tome essa alternativa, na esperança de chegar aos EUA desde a Nicarágua e incrementar a partir daí o valor das remessas de dólares para a ilha. Neste quesito, o regime vem fazendo vista grossa, deixando que entre dinheiro, mesmo que de modo ilegal, ao país, porque isso ajuda a manter viva uma economia em estado de coma.

Se essas medidas forem suficientes para conter os ânimos e o poder repressivo se mantiver no mesmo grau, o regime pode ter uma sobrevida. Por outro lado, as vozes que pedem democracia na ilha não parecem querer se calar. A cada líder neutralizado ou que parte para o exílio, outros surgem. A atomização é uma força da resistência.

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Cuba perde poeta dissidente a dias de manifestação histórica https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2021/11/08/cuba-perde-poeta-dissidente-a-dias-de-manifestacao-historica/ https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2021/11/08/cuba-perde-poeta-dissidente-a-dias-de-manifestacao-historica/#respond Tue, 09 Nov 2021 00:08:20 +0000 https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/files/2021/11/7CE25AA6-8753-4F16-9D50-9CAE406ABF7D_cx0_cy10_cw0_w1597_n_r1_st-320x213.jpg https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/?p=3954 Era com apreensão e esperança que o poeta e jornalista Raúl Rivero vinha acompanhando os acontecimentos em Cuba, que está às vésperas de uma nova manifestação anti-regime, convocada para o próximo dia 15. Apesar de viver exilado em Miami, o escritor estava em contato com os militantes na ilha e colocava expectativas na renovação do time dos opositores da ditadura.

Um ataque cardíaco o impediu de ver o desenrolar dessa história. No último sábado (6), Rivero morreu, aos 75, sem ver o fim de um regime pelo qual, no começo, lutou e defendeu, tornando-se depois um opositor por ele perseguido. Assim como o o escritor Cabrera Infante, a cantora Celia Cruz e centenas de outros, Rivero terminou seus dias no exílio.

Poeta e jornalista, Rivero era parte de um grupo conhecido como “os 75”, grupo de dissidentes que a repressão prendeu em uma operação que durou três dias em março de 2003 e ficou conhecida “Primavera Negra”. Condenados, as penas para esse grupo variaram de 8 a 30 anos, e houve fortes rumores na época que se aplicaria também a pena de morte, o que acabou não se concretizando.

Sobre Rivero, caiu uma sentença de 20 anos de prisão. Mas, no ano seguinte, depois de uma forte campanha internacional, com o apoio de intelectuais de outros países, como o peruano Vargas Llosa e o chileno Jorge Edwards, o poeta foi solto, com a condição de que saísse do país. Primeiro, foi à Espanha, que lhe ofereceu a nacionalidade. Nos últimos anos, vivia e trabalhava em Miami.

Antes de se frustrar com a Revolução, Rivero chegou a fazer parte de um grupo armado que combatia os anticastristas. Depois, atuou em veículos alinhados ao regime, como o Prensa Latina, do qual foi correspondente em Moscou entre 1973 e 1976 e enviado a vários países da então Europa do leste e a Coreia do Norte. Também foi um dos fundadores da revista El Caimán Barbudo, uma das pioneiras na narrativa de não-ficção da América Latina, da qual também participou Leonardo Padura.

Em 1991, incomodado com a censura e a existência de presos políticos, Rivero assinou a famosa “Carta de los Diez”, que reunia nomes famosos que pediam a redemocratização da ilha. Passou a fazer um jornalismo de oposição, a partir da agência que ele mesmo criou, a Cuba Press.

No exílio, aproximou-se mais da poesia. É autor de mais de 15 livros, entre eles “Estudios de La Naturaleza”, “Sin Pan y Sin Palabras”, “Herejías” e “Provas de Contato”, lançado no Brasil (Barcarola). Ganhou diversos prêmios literários, como o Ortega y Gasset.

Nos últimos dias, ele e a mulher, Blanca Reyes, uma das líderes de outro grupo dissidente, as Damas de Blanco, tinham a atenção colocada no que pode ocorrer na ilha na próxima semana.

Sua morte marca uma mudança de geração dos que pedem liberdades e democracia na ilha.                                                 

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11 de Setembro chileno é lembrete para escalada autoritária na América Latina https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2021/09/10/11-de-setembro-chileno-e-lembrete-para-escalada-autoritaria-na-america-latina/ https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2021/09/10/11-de-setembro-chileno-e-lembrete-para-escalada-autoritaria-na-america-latina/#respond Fri, 10 Sep 2021 23:52:20 +0000 https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/files/2021/09/allende-320x213.jpg https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/?p=3897 Já não se fazem mais golpes de estado como o chileno. E ainda bem!

Porém, a lembrança do pesadelo iniciado naquela manhã de 11 de setembro de 1973 deve servir de aviso para os que acompanham, neste momento, a escalada autoritária de vários líderes latino-americanos: na Nicarágua, em El Salvador, na Venezuela e no Brasil, entre outros.

O golpe militar chileno foi violento, resultou na morte dos apoiadores do presidente Salvador Allende e levou o próprio líder socialista a cometer suicídio. As Forças Armadas bombardearam seu próprio país, causando destruição, mortos e prisioneiros de guerra. Daí em diante, e por pelo menos 16 anos, o Chile teve perseguição a opositores, torturas, desaparições, ataques e censura aos meios de comunicação. As liberdades individuais deixaram de existir.

Se no início houve participação ativa e apoio dos EUA para a instalação do regime do general Augusto Pinochet, os norte-americanos passaram a pressionar pela redemocratização do país no fim dos anos 1980. Um regime ditatorial de linha-dura tão longo, naqueles tempos, tinha péssima reputação internacional, com organismos de defesa dos direitos humanos e grande parte da sociedade pressionando contra.

Os ventos mudaram ainda mais e, hoje, mostra-se cada vez menos provável (porém não impossível) que um golpe tão brutal como o chileno volte a ocorrer na região.

Boa notícia por um lado. Por outro, os autocratas do século 21 continuam com sede de poder e com impulso para avançar contra as instituições. Porém, parece que ficou démodé, na região, aplicar o golpe clássico, com tanques nas ruas, bombardeio da sede de governo, campos de detenção, pessoas arremessadas no mar ou no deserto por aviões ou helicópteros, milhares de exilados políticos e outro tanto de desaparecidos.

Hoje, eles usam outros recursos. O mais comum é o contorcionismo na interpretação das leis. Muito popular entre aqueles que creem que são a única solução possível para seus países e que, por isso, precisam ficar no poder indefinidamente. Mudaram suas constituições para fazê-lo Hugo Chávez (Venezuela), Daniel Ortega (Nicarágua), com sucesso, Rafael Correa (Equador) e Evo Morales (Bolívia), que fracassaram na tentativa. O mais recente a alterar uma Carta para poder ficar mais tempo no cargo foi Nayib Bukele, de El Salvador.

O contorcionismo nas leis também serve para chegar a cargos sem estar na linha de sucessão direta pelo poder, como fez Jeanine Yáñez em sua tomada da Presidência da Bolívia. Ao final, foi derrotada nas urnas e agora passa uns maus bocados na prisão.

Outra ferramenta dos novos autocratas é atuar de modo diferente com a oposição. Não se trata mais de abafá-los ou afogá-los. É certo que opositores continuam sendo presos e perseguidos, mas a estratégia mais eficiente é outra. Realizam-se eleições maquiadas, comprometidas, em que opositores podem se inscrever, fazer campanha, obter apoios, mas, ao final, uma fraude frustra seus sonhos e mantém no cargo quem já estava.

Exemplos: Venezuela e Nicarágua. Os chavistas vivem repetindo que são dos países que mais fazem eleições na região. É fato, mas cometem irregularidades e as vencem. São eleições de fantasia. Para não dar bandeira, em algumas votações regionais, deixam que um opositor vença. Mas, meses depois, colocam um interventor, um “protetor do estado” para assessorá-lo.

Por fim, outra atuação diferente nos dias de hoje é com a imprensa. É certo que ainda há prisão e até mortes de jornalistas. Mas parece que os autocratas aprenderam, por fim, que calar um jornalista não cala os demais, e às vezes tem até efeito contrário. Eles, então, atuam de modo mais pragmático: tentam sufocar economicamente os meios de comunicação. Ameaçam empresários para que não publiquem anúncios nos veículos independentes, chegam a mudar regras cambiarias para que tenham dificuldade de obter dólares para comprar recursos. No caso do La Prensa, da Nicarágua, que acaba de encerrar sua versão impressa, o regime havia bloqueado uma compra de papel que está apodrecendo na aduana do país.

Pinochet foi, ao lado de colegas sanguinários como Rafael Trujillo (República Dominicana) ou a Junta argentina dos anos 1970, uma nefasta figura do mal. Mas seria um erro virar a página e pensar que esses personagens ficaram obsoletos e caricatos. Os novos autocratas latino-americanos estão determinados a seguir avançando sobre as instituições e inflando seus poderes.

Não é o momento para baixar a guarda e deixar de vigiar seus passos.

 

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Feministas venezuelanas sacodem redes sociais e pedem mudanças reais https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2021/05/22/feministas-venezuelanas-sacodem-redes-sociais-e-pedem-mudancas-reais/ https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2021/05/22/feministas-venezuelanas-sacodem-redes-sociais-e-pedem-mudancas-reais/#respond Sat, 22 May 2021 21:04:28 +0000 https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/files/2021/05/METOO-VENEZUELA_WEB-320x213.jpg https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/?p=3802 Com alguns anos de atraso, um movimento feminista organizado e robusto surgiu na Venezuela. Depois do #MeToo norte-americano, do #NiUnaMenos e tantos outros na América Latina. E, como toda organização que defende, em meio à ditadura de Nicolás Maduro, direitos civis e humanos, enfrenta imensas dificuldades.

Uma delas vem de parte da própria oposição ao regime. Há, entre os mais engajados, os que questionam como é possível que, ante a tamanha crise humanitária, fome, escassez de remédios e pandemia, as feministas agora queiram levantar a voz e pedir respeito a seus direitos como uma prioridade? Pois é, dá até preguiça de explicar. Mas, por fim, a união de várias delas tem falado mais alto, mostrando que, especialmente por conta da crise humanitária, lutar pelas causas de gênero é tão necessário como pedir eleições livres.

O movimento venezuelano se chama “YoTeCreo” e, ainda que tenha realizado alguns eventos presenciais, ganhou sua principal força nas redes sociais. Primeiro, porque estamos numa pandemia. Segundo, porque os abusos contra as mulheres venezuelanas agora ocorrem em vários países, desde que a diáspora começou. Hoje são quase 6 milhões de venezuelanos (ONU) que migraram, e muitos deles estão vivendo em países da região.

Em alguns casos, tanto predador como vítima são imigrantes, e o abuso ocorre fora da Venezuela. Como ocorreu com o escritor venezuelano Willy McKey, acusado de abuso por várias mulheres. Depois de admitir a veracidade das acusações contra ele, McKey acabou matando-se, saltando do nono andar de um prédio em Buenos Aires. O caso levantou polêmica dentro e fora da Venezuela, com acusações de seus amigos de que as mulheres o haviam levado a suicidar-se.

O “YoTeCreo” surgiu com força na Venezuela em 19 de abril, quando um grupo de mulheres começou a postar experiências de abusos sexuais por parte de amigos, familiares ou figuras públicas. Foi como uma avalanche, e logo as denúncias já eram milhares. As principais plataformas são o Instagram e o Twitter.

Assim como no trágico caso de McKey, há várias denúncias contra artistas, como o músico Alejandro Soto, da banda Los Colores, ou Tony Maestracci, da Tomates Fritos. A maioria dos casos, porém, indica abusos vindos de distintos lados, e centenas apontam a companheiros, familiares ou amigos próximos. 

Há líderes do movimento em Caracas e na Cidade do México que agora enfrentam o desafio. Deixar que as redes sejam o tribunal das denúncias? Não parece ser uma boa ideia. E o caso de McKey é exemplar. Se em vez de ser torpedeado pela internet, fosse levado à Justiça, não estaria morto, mas pagando por seus crimes como se deve, enfrentando um tribunal e, eventualmente, sendo condenado.

O dilema é, a que instituição levar as denúncias? As feministas do “YoTeCreo” baseadas em Caracas têm visões contraditórias. Há as que acreditam que vale levar os casos para a Justiça do regime chavista, mesmo sabendo de sua inoperância, da falta de credibilidade desta instituição e do fato de que muitas delegacias tratam mal as mulheres e menosprezam casos de violência de gênero. Outras, creem que os casos devem ser ecoados na internet apenas, exercendo pressão pelo “cancelamento” do agressor.

A atriz Grecia Augusta Rodríguez, por exemplo, levou uma acusação ao Ministério Público, e instou, vias redes sociais, que as demais façam o mesmo e que pressionem as autoridades. Há as que creem que é a estratégia correta, outras que já não creem na possibilidade de ter uma resposta de um Estado falido, que sequer tem dado atenção ao colapso sanitário do país ante a pandemia do coronavírus.

Das próprias redes, surgiram outras propostas. Por exemplo, um grupo de venezuelanas que está no México vem recopilando casos, por ora locais, ocorridos com vítimas venezuelanas, para levar a autoridades mexicanas, e estimulando que isso também seja feito nos outros países em que as venezuelanas estejam. É um paliativo, não resolve a questão de gênero na Venezuela, mas começa a mover as peças do jogo e a dar força a essas vozes.

Levantamentos de ONGs locais venezuelanas dão conta de que de cada 10 delitos contra mulheres denunciados às autoridades, nove ficam impunes. Desde 2015, o regime deixou de publicar cifras oficiais sobre a violência contra a mulher no país. Segundo ONGs, em 2019, houve 167 feminicídios. Em 2020, 256. O salto entre um ano e outro é de mais de 50%, e mostra como as medidas de quarentena incrementaram os casos de violência doméstica.

Entre as agressões contra as mulheres venezuelanas estão, também, a falta de acesso à saúde e ao acompanhamento da gravidez. Uma legislação sobre o aborto sequer é pauta de debate na nova Assembleia Nacional, controlada pelo chavismo.

A oposição à ditadura abraça as causas feministas. Porém, se mal tem conseguido jogar nesse campo inclinado com a ditadura pela realização de eleições livres, os opositores acabam deixando as causas de gênero num perigoso limbo, onde as mulheres continuam sendo vítimas de mais abusos.

As mulheres se cansaram, e a hashtag #YoTeCreo está no ar. As mulheres estão saindo da letargia causada pela grave crise do país e organizando-se em torno de suas bandeiras. Porque, ainda que outros digam que não são a prioridade neste momento, elas sabem que sim, o são.

 

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Ditadura argentina em dez filmes https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2021/03/24/ditadura-argentina-em-dez-filmes/ https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2021/03/24/ditadura-argentina-em-dez-filmes/#respond Wed, 24 Mar 2021 23:27:15 +0000 https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/files/2021/03/images-3.jpg https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/?p=3763 A Argentina relembra neste 24 de março o golpe militar mais duro que viveu no século 20 _sim, houve vários golpes. No regime, que foi de 1976 a 1983, estima-se que mais de 20 mil pessoas tenham desaparecido, enquanto 500 bebês foram roubados. Há no país toda uma literatura e uma cinematografia dedicada a tratar desse período.

Aqui, vão dicas de dez filmes sobre esse tempo que não deveria voltar nunca mais. E o cinema nos ajuda a entender as razões.

Hector Alterio e Norma Aleandro em cena de “A História Oficial” (Divulgação)

“A História Oficial”

(Luis Puenzo, 1985)

Vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro, conta a história da professora de história Alicia Manet de Ibáñez, vivida por Norma Aleandro (uma espécie de Fernanda Montenegro da Argentina). Apesar de dar aulas sobre o passado do país, Alicia ignora o presente e só depois de questionada por estudantes começa a refletir sobre o que está acontecendo e a desconfiar de que sua filha adotiva possa ter sido roubada de guerrilheiros mortos pela repressão. O filme tem o grande mérito de refletir sobre o período no calor dos acontecimentos, com a nova democracia ainda engatinhando e a incerteza sobre uma possível volta dos militares no ambiente.

“Tangos, o Exílio de Gardel”

(Fernando Solanas, 1985)

Também filmado pouco depois da retomada democrática, o filme conta a história de um grupo de argentinos exilados em Paris (como ocorreu com o próprio diretor), que tenta armar um espetáculo dedicado ao cantor Carlos Gardel. Solanas dirigiu outros bons filmes sobre a política argentina, como “La Hora de los Hornos”. Solanas foi também senador e morreu de Covid-19 neste ano, na mesma Paris em que filmou sua obra mais conhecida.

“Infância Clandestina”

(Benjamín Avila, 2012)

Nesta co-produção com o Brasil, conta-se a história a partir da trajetória de um garoto cujos pais são montoneros que retornam ao país, em 1979, numa tentativa fracassada de tomar o poder dos militares. Juan (Teo Gutiérrez Romero) tem de mudar de nome, de escola e esconder sua verdadeira história, enquanto os pais treinam e organizam a ação que, de modo trágico, arruinará a família. A história é baseada em fatos reais relacionados à vida do próprio diretor, Benjamín Ávila. Na Argentina daquela época, várias crianças cresceram na clandestinidade e pouco se lembram da luta de seus pais.

“Kóblic”

(Sebastián Borensztein, 2016)

Arrependido de ter de pilotar “voos da morte”, em que opositores do regime eram atirados das alturas no mar, o capitão Kóblic (Ricardo Darín) busca esconder-se num vilarejo da Província de Buenos Aires, com uma nova identidade. Sua tentativa de passar despercebido, porém, vai sendo desmascarada por um velho policial da região (Óscar Martínez). Atormentado pelo seu passado, Kóblic tenta inventar uma nova vida e se apaixona. Porém, o regime militar o ameaça psicologicamente e de modo concreto.

“Buenos Aires Viceversa”

(Alejandro Agresti, 1996)

Uma espécie de “Short Cuts” portenho, mistura diferentes linhas narrativas para contar a história de filhos de desaparecidos depois de adultos. A protagonista, uma órfã que não sabe nada sobre seus pais, é contratada por um casal de idosos para filmar Buenos Aires para eles. Os dois se negam a sair de casa, à espera da filha que foi para a universidade e nunca voltou. No caminho da moça, passarão diversos personagens com vínculos íntimos, porém dissimulados, com a ditadura.

“Garage Olimpo”

(Marco Bechis, 1999)

Uma jovem de 18 anos, Maria Fabiani, é levada pelo exército argentino e torturada na prisão clandestina conhecida como Garage Olimpo. Seu torturador, curiosamente, é um jovem que vivia de aluguel na casa da mãe de Maria e tinha por ela uma paixão não-resolvida. Enquanto Maria passa pelas sessões de tortura e vive um inusitado flerte com o torturador, sua mãe sai em busca dela por Buenos Aires.

“El Mismo Amor, la Misma Lluvia”

(Juan José Campanella, 1999)

Do mesmo diretor do premiado “O Segredo de Seus Olhos” (e com o mesmo casal protagonista, Ricardo Darín e Soledad Villamil), o filme conta uma história de amor com muitos encontros e desencontros, que começa nos anos 80 e vai até o final da década de 90. O pano de fundo é a história argentina durante o final da ditadura, a Guerra das Malvinas e o começo dos anos Menem.

“Kamchatka”

(Marcelo Piñeyro, 2002)

A ditadura vista pelos olhos de uma criança de dez anos. Seus pais, fugindo dos militares, vividos por Cecila Roth e Ricardo Darín, levam o garoto para uma casa fora de Buenos Aires. No lugar, uma das poucas alternativas de passar o tempo era jogar uma variante do nosso War, em que Kamchatka, uma província russa, parecia um lugar de refúgio e esperança. Quando por fim o casal desaparece, é a lembrança desse lugar que o garoto guardará dos pais.

“Iluminados por el Fuego”

(Tristan Bauer, 2005)

A tentativa de suicídio de um ex-soldado que lutou na Guerra das Malvinas (1982), nos dias de hoje, faz com que um de seus companheiros relembre o período em que participaram do delírio dos comandantes militares de então, que fizeram suas tropas formadas por garotos acreditarem que seria possível vencer a Inglaterra numa batalha pelas ilhas Malvinas/Falklands. As comoventes cenas finais foram gravadas nas próprias ilhas pela primeira fez no cinema argentino.

“Crónica de una Fuga”

(Adrián Caetano, 2006)

Baseado numa história verídica, conta uma tentativa de fuga de um grupo de prisioneiros da temida Mansion Seré, um centro de detenção e tortura. Entre eles, estava Claudio Tamburrini, goleiro de um time de futebol que virou símbolo da luta contra a repressão depois do episódio. Realizado num momento de alta do cinema argentino no cenário internacional, o filme teve ampla repercussão internacional.

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Oposição venezuelana cai na mesma armadilha pela segunda vez https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2020/08/02/oposicao-venezuelana-cai-na-mesma-armadilha-pela-segunda-vez/ https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2020/08/02/oposicao-venezuelana-cai-na-mesma-armadilha-pela-segunda-vez/#respond Sun, 02 Aug 2020 22:39:47 +0000 https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/files/2020/08/271194-320x213.jpg https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/?p=3623 Neste domingo (2), a oposição venezuelana ao chavismo caiu na mesma armadilha de 2005. Ao não encontrar uma estratégia eficiente para enfrentar a ditadura de Nicolás Maduro, decidiu que boicotará as eleições legislativas marcadas para o próximo dia 6 de dezembro. Assim, abre espaço para a possibilidade de que o regime continue no poder por tempo indeterminado, mesmo com a grave crise econômica e humanitária pela qual passa o país e com o nível baixíssimo de popularidade de Maduro (13%, segundo o Datanálisis).

A decisão dos 27 partidos, incluindo os mais importantes da oposição (Ação Democrática, Copei, Voluntad Popular e Primero Justicia), foi anunciada em um comunicado. Nele, as agrupações enumeram as razões, todas elas legítimas, para não participar do pleito. Entre elas: a formação inconstitucional no novo Conselho Nacional Eleitoral (CNE), a inabilitação de atores políticos importantes, a intervenção no diretório dos partidos, a falta de convocação de observadores internacionais qualificados, a existência de presos políticos e o histórico recente de fraudes nas últimas eleições presidenciais e regionais.

Mas, se os motivos são justos, por que boicotar não é a melhor saída? Porque, como bem disse o analista político Luis Vicente León em entrevista à Folha, deixar de participar tirará desse grupo a única coisa que possui, que é a legitimidade dos cargos que conquistaram em 2015, na última eleição venezuelana de fato reconhecida como legal pela comunidade internacional. E “se quando tinham os cargos os parlamentares opositores não conseguiram seus objetivos, não será como poder alternativo, que sequer tem a ratificação do voto popular, que irão conseguir.”

Participar da eleição como se fosse uma partida de futebol com o campo inclinado a favor da ditadura tampouco é uma boa opção. Mas esta estratégia já foi tentada, em 2005, e mostrou-se um colossal erro. Nas eleições legislativas daquele ano, os principais partidos de oposição, por razões parecidas, também decidiram-se pelo boicote. O resultado foi terem demorado 10 anos para voltar a ter voz política no parlamento. E, com isso, deram uma década inteira ao chavismo para que centralizasse ainda mais o poder.

Em 2005, a coalizão chavista ficou com 90% da Assembleia Nacional. O resto do parlamento ficou com partidos pequenos e desimportantes. Chávez, na época, chegou a decretar a morte da oposição: “esses partidos (referindo-se aos que se abstiveram de participar) já cumpriram sua parte e creio que chegou a hora de sua morte. De suas cinzas surgirão novos líderes e grupos de oposição”. Com a frase, referia-se, ao falar de uma “nova oposição”, à parte desta que foi literalmente comprada por subornos, ou que recebeu favores indevidos, apenas para fingir que a Venezuela era uma democracia. Mais ou menos o que Maduro está fazendo hoje com dissidentes como Luis Parra, ex-integrante do partido Primero Justicia, e que vem se prestando ao papel de fantoche como “líder da AN” aos olhos do regime.

É compreensível que a oposição não veja um cenário ideal e competitivo na eleição de dezembro. Não há mesmo, a Venezuela é uma ditadura. Porém, dividir-se e sair fora do cenário eleitoral não parece ser a melhor estratégia. Talvez seja o momento de unir-se novamente num novo projeto, como já se tentou antes, com a formação da MUD (Mesa de la Unidad Democrática), em 2008, ou com o referendo de julho de 2017, ou mesmo com a autoproclamação de Juan Guaidó, em 2019. Quando apresentados a uma proposta nova e entusiasmante, os venezuelanos respondem em apoio, saem às ruas. As três iniciativas citadas falharam, é certo, mas foram tentativas que unificaram as forças da oposição e propuseram algo interessante, uma saída para a situação do país.

Agora não é o momento de ausentar-se, mas sim o de dar um novo passo e de articular as forças e atores políticos de modo diferente, com uma nova estratégia. Senão, o regime ditatorial venezuelano, mesmo que frágil das pernas, terá espaço para continuar causando estrago no país e expulsando dele milhões de cidadãos venezuelanos.

 

 

 

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Ícone arquitetônico reabre para alimentar ditadura na Venezuela https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2020/01/22/icone-arquitetonico-reabre-para-alimentar-ditadura-na-venezuela/ https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2020/01/22/icone-arquitetonico-reabre-para-alimentar-ditadura-na-venezuela/#respond Wed, 22 Jan 2020 16:34:56 +0000 https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/files/2020/01/1-320x213.jpg https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/?p=3492 Quem visita Caracas nos últimos tempos e levanta os olhos para admirar El Ávila, a imponente montanha que se sobressai entre a cordilheira do litoral, fica intrigado com a torre que vê ali, e que por muitos anos esteve fechada ao público.

Trata-se do Humboldt, um hotel e cassino inaugurado em 1956, dentro de um projeto que buscava expôr ao mundo o sucesso econômico da Venezuela e sua abundância então gerada pelo petróleo. Eram os tempos do ditador Marcos Pérez Jiménez e do início da construção das grandes obras arquitetônicas na cidade. A 2.140 metros acima do mar, e com 60m de altura, o Humboldt tem 19 andares e 70 suítes de luxo. Uma torre com restaurante e bar com vista de 360 graus, além de piscina coberta, cassino e um teleférico. Dali, se vê tanto a cidade quanto o mar caribe.

O edifício ficou fechado por muitos anos, depois que, ainda no início da gestão de Hugo Chávez (1999-2013), todas as casas de apostas do país ficaram proibidas.

Nos últimos tempos, porém, notei que a imponente torre estava iluminada quase todas as noites, mesmo quando Caracas vivia  apagões. Logo descobri que o hotel tinha voltado a ser usado, mas desta vez apenas pelos militares e por “boliburgueses” (os empresários ligados ao governo), para festas privadas. Mil lendas urbanas corriam, então, sobre o que ocorria ali, que havia bebidas importadas, prostitutas, jogo ilícito. A única coisa que era certa era que se aproximar dali era impossível. O acesso estava bloqueado pelo Exército.

Enquanto isso, foi divulgado que uma restauração havia sido iniciada, com a intenção de devolver o brilho do local assim como ele era nos anos 1950/60. Curioso como num país que vive uma crise humanitária tão terrível e que já obrigou mais de 4 milhões de venezuelanos a migrarem, o regime passou a se preocupar em gastar tanto para recuperar o velho hotel-cassino _o valor não foi divulgado, é claro, mas imagine, uma torre dessa dimensão e com esse luxo, no alto de um pico a mais de 2 mil metros acima do nível do mar…

Cartão-postal com o Humboldt e o teleférico, nos anos 1950 (Reprodução)

Nos últimos dias, o ditador Nicolás Maduro fez o anúncio oficial. O Humboldt irá reabrir ao público, e seu cassino estará disponível para jogos agora “legais”. Porém, seus lucros serão direcionados ao regime. Será possível apostar em petro (a criptomoeda venezuelana) ou em outras moedas estrangeiras. Nunca em bolívares, obviamente, a moeda oficial cuja inflação devora ferozmente a cada dia.

Também haverá visitas guiadas e será possível se hospedar em seus quartos de luxo, porém, igualmente pagando nessas moedas e com o lucro voltado a manter o falido Estado.

É claro que se trata de uma boa notícia para a arquitetura venezuelana, e para a beleza algo perdida da bela Caracas.

Por outro lado, não há como esconder a imensa crueldade desse empreendimento. Enquanto milhares passam fome e hospitais não têm recursos, gasta-se uma fortuna para restaurar essa imponente torre na cordilheira. Ali, por um preço altíssimo, hóspedes, que darão dinheiro à ditadura, poderão contemplar o lindo mar caribe, mas também a capital que agoniza a olhos nus abaixo do Ávila. Se isso os incomodar muito, poderão ir ao bar ou ao restaurante e apreciar comidas que os venezuelanos comuns não possuem, além de embriagar-se com drinks feitos com elementos contrabandeados. 

Triste epílogo para o Humboldt. Pelo menos por enquanto. Tomara que um dia ele volte a ser um patrimônio acessível a todos os caraquenhos.

 

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Um ano da prisão de Requesens, outro abuso da ditadura de Maduro https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2019/08/07/um-ano-da-prisao-de-requesens-outro-abuso-da-ditadura-de-maduro/ https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2019/08/07/um-ano-da-prisao-de-requesens-outro-abuso-da-ditadura-de-maduro/#respond Wed, 07 Aug 2019 20:23:13 +0000 https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/files/2019/08/download-225x213.jpg https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/?p=3386 Sabrina e Adriano, os dois filhos pequenos de Juan Requesens, 30, pensam que o pai está numa “missão especial”. Foi o único argumento encontrado pelos familiares para confortar as crianças, que de repente se viram, em casa, com uma nova situação: o vazio da ausência desse pai jovem, barbudo, falante e carinhoso.

Nascido em Caracas, Requesens é deputado pela Assembleia Nacional, pelo partido opositor Primero Justicia (do veterano Henrique Capriles), e representa Táchira, um dos Estados mais afetados pela repressão da ditadura venezuelana contra seus opositores nos últimos anos.

Junto a Stálin González, Juan Guaidó, Miguel Pizarro e outros, Requesens integra a chamada “Geração de 2007”, um grupo de jovens politizados anti-chavistas que logo entrariam de fato na política, com vontade de mudar o rumo da Venezuela.

Nesta quarta-feira (7), houve um ato em Caracas, convocado pelo presidente encarregado, Juan Guaidó, para homenagear Requesens e pedir sua libertação. A razão? O deputado está preso há um ano, sem acusação formal e sem ter iniciado um julgamento contra ele. Nesse período, tem sido vítima de torturas físicas e psicológicas.

Juan Requesens inflamado durante um discurso (Foto captura de tela)

As causas contra Requesens são muitas, porém delirantes. Tanto não há evidência que o julgamento sequer tem início. E o deputado, conhecido por seus inflamados discursos nas ruas e no parlamento, espera numa cela do temido presídio do Helicóide.

Entre os crimes pelos quais querem que responda estão: “instigação pública continuada”, “tentativa de homicídio contra Nicolás Maduro” (no episódio dos drones), “associação para delinquir”, “financiamento ao terrorismo” e, para finalizar, “traição à pátria”.

Embora ele, seus colegas de parlamento e sua família saibam que se trata de um julgamento político, sua defesa tenta construir uma causa de abuso de poder para que seja liberado o mais rápido possível. Seu advogado, Joel García, aponta várias irregularidades em sua prisão. São elas: violação de seu foro como parlamentar, invasão de sua casa para sequestrá-lo sem ordem de busca e captura (foi realizada por agentes do Serviço Bolivariano de Inteligência Nacional), o prisioneiro foi mantido sem comunicação por mais de 72 horas e manifestou ter sido torturado.

Imagens de Requesens mais magro e machucado (foto divulgada pelo governo)

Além disso, Requesens ainda não foi acusado formalmente, o que implicaria na necessidade de libertá-lo depois de 72 horas, tempo já escandalosamente excedido. A arbitrariedade é clara, e assim, Requesens passou a integrar a cifra de 550 presos políticos (segundo a ONG Foro Penal).

À família, Requesens tem enviado palavras de coragem. “O pior não é estar preso, mas sim que a Venezuela esteja sequestrada”, segundo relatou sua mulher ao site Efecto Cocuyo. Seus parentes também contam que, nas poucas visitas que podem fazer, o encontram com sinais de tortura no corpo, e algumas vezes desorientado como quem sofreu também tortura psicológica.

O ministro da comunicação e um dos homens-fortes do regime, Jorge Rodríguez, divulgou um vídeo em que um alterado Requesens, com aspecto de quem estava sob forte pressão, admitia ter ajudado no atentado contra Maduro.

Segundo o advogado Joel García, o vídeo também mostra irregularidades em sua produção, pois não há a presença de membros da Procuradoria nem de um representante legal de Requesens.

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos já emitiu solicitação ao governo venezuelano para que “se adotem medidas necessárias para proteger os direitos à saúde, à vida e à integridade pessoal do deputado”. Até agora, de nada adiantou.

Em seus discursos, Guaidó se refere a Requesens como a um irmão e um colega de luta, e não deixa de lembra-lo na maioria dos atos. Cada dia que passa é um dia mais de abuso aos direitos humanos deste deputado e dos outros 550 presos políticos do regime ditatorial de Maduro. Nos últimos tempos, as vítimas dessas prisões arbitrárias têm sido, justamente, as pessoas mais próximas a Guaidó, numa tentativa de “quebrar” o ânimo do líder opositor. Em entrevista recente à Folha, Guaidó disse: “Quem está no meu entorno já sabe que é um alvo e tem de se preparar. Ninguém está com medo. Requesens é quase um irmão para mim e está demonstrando o espírito de nossa luta”, afirmou.

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Semanas, ou dias, decisivos para a estratégia Guaidó https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2019/02/11/semanas-ou-dias-decisivos-para-a-estrategia-guaido/ https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2019/02/11/semanas-ou-dias-decisivos-para-a-estrategia-guaido/#respond Mon, 11 Feb 2019 12:57:04 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/?p=3281
O líder opositor e presidente encarregado da Venezuela, Juan Guaidó (foto El Nacional)

Por incrível que pareça, tem sido mais difícil na Venezuela ter sua imagem respeitada como líder opositor do que como um ditador ou autocrata. Claro que os números das pesquisas não negam que mais de 80% da população quer que Nicolás Maduro saia do governo imediatamente. Tirá-lo de fato é outra história. O que parecia fácil pela pura emoção instintiva do último dia 23 de janeiro, agora mostra suas complicações.

Uma delas é a relação da população com os opositores do chavismo. Se olharmos em retrospectiva, a maioria deles cometeu tantos erros, acovardou-se em momentos-chave ou entregou-se a acordos nebulosos com o regime, que qualquer eleitor mediano guarda sérias dúvidas com relação às alternativas que surgem. Por ora, Guaidó tem vencido essa batalha, arregimentando multidões a segui-lo, mas terá fôlego para o que vem por aí?

Dou uma repassada pelas experiências recentes. Henrique Capriles, que enfrentou Chávez na eleição de 2013, tinha convicção naquela noite de que havia ganho e que o governo fraudara os números. Assim também pensavam seus colegas de oposição. O hoje preso político Leopoldo López o instou a ir para as ruas, “vamos fazer barulho porque você ganhou e a hora de tomar o poder é essa”, teria dito López a Capriles, segundo relato do próprio Capriles à Folha. E qual foi a decisão de Capriles? Não fazer nada. Nessa mesma entrevista, Capriles me disse: “eu temia um banho de sangue, mas não imaginei que o banho de sangue viesse depois”. Capriles, hoje, tem seus direitos políticos anulados.

Depois veio Leopoldo López, achando que sua entrega às autoridades, em 2014, de forma transmitida na imagem de um mártir carregado em meio ao povo levaria a população a levantar-se, a tirá-lo da prisão e a alçá-lo à Presidência. Não foi assim. Depois de aguentar uns anos detrás das grades, está em sua casa, em prisão domiciliar, com tornozeleira eletrônica e, também, sem direitos políticos.

A seguinte estratégia da oposição foi inteligente, chamar um referendo com presença recorde de eleitores, em julho de 2017, para pedir “diretas-já”. Foi uma vitória acachapante em termos de números. Só que a ditadura foi mais esperta. Em vez de entregar de bandeja o que queriam os opositores, os convenceu a intermináveis e infrutíferas negociações na República Dominicana, com supervisão do Vaticano. Maduro enganou a todos, disse que as eleições daí em diante seriam limpas e pediu que os opositores apenas respeitassem o seu mandato até o fim. A oposição fez a parte dela, o governo, não.

Maduro ainda elegeu uma Assembleia Nacional Constituinte e, com ela, esvaziou o parlamento legalmente eleito e com maioria opositora. Depois, realizou eleições locais e presidenciais completamente manipuladas. Na presidencial, com um opositor que também amarelou na reta final, Henri Falcón _hoje até mesmo esquecido pelos colegas. A opinião geral da sociedade, principalmente dos anti-chavistas, era que Maduro tinha feito a todos de bobos. E era verdade.

A opção Guaidó não surgiu da noite para a manhã, como mostrou recentemente em um ótimo artigo Javier Lafuente, no “El País”. Com a maior parte de seus principais nomes no exílio, como Julio Borges, ex-líder da Assembleia, Carlos Vecchio e outros, começou uma paciente e lenta construção de uma nova opção, de preferência com uma nova cara. A estratégia seria colocar à frente um rostro novo, fresco e simpático: Guaidó. Segundo, esperar a posse de Maduro no dia 10 de janeiro para seu suposto novo mandato. E, a partir daí, seguindo os ritos institucionais, declarar o cargo vago pela ilegalidade da eleição de maio de 2018. Nesse cenário, mais uma vez, vale reforçar, Guaidó não tomou a ação isolada de “se autoproclamar” presidente. Mas sim, cumpriu o que está escrito na lei e que era seu dever.

Como a Assembleia Nacional considerava o cargo presidencial vazio, Guaidó, como presidente da casa e próximo na linha de sucessão, jurou como presidente encarregado, com a função única de liderar a transição e chamar novas eleições.

O momento na Venezuela ainda é pró-Guaidó. As pessoas escutam o que ele diz, se entusiasmam com ele, comparecem em massa a marchas e atos e estão prontas a ajudar a fazer com que a ajuda humanitária, por exemplo, de fato entre na Venezuela.

Só que, cada dia a mais que Maduro permanece no poder é uma pequena derrota para Guaidó e para aqueles que formularam essa opção. Mais de uma vez o movimento oposicionista perdeu o “timing” e a paciência das pessoas, que se torna mais curto quando há poucos avanços e o número de mortos nas ruas aumenta. Assim, o fantasma da resignação, que reinou em 2018 no país, tende a ir reaparecendo se nada mudar de fato, e rápido.

Guaidó e os articuladores dessa articulação conseguiram muito em pouco tempo, agregar apoios internos e externos, tornar a causa uma causa mundial, levar a população às ruas de modo numeroso novamente. Porém, as dificuldades práticas são evidentes. Como convencer Maduro a sair ou a renunciar, evitando banhos de sangue? Como dar seguimento a uma iniciativa fundamental, que é a de realizar eleições livres sem demitir todos os ocupantes de cargos do CNE (Conselho Nacional Eleitoral), órgão totalmente chavista, e reformula-lo? E como trazer para si não apenas os militares, mas promover o desarme dos esquadrões da morte, que hoje são muito mais letais na repressão _parte dos coletivos, o Faes e o Conas?

Para que a população siga com ele, Guaidó precisa atingir resultados mais concretos rapidamente. O reforço para garantir a entrada da ajuda humanitária seria uma grande primeira vitória e uma bandeira necessária e essencial para seguir com o movimento.

Se o processo se estender por mais semanas, que é a estratégia de Maduro, Guaidó corre o risco de entrar para a galeria dos que tentaram algo e, ao final, capitularam.

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Será o México o balão de oxigênio de que Maduro necessita? https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2019/01/05/sera-o-mexico-o-balao-de-oxigenio-de-que-maduro-necessita/ https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2019/01/05/sera-o-mexico-o-balao-de-oxigenio-de-que-maduro-necessita/#comments Sat, 05 Jan 2019 12:45:06 +0000 https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/files/2019/01/maduro_amlo-320x213.jpg https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/?p=3269
Maduro, López Obrador (centro) e as respectivas mulheres (Foto Presidência do México), no DF

Que a declaração do Grupo de Lima, divulgada na sexta-feira (5), após encontro de chanceleres e representantes dos 14 países membros da aliança, condenaria o “novo mandato” do ditador Nicolás Maduro na Venezuela, que tem início no próximo dia 10, chamaria eleições livres e pediria que a Assembleia Nacional, de maioria opositora, retomasse suas funções era algo mais ou menos esperado. 

O que causou estranheza foi a recusa do México de assinar o documento, sendo o único dos integrantes da coalizão a ficar de fora. Questionado, horas depois, sobre a razão, o presidente recém-empossado, Andrés Manuel López Obrador, disse apenas que o México “não se meteria em assuntos internos de outros países”.

A questão da soberania é uma fronteira tênue que divide os países da região. A Bolívia e o Uruguai costumam justificar assim a razão de não fazer críticas mais duras à ditadura venezuelana. Porém, há matizes nessa questão. Nenhum país do Grupo de Lima, e isso também consta do documento assinado na sexta-feira, defende, pelo menos abertamente e por enquanto, uma intervenção militar na Venezuela. Essa proposta, inclusive, até daria mais fôlego à retórica do regime, que usaria o argumento da ameaça imperialista em seu discurso de propaganda, e com isso encontraria apoio popular para armar-se mais e provocar militarmente os vizinhos.

Porém, nos níveis diplomáticos, políticos e econômicos ainda há muito que pode ser feito para enfraquecer Maduro sem que isso possa ser definido como uma ameaça à soberania, e isso também consta do documento assinado na capital peruana.

Ficou, portanto, difícil de entender a posição do México. Durante o mandato de Enrique Peña Nieto (2012-2018), as críticas ao endurecimento do regime venezuelano foram duras. Já o esquerdista AMLO, como é chamado seu sucessor, parece ter decidido amenizar esse clima hostil. Chamou Maduro para sua posse, e recebeu de volta uma resposta pouco auspiciosa, Maduro foi vaiado por onde passou e teve de deixar às pressas a capital mexicana.

Se o México decidir alinhar-se às posições de Bolívia, Cuba e Nicarágua e não tomar ações para ajudar a pressionar Maduro, pode virar o balão de oxigênio tão esperado pelo ditador venezuelano, justo num momento em que este começa a ver parte do apoio interno de sua própria base de apoio, militar e civil, tremer. É hora de pressionar mais, não menos. E principalmente de não dar-lhe novos aliados, mais ainda se este for a segunda maior economia da América Latina.

Durante sua campanha, AMLO não falou muito de política externa. Mais, ainda declarou que “a melhor política externa é a política interna”. Seus pontos principais foram o ataque a corrupção, aos altos gastos administrativos e a proposta de criar uma guarda nacional para combater a violência no interior. Ou seja, uma pauta interna importante, mas que não deveria excluir a externa num mundo cada vez mais interconectado.

Com os EUA, AMLO mostrou que pretende ser pragmático. Assinado o novo tratado de livre comércio com seus dois vizinhos do norte, ainda não mostrou desacordos frontais com Donald Trump, inclusive aceitando os integrantes da caravana de imigrantes da América Central que os EUA devolveram a seu território. Com 80% de suas exportações tendo como destino o vizinho do norte, AMLO não tem outra opção que a de ser amigo dos EUA, embora muitos de seus eleitores tenham votado nele imaginando que ele confrontaria Trump, principalmente no que se refere ao polêmico pagamento do “muro”, que Trump quer construir na fronteira. A estes, AMLO por enquanto segue respondendo com a limitada frase: “menos política externa, mais política interna”.

Será uma pena e um retrocesso que o México abra mão de condenar e pressionar Maduro. A crise venezuelana gera instabilidade regional em diversos setores, da saúde à geopolítica, da economia à xenofobia. Pelo seu tamanho e por sua importância histórica nos destinos da região, o México não deveria ficar neutro no debate sobre o futuro da Venezuela, muito menos pender mais para o lado de um apoio a Maduro.

 

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