Sylvia Colombo https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br Latinidades Tue, 30 Nov 2021 12:31:53 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Teatro argentino luta para sobreviver na pandemia https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2021/06/25/teatro-argentino-luta-para-sobreviver-na-pandemia/ https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2021/06/25/teatro-argentino-luta-para-sobreviver-na-pandemia/#respond Fri, 25 Jun 2021 19:10:11 +0000 https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/files/2021/06/el-acompanamiento-1087696-320x213.jpg https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/?p=3815 Portas metálicas de lojas que faliram estão fechadas, cartazes de filmes que estavam em cartaz antes de a pandemia começar, rasgados, mas ainda colados nas vitrines dos cinemas. Livrarias e sebos atendem do lado de fora por conta das restrições de entrada nos comércios, pouca gente caminhando, mendigos nas esquinas pedindo trocados.

Assim está a avenida Corrientes, epicentro da boemia portenha, que em outros tempos reunia centenas de pessoas todas as noites. Elas a frequentavam em busca de diversão nos cinemas e nos teatros de rua, ou porque queriam comprar livros de madrugada, ou, ainda, encontrar um último bar ou restaurante aberto no amanhecer de um novo dia.

Os efeitos da pandemia do coronavírus, as restrições de uma longa quarentena e as atuais, ainda que mais flexíveis, calaram esse símbolo da cidade de Buenos Aires. Nas últimas semanas, o governo local, de oposição ao governo nacional, tenta reabrir os negócios ali, sob pressão dos sindicatos da gastronomia e do mundo do espetáculo. Já o governo nacional, temendo a disseminação de novas variantes do coronavírus nos grandes centros urbanos, resiste em permitir a retomada total das atividades no centro portenho. Detrás da queda-de-braço política, que tem como pano de fundo as eleições legislativas que ocorrem em novembro, há atores, produtores e diretores que insistem que “o show deve continuar”.

Um deles é o polêmico e renomado Luis Brandoni. O humorista, conhecido no Brasil por alguns dos filmes de que participa, como “A Odisseia dos Tontos” (2019) e “Minha Obra Prima” (2018), é um deles. Crítico do peronismo e da atual gestão de Alberto Fernández, ex-deputado opositor e militante da União Cívica Radical, Brandoni considera que a política de restrições e de confinamento é ineficaz e vem levando toda uma categoria à ruína, a de atores, diretores e funcionários dos teatros. “Se cumprirmos todos os protocolos, estou seguro de que ninguém vai se contagiar no teatro. E temos um montão de protocolos. O teatro alegra as pessoas, as faz pensar, é necessário para o espírito. A humanidade precisa do teatro há séculos, temos de continuar”, diz Brandoni à Folha, caminhando pela Corrientes, buscando onde comer algo já depois da função, entre os poucos lugares ainda abertos.

Na última quinta-feira (24), em sessão da obra “El Acompañamiento”, Brandoni, um dos principais atores do país, agradeceu o público ao final do espetáculo dizendo: “Não tenham medo, voltem aos teatros, chamem os amigos. O teatro está na alma de Buenos Aires e precisamos fazer com que Buenos Aires continue viva”. Foi aplaudido de pé. O público era majoritariamente maior de 50 anos, com muitos em idade mais avançada.

Atualmente, os teatros da cidade de Buenos Aires estão com permissão de funcionar com apenas 30% da capacidade das salas. Na entrada, toma-se a temperatura e se distribui álcool em gel. A sala não é arejada. Antes do início da sessão, um funcionário explica as regras aos espectadores, que se sentam com duas cadeiras de distanciamento uns dos outros: “Não retirem a máscara em nenhum momento. Quando a peça terminar, sairemos fila por fila, peço paciência a todos”.

A iniciativa de reabrir os teatros é vista com maus olhos por médicos e sanitaristas, num momento em que a Argentina já perdeu mais de 90 mil pessoas para o coronavírus. “Estamos operando no limite das unidades de terapia intensiva, não é possível fazer mais reaberturas”, diz Claudio Belocopitt, dono da Swiss Medical, um dos principais planos de saúde da Argentina. “Se algo já sabemos desta pandemia é que ficar em lugares fechados, com pouca circulação de ar e com outras pessoas é arriscado, ainda mais agora com as novas variantes”, diz o infectologista Carlos J. Regazzoni.

Brandoni não concorda, e defende que mais gente possa frequentar as peças. “Com 30%, mal cobrimos os custos da operação do teatro. Estamos vendo que, com o passar do tempo, mais gente vai perdendo o medo e vendo que, com protocolos, se pode continuar”, afirma. Já vacinado e recusando-se a ser chamado de negacionista do vírus, como dizem seus críticos, crê que “outras alternativas devem ser pensadas para a pandemia, não a de tirar a liberdade das pessoas”.

A peça com a qual está em cartaz, aliás, é sobre o tema da liberdade. “El Acompañamiento” foi escrita em 1981 pelo dramaturgo Carlos Gorostiza, quando a Argentina vivia um regime militar (1976-1983). A peça estreou no movimento Teatro Aberto, que reuniu vários autores, diretores e atores de teatro para mostrar seu desacordo contra a liberdade de expressão. Muitos terminaram presos. Embora não trate diretamente da ditadura, a representa na forma de como dois velhos amigos encaram a vida dentro de suas limitações. O personagem de Brandoni, Tuco, é um frustrado cantor de tango que passou a vida trabalhando em uma metalúrgica, mas ainda sonha em cantar para um grande público com uma orquestra. Sebastián (David Di Napoli), dono de um quiosque, tenta trazê-lo à realidade.

“A peça é um diálogo sobre a capacidade de sonhar e de almejar a liberdade. Não dá para comparar a ditadura com a pandemia, obviamente, mas creio que estamos também num momento em que precisamos valorizar a liberdade, fazer-nos pensar sobre o que está ocorrendo. Vou continuar lutando para que o teatro resista, porque é a alma de Buenos Aires”, afirma.

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Com livro ingênuo, Macri tenta voltar à política em ano eleitoral https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2021/04/11/com-livro-ingenuo-macri-tentar-voltar-a-politica-em-ano-eleitoral/ https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2021/04/11/com-livro-ingenuo-macri-tentar-voltar-a-politica-em-ano-eleitoral/#respond Sun, 11 Apr 2021 14:30:01 +0000 https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/files/2021/04/f800x450-215321_266767_5050-320x213.jpg https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/?p=3776 A grande maioria de livros de ex-presidentes costuma ser elogiosa com relação à sua gestão. Se o de Mauricio Macri, à frente da Argentina entre 2015 e 2019, tem uma diferença positiva é a de fazer diversas autocríticas sobre o período em que um setor da sociedade alimentou a esperança de que houvesse uma enorme transformação na política e na economia, promessa que acabou sendo frustrada.

Em “Primer Tiempo” (ed. Planeta), Macri admite que a rapidez da retirada do cerco ao dólar, ocorrida nos primeiros dias da gestão, foi precipitada, e que deveria ter sido acompanhada por outras medidas. Diz que o discurso que usou, o de não culpar a gestão anterior do estado das finanças e sim fazer propostas para o futuro, não serviu. A polarização está tão viva no país que uma narrativa conciliatória não permitiu, segundo ele, que a população soubesse o quão quebrado estava o país e o quão dura era sua tarefa. Também afirma que gastou demasiado tempo em questões relacionadas à produtividade e à política externa, e que delegou a outros membros do governo a articulação política interna, e que por isso esta teria falido.

Por fim, admite ter falhado a estratégia de cooptar os peronistas moderados em torno de sua proposta. No livro, diz que alguns aceitaram num primeiro momento, mas logo o abandonaram porque deixar o peronismo significaria que perderiam diversos benefícios. “O kirchnerismo sequestrou o peronismo”, diz, ainda tentando atrair os peronistas não alinhados à ex-presidente Cristina Kirchner, também atual vice.

Nas últimas semanas, as desculpas pedidas por Macri à sociedade por meio desse mea culpa vêm sendo analisadas, debatidas, criticadas. Têm servido, também, para que o ex-presidente retome o diálogo com seu eleitorado, que vê honestidade em suas explicações.

“O senhor se sente frustrado por ter falhado e, com isso, permitido o retorno do peronismo?”, perguntou uma jornalista num programa de entrevista.

“O que te parece? Claro que sim, não trabalhei quatro anos para entregar o poder de volta para eles.”

Macri tem essa característica, em respostas rápidas, comete alguns “sincericídios”.

No livro, ele conta como foi a passagem do bastão e da faixa presidencial a Alberto Fernández. Na Argentina, é bastante incomum existirem transmissões de poder entre partidos opositores que ocorram em paz. Ao contrário, Macri quebrou uma tradição mais parecida a uma maldição, a de ser o primeiro não-peronista a terminar um mandato de forma democrática.

Foi onde apostou sua última ficha, como conta no livro. Aceitou a derrota como um democrata e decidiu comparecer à posse, abraçar o sucessor e desejar-lhe sorte, cumprindo com seu dever institucional, mesmo com a cara feia de Cristina Kirchner, e o canto da marcha peronista em alto volume como hostil trilha sonora.

Toda a simpatia que tentou mostrar nesse dia se desmonta, porém, com essa resposta. Na verdade, Macri estava enfurecido naquele dia. E começaria aí, também, a montar sua vingança, embora sempre repita que os peronistas é que são os vingativos da história argentina.

O título do livro, “Primer Tiempo”, mostra bem a que vem. Não só apela para sua identificação com o futebol (é fanático pelo esporte e foi presidente do Boca Juniors), como anuncia que vem aí um segundo tempo, talvez até com uma nova candidatura Macri.

O livro é fraco e infantil. Na falta de grandes feitos em seu mandato, Macri narra episódios desimportantes como se fossem uma saga digna de um filme. Como por exemplo quando conseguiu driblar o trânsito em Roma para chegar à tempo da cerimônia de investidura do papa Francisco.

Em outros momentos de “sincericídio”, fala de como sofre não ter podido mudar o país, e que isso só não é pior porque tem suas estâncias de fim de semana e suas possibilidades de passar o tempo que for sem trabalhar e jogando futebol com os amigos –a família de Macri é uma das mais ricas do país.

Mas, se a narrativa é ingênua, Macri não o é, e tampouco seu entorno. O livro chega às livrarias, e ele volta a estar no palco das atenções, justamente quando o país passa por um grave momento. Neste fim de semana, noticia-se que hospitais em Buenos Aires estão com as UTIs saturadas pela primeira vez. A pandemia se mostra mais agressiva nesta segunda onda do que no ano passado, e a quantidade de mortos por coronavírus se aproxima dos 60 mil. O governo, por não ter mais caixa, deixou de dar ajudas à população, o desemprego aumenta e a atividade comercial vai se estancando.

A popularidade de Alberto Fernández vem despencando. Faltam vacinas, enquanto políticos governistas são imunizados ilegalmente. Por fim, os argentinos começam a sentir que não há comando e que o ano de 2021 será dificílimo.

Haverá eleições legislativas no segundo semestre, e o grupo político de Macri, a aliança Juntos por el Cambio, liderada por ele e seu partido, o PRO (proposta republicana), pretende aproveitar esse mau momento do peronismo para retomar espaços no parlamento, voltar a crescer como força política e, em 2023, talvez voltar ao comando da nação.

“Primer Tiempo” apresenta vários problemas da gestão de Macri, mas tenta passar a sensação de que todos eles não são piores do que o que vem ocorrendo agora na Argentina. E que, num segundo tempo, ele saberia que erros não cometer e como voltar a apresentar sua proposta. “Às vezes é preciso dar dois passos atrás para dar um passo à frente”, repete o ex-presidente.

O segundo tempo do jogo político argentino recente, marcado pela polarização entre Macri e Cristina, pode estar mesmo por começar. Porém, além de dois times combalidos e desgastados, é preciso reforçar que o campo está todo esburacado, a bola está murcha, e a torcida, desanimada.

 

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Quando Buenos Aires se rebela https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2020/09/11/quando-buenos-aires-se-rebela/ https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2020/09/11/quando-buenos-aires-se-rebela/#respond Sat, 12 Sep 2020 00:35:59 +0000 https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/files/2020/09/fernandez-larreta-320x213.jpg https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/?p=3646 “Recebi o Whats App do presidente avisando que ia retirar a verba de Buenos Aires às 19h29. E ele saiu para anunciar a medida às 19h30”.

Assim, com o despeito de um namorado que levou pé na bunda por mensagem de texto, foi que Horacio Rodríguez Larreta relatou como o presidente Alberto Fernández havia dado a ele a notícia de que deixaria de enviar 1% do repasse do Estado  para a Cidade Autônoma de Buenos Aires, da qual ele é chefe de governo, e a repassaria à província de Buenos Aires.

E foi com esse gesto rápido que a aliança suprapartidária gestada por conta da pandemia do coronavírus se transformou em confronto. Voltando no tempo, lá em março, quando o problema sanitário começou, Larreta, que é da oposição (PRO, partido de Mauricio Macri), aceitou coordenar as estratégias lado a lado com Axel Kicillof, governador da Província de Buenos Aires e Alberto Fernández, ambos peronistas.

Os gestos de cordialidade, com poucas fricções, haviam se mantido até aqui. Alberto chamava Larreta de “amigo Horacio”, Kicillof divulgava fotos dos dois conversando amistosamente, como se, no fundo, não fossem os dois pré-candidatos, em pólos opostos, à sucessão presidencial de 2023.

Quando os policiais da província saíram para protestar, nesta semana, a situação ficou mais tensa, obrigando cada um a defender sua trincheira. Depois de uma ameaça de suicídio público de um oficial, bloqueios de pontes e vias essenciais na província, além de um protesto diante da residência presidencial de Olivos, com os policiais empunhando armas, a seriedade midiática do protesto escalou, e cada um saiu a garantir que bomba não estourasse em sua mão.

Fernández disse que atenderia pelo menos parte das reivindicações por salários, e que Kicillof, portanto, teria mais verba para atender os pedidos. Só deixou de explicar direito em público que esses recursos sairiam da Cidade de Buenos Aires para ir à Província. Foi a tal mensagem de Whats App que mandou a Larreta, curta e sem esperar resposta.

Mas ela veio na noite seguinte. Um Larreta de olhos raivosos e gestos determinados se diferenciou do até aqui suave “amigo Horacio”, que se senta a cada 15 dias ao lado dos líderes peronistas para definir as estratégias sanitárias de combate à pandemia. Larreta diz que o que o presidente fez foi algo “inconstitucional” e que ele tinha “todas as razões para estar bravo”. Mais, declarou que a Cidade de Buenos Aires (que tem status de província) irá à Corte Suprema para ter seu dinheiro de volta. Se ganhar, isso será uma derrota para o presidente, uma retirada das promessas aos policiais e a probabilidade alta de novos protestos. Se perder, ficou claro que a oposição que se alinhou com ele enfrentará de forma mais direta o peronismo.

Os acontecimentos desta semana são apenas mais um capítulo de uma longa história. A das diferenças abissais que existem entre o porto de Buenos Aires e o resto do país. Esta divisão marcou a história colonial do que hoje é a Argentina. O porto ia ficando mais rico, politicamente mais importante, as demais províncias tinham de acompanhá-lo, muitas vezes a contragosto.

No século 19, Buenos Aires era a capital da ilustração argentina, mas também o coração de seus problemas políticos. E palco dos embates violentos do resto do país, também. As forças se dividiam entre os chamados “federais”, caudilhos do interior, que lutavam por uma divisão do poder mais descentralizado, e de outro, os “unitários”, que consideravam que Buenos Aires tinha as ferramentas econômicas, institucionais e intelectuais para tomar as rédeas do país. De certo modo, essa cisão existe até hoje.

Claro, naquele tempo as coisas ainda se decidiam na ponta das espadas. Como em 1828, quando o governador de Buenos Aires, o “federal” Manuel Dorrego foi derrubado e assassinado pelo “unitário” Juan Lavalle. Dizem que essa foi uma das razões pelas quais José de San Martín, herói da Independência argentina, depois de muito resistir em deixar seu exílio na Europa para visitar de novo a Argentina depois de tantos anos, ao chegar aqui e ouvir falar da guerra fratricida, ficou tão decepcionado que deu às costas, para nunca mais voltar e morrer longe da pátria.

Os tempos agora são outros, claro, mas as feridas abertas permanecem no tempo. E, enquanto Buenos Aires e o resto da Argentina não encontrarem reconciliação, a “grieta” política continuará aberta.

 

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López Obrador e Bolsonaro, dois lados da mesma moeda? https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2020/06/29/lopez-obrador-e-bolsonaro-dois-lados-da-mesma-moeda/ https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2020/06/29/lopez-obrador-e-bolsonaro-dois-lados-da-mesma-moeda/#respond Mon, 29 Jun 2020 07:58:29 +0000 https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/files/2020/06/5ef22c4a84eeb.jpg https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/?p=3597 Ambos lideram as duas maiores economias da América Latina. Ambos cultivam um tipo de poder personalista. Os dois desprezam a mídia e preferem a “conexão direta” com o povo em suas comunicações. Os dois minimizaram a pandemia do coronavírus, são acusados de maquiar os números dos contágios e seus países fazem, agora, uma atrapalhada, senão caótica, abertura econômica em busca de uma normalidade que já se mostrou impossível em países cuja curva de contágios ainda não se deteve. Um é de direita, o outro, supostamente, de esquerda. Mas a posição política, a essa altura, pouco importa. Andrés Manuel López Obrador (México) e Jair Bolsonaro (Brasil) mostram-se como dois líderes populistas sem preparo para a gravidade da situação que enfrentam.

Mais, com o discurso de priorizar a economia antes da saúde, estão falhando nas duas frentes. Com suspeita de haver subnotificação, o total de mortes no México pelo coronavírus, até agora, é de 26.915 pessoas. No Brasil, de 57,658. E, na semana passada, o Fundo Monetário Internacional (FMI) previu que a queda das duas gigantescas economias latino-americanas também seria grande. O PIB do México teria retração de 10%, e o do Brasil, de 9,1% em 2020.

O estilo pessoal de cada líder, obviamente, não é o único fator para explicar esse mau desempenho na pandemia, mas obviamente conta muito. Se, no México, López Obrador aparecia dizendo que as pessoas deveriam sair de casa e ir a restaurantes populares para reativar o consumo, Bolsonaro chamava o coronavírus de “gripezinha” e participava de atos populares sem precauções.

Os dois diferem no trato, é verdade. Se Bolsonaro é mais belicoso e agressivo no discurso, AMLO (como é chamado) cultiva um tom manso e aparentemente apaziguador. Ambos se apoiam numa visão religiosa de seu próprio poder. Bolsonaro citando versos da Bíblia, AMLO evocando uma mescla de catolicismo com as tradições religiosas ancestrais do país. Em suas aparições diárias nas chamadas “mañaneras”, suposto diálogo do líder mexicano com a imprensa, López Obrador parece mais um pregador, e o formato das coletivas não permite que ele fique exposto a perguntas incômodas.

Ambos, também, não param de pensar em eleições. Bolsonaro, em reeleger-se em 2022, e AMLO, com um objetivo mais próximo. Em junho de 2021, ocorrem as eleições de meio de mandato, que definem nada menos que 500 deputados, 15 governadores, além de parlamentos regionais em 30 estados e, ainda, 2 mil prefeituras. Do desempenho nesta eleição, depende o sucesso ou o fracasso da segunda metade do sexênio de López Obrador.

 

Há alguns dias, ambos deram mostras de humor involuntário ao tratar de tragédias. Bolsonaro, em sua live, homenageou os mortos pelo coronavírus com uma apresentação de sanfona, supostamente ao som da “Ave Maria” de Franz Schubert. Nas palavras mais certeiras do humorista português Ricardo Araújo Pereira, “a música tanto pode ser a Ave Maria do Schubert como o ‘Parabéns a Você’. O Bolsonaro diz que é uma homenagem aos que se foram, mas não diz que são pessoas. Pode ser uma homenagem muito bonita a um gato morto. A homenagem reproduz o som de gatos que estão miando”.

 

De seu lado, López Obrador apareceu em três vídeos postados em sua rede social tentando inovar o modo de comunicar que havia ocorrido um terremoto de 7.4 com epicentro na região de Oaxaca. Em vez de um pronunciamento à nação, apareceu, de modo patético, numa chamada telefônica em que, ao longe, se ouvia o responsável por dar o informe sobre os estragos enquanto o presidente lutava para encontrar uma caneta sobre sua própria mesa, destapá-la e escrever algo num papelzinho. Depois, interrompia o interlocutor e repetia o que ele havia falado, com muito menos detalhes. Pouco depois, apareceu novamente ao telefone com o mesmo sujeito, caminhando pelo Palácio Nacional, dando instruções e dizendo que a comunicação estava falha _como se Oaxaca ficasse em outra galáxia. A ideia era passar uma sensação de que ele estava no comando ante a tragédia (que foi menor desta vez, matando 10 pessoas), mas acabou passando a impressão contrária, transmitindo mais confusão que confiança. Não é necessário dizer que os vídeos viraram piada nas redes.

México e Brasil são países fundamentais na região. Um na Alianza del Pacífico, outro no Mercosul. Um com 126 milhões de habitantes, o outro com quase 210 milhões. O que ocorre com ambos repercute nas economias de toda a América Latina. Ter à sua frente dois líderes de estilo populista e que não demonstram estar à altura da crise que enfrentam é uma tragédia. Daqui para a frente, é torcer para que os pesos e contrapesos da democracia possam controlar seus impulsos autoritários.

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Fique em casa, e dê risada com humoristas argentinos https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2020/04/28/fique-em-casa-e-de-risada-com-humoristas-argentinos/ https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2020/04/28/fique-em-casa-e-de-risada-com-humoristas-argentinos/#respond Tue, 28 Apr 2020 19:13:29 +0000 https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/files/2020/04/download.jpg https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/?p=3546 Já faz tempo que dou muita risada com um grupo de humoristas que faz esquetes para a internet. De baixo custo, e sempre sobre temas cotidianos da vida argentina. Por meio deles, assim como por meio do cinema local, pode-se conhecer um pouco melhor a cultura deste país, no qual a auto-flagelação bem humorada é uma das características, assim como a ironia, a inteligência e a rapidez dos diálogos, seja em casos em que o quadro vai sendo levado meio no improviso, seja naqueles que tenham roteiro fixo. E, claro, com os temas girando quase sempre sobre política, futebol, crise econômica e relações pessoais.

Fiz uma seleção entre os que gosto mais, desta vez com o assunto coronavírus. Sim, a pandemia é uma tragédia imensa, mas rir dela talvez nos fortaleça e nos humanize. Até porque muito mais não se pode fazer, além de ficar em casa. E para estimular você a ficar realmente em casa, aqui segue uma lista de vídeos que podem te entreter enquanto estamos em quarentena.

Jero Freixas

Jero e Jose são um casal real, com dois filhos, Rita e Ramón. Ficaram famosos durante a última Copa do Mundo como “la pareja del mundial” (o casal do Mundial), um esquete em que os dois tinham uma discussão, no carro, sobre ir ou não ir a um casamento de um primo que ocorria justo no dia de uma partida México e Coreia. Desde então, não pararam, os filhos nasceram e já são parte de seu show. Aqui, um de seus esquetes de quarentena

Guille Aquino

O comediante escreve, dirige e atua em sua série “El sketch”, pequenos programas de 5 minutos que vai ao ar em suas contas nas redes sociais a cada semana. Aqui, ele mesmo interpreta várias versões de sua personalidade obrigadas a conviver durante a quarentena e acaba falando das diversas interpretações dos argentinos sobre o assunto

Gente Rota

O comediante Gabriel Lucero costuma fazer esquetes engraçadíssimos, sempre baseados em mensagens de áudio de celular. Lança um por semana, curtinho, e em sua página no youtube estão todos. Este aqui é uma recompilação daqueles que fez com o assunto quarentena e coronavírus.

 

Malena Pichot

Trata-se da mais conhecida humorista argentina hoje, faz muito sucesso entre jovens mulheres. Sobre o coronavírus e a quarentena, fez essa série de esquetes, que se chama “La Pande”. São meio dark, mas cheias de humor.

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Proteção ou estigmatização da velhice? https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2020/04/21/protecao-ou-estigmatizacao-da-velhice/ https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2020/04/21/protecao-ou-estigmatizacao-da-velhice/#respond Wed, 22 Apr 2020 00:20:53 +0000 https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/files/2020/04/unnamed.jpg https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/?p=3540 A quarentena obrigatória na Argentina, que já completou mais de um mês, é bastante restritiva, e tem dado bons resultados, comparando-se com o restante da região. Isso é muito positivo. Em alguns casos, porém, as autoridades vêm exagerando. Nos últimos dias, instalou-se um debate sério na sociedade quando o chefe de governo da cidade de Buenos Aires, Horacio Rodríguez Larreta, decidiu proibir que pessoas de 70 anos saíssem de casa, sem qualquer exceção.

Segundo as regras da quarentena nacional, que vêm sendo fiscalizadas pela polícia, só se pode ir à rua para comprar comida e remédios _ou no caso de a pessoa fazer parte dos serviços considerados essenciais _o que parece razoável diante do desafio de conter a pandemia do coronavírus. Porém, condenar os idosos a sequer saírem, mesmo obedecendo essas regras, foi considerado demais para eles.

Os primeiros a vocalizar uma reclamação foram artistas e intelectuais. A atriz Nacha Guevara, 79, disse: “Quando escutei a notícia, me senti ferida, é uma decisão equivocada, que nos infantiliza, como se não fôssemos capazes de cumprir regras”. Depois, mais descontraída, publicou em sua conta de Instagram uma foto em que fazia um gesto obsceno com a mão, e uma mensagem contra a medida.

O escritor Marcos Aguinis, 85, disse que, apesar de saber que integra o grupo de risco e de estar cumprindo a quarentena, uma decisão destas não pode ser tomada dessa forma. “Parece considerar que somos um setor condenável da sociedade, ou, até mesmo, um setor que atrapalha”, afirmou.

Já a intelectual Beatriz Sarlo, 78, que lutou contra a repressão durante a ditadura militar (1976-1983), ficou ainda mais revoltada. “Trata-se de um estado de sítio seletivo. Impede a mobilidade de seus habitantes pelo território. Viola a Constituição e ignora que muitos de nós temos trabalhos que fazem diferença para a sociedade. Larreta pensa que somos todos aposentados”. E acrescentou: “A discriminação pela idade passa um símbolo muito negativo sobre a velhice para todos”.

O historiador José Emilio Burucúa, 76, fez uma espécie de performance, saindo com uma estrela de David amarela no peito, assim como faziam os nazistas para identificar os judeus nos anos 1940, e com a inscrição ‘+70’ escrita dentro dela. “Estamos presenciando uma nova forma escandalosa de discriminação”, afirmou. 

A princípio, Larreta havia estabelecido que os maiores de 70 anos só poderiam sair em situações muito excepcionais, e pedindo permissão, por meio de um procedimento feito pela internet. Senão, poderiam ser penalizados. Mas a pressão dos afetados, que expressaram sua resistência à regra foi tão forte, que ele teve de retroceder. Na segunda-feira (20), quando a medida entraria em vigor, Larreta recebeu uma carta assinada por diversos intelectuais e personalidades que têm mais de 70 anos. Entre alguns dos mencionados acima, estavam também Edgardo Cozarinsky, Graciela Melgarejo, Juan José Sebreli e outros.

Como em todos os lugares, diante do coronavírus, a Argentina anda sobre essa linha-fina entre as proibições a direitos civis e a necessidade de conter a pandemia e o caos econômico que a acompanha. Por enquanto, vem se impondo o bom senso de manter a quarentena nacional _que, inclusive, deve ser ampliada. É necessário, porém, tomar cuidado para não estigmatizar um extrato da sociedade.

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Coronavírus na Venezuela é ameaça à região, diz deputado https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2020/03/19/coronavirus-na-venezuela-e-ameaca-a-regiao-diz-deputado/ https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2020/03/19/coronavirus-na-venezuela-e-ameaca-a-regiao-diz-deputado/#respond Thu, 19 Mar 2020 16:42:22 +0000 https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/files/2020/03/resultados-de-las-primarias-en-el-zulia-320x213.jpg https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/?p=3528 O vice-presidente da Assembleia Nacional, e um dos nomes em ascensão na oposição venezuelana, Juan Pablo Guanipa, 55, conversou com a Folha sobre a situação de seu Estado, Zulia, no meio da crise do coronavírus. A pandemia veio apenas acrescentar mais um elemento a uma localidade que vem sofrendo apagões, falta de água e de subsídios desde que a crise venezuelana passou a se agravar, em 2019.

Guanipa (55) tem sido a cara mais visível na Assembleia Nacional, de maioria opositora, desde que Juan Guaidó passou a ser alvo de ataques, pessoais e a seus familiares, e tem tido de se resguardar. Foi Guanipa quem representou a Venezuela, por exemplo, na posse de Luis Lacalle Pou, no Uruguai, tendo que fazer boa parte do caminho por terra e cruzando fronteiras de modo não convencional até chegar ao sul do continente.

Desde Maracaibo, onde vive, Guanipa contou que o coronavírus vem atacar a Venezuela em seu pior momento. “Temos 1o0 camas de terapia intensiva operantes em todo o país, e não mais que 36 respiradores”. E que políticas de conscientização da população são difíceis de convencer os venezuelanos, especialmente aqueles que estão fora de Caracas, cidade mais equipada que as demais capitais. “Aqui em Maracaibo as pessoas acordam com o café da manhã que conseguiram garantir na noite anterior, depois saem para a rua para conseguir o almoço, e depois, o jantar. Tudo é informal. Como dizer a essas pessoas que o isolamento é necessário?”, diz à Folha, por telefone.

Guanipa diz que a Assembleia Nacional comemorou o fato de o FMI (fundo monetário internacional) não ter concedido recursos ao ditador Nicolás Maduro. “Todo dinheiro que Maduro arrecada vai para as forças de segurança. A própria resposta que ele está dando ao coronavírus é a de colocar mais forças de segurança na rua, não a de equipar os hospitais”, avisa. Com isso, conta que é frequente ver, em Maracaibo, que os oficiais estacionam seus veículos em praças e lugares públicos para vender gasolina. “Os próprios oficiais sugam o combustível com a boca e enchem barris, que vendem a um preço exorbitante à população, que compra, é o único comércio que se vê aqui”. Além disso Guanipa, defende que todos os médicos e enfermeiros sejam convocados pela emergência do coronavírus. “Hoje nem tem como eles sairem de casa, com ruas vigiadas, extorsão praticada pelos oficiais e falta de equipamentos nos hospitais. A Venezuela vai ser o grande problema da América Latina por conta do coronavírus. Pode ser controlado nos outros países, mas daqui, pode se espalhar de volta”, avisa.

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