Sylvia Colombo https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br Latinidades Tue, 30 Nov 2021 12:31:53 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Drama revive pesadelo da violência na Colômbia https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2021/10/09/drama-revive-pesadelo-da-violencia-na-colombia/ https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2021/10/09/drama-revive-pesadelo-da-violencia-na-colombia/#respond Sat, 09 Oct 2021 13:51:59 +0000 https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/files/2021/10/el-olvido-que-seremos-fotogramas-1613391055-320x213.jpg https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/?p=3929 Um dos melhores livros da produção latino-americana contemporânea, “A Ausência Que Seremos” (ed. Companhia das Letras, 2005) chega às telas sem ficar devendo muito à obra original –as memórias de Hector Abad Faciolince sobre sua infância e juventude na violenta Medellín dos anos 1970/1980. A adaptação, dirigida pelo veterano do cinema espanhol Fernando Trueba (“Belle Époque”), venceu o Goya de 2021 e está disponível na Netflix.

A obra narra a história de uma família católica e de classe média colombiana a partir do olhar de um garoto fascinado pelo pai, que destoa por sua visão progressista do mundo e por ser ateu. Héctor Abad Gómez (Javier Cámara) foi um ativo médico sanitarista e professor universitário dedicado a melhorar as condições de vida da população dos bairros pobres de Medellín, em meio à escalada do crime organizado. Nos anos 1970 e 1980, a Colômbia vivia uma de suas fases mais violentas, devido à disputa territorial entre os cartéis de Cali e Medellín. Em meio a isso, surgiam agrupações paramilitares, financiadas por grupos de interesses econômicos e políticos.

Neste cenário, foram assassinadas centenas de defensores dos direitos humanos, professores universitários e  sindicalistas. Embora tenha passado sua vida lecionando, sem preferências partidárias, Abad Gómez acabou se envolvendo em política para tentar implementar programas de saúde pública. Em 1987, enquanto fazia campanha eleitoral, foi assassinado violentamente, como se fazia na época: por um sicário, no meio da rua.

O drama nos apresenta, ainda, a outros conflitos desse período da história colombiana, como as disputas entre liberais e conservadores, a convivência com a comunidade judaica e a acelerada modernização de Medellín na época, colocando em xeque valores tradicionais de uma sociedade extremamente religiosa.

Narrada em dois planos, um colorido, o da infância, marcado por boas memórias e também por uma tragédia, e outro em preto-e-branco, quando Abad Faciolince já é adulto e luta para entender tanto as batalhas travadas por seu pai como o drama histórico da Colômbia, a obra é também um retrato do excelente momento da produção cinematográfica colombiana, com ótimas atuações dos atores locais, especialmente de Patricia Tamayo (que faz a mulher de Abad Gómez) e Juan Pablo Urrego, no papel do autor. Cámara, que é espanhol, se esforça para imitar o sotaque colombiano da região da Antioquia.

Abad Faciolince teve uma relação complicada com seu passado, algo que sempre conta em suas entrevistas. Depois da morte do pai, passou muito tempo na Itália, sem imaginar ser possível voltar à Colômbia, pelo trauma familiar e pela decepção geral com seu país. Com o passar do tempo e com os livros que lançou depois, foi se reconciliando com tudo isso.

Hoje, vive em Medellín e diz pensar em envelhecer e morrer aí.

 

 

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Colômbia lidera luta pelo direito à eutanásia na região https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2021/10/06/colombia-lidera-luta-pelo-direito-a-eutanasia-na-regiao/ https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2021/10/06/colombia-lidera-luta-pelo-direito-a-eutanasia-na-regiao/#respond Wed, 06 Oct 2021 08:55:31 +0000 https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/files/2021/10/Martaefederico-320x213.png https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/?p=3920 No próximo domingo, Martha Sepúlveda, 51, despertará, como sempre, como quem vai à missa. Só que, desta vez, não se dirigirá à Igreja. Essa colombiana de 52 anos, católica, enfrentou os padres de Medellín, sua cidade, e a mãe que, até então, vinham tentando convencê-la a desistir de sua decisão de encerrar a própria vida, uma vez que isso iria contra os “ensinamentos de Deus”.

Às 7h do próximo dia 10, acompanhada por seu filho, Federico, Sepúlveda se submeterá a uma eutanásia. A prática é legalizada na Colômbia desde 2015, mas até então era limitada apenas para pacientes terminais em estado avançado de uma doença. Em julho deste ano, a Corte Suprema do país liberou o acesso a esse direito também a doentes não terminais. Sepúlveda tem esclerose lateral amiotrófica, uma doença degenerativa que leva gradativamente à paralisia de todos os músculos. Embora esteja bem neste momento, rindo e falando, Sepúlveda já se angustia pelas dificuldades para locomover-se e afirma querer saltar a parte mais agônica da doença, que a limitará e a levará à morte.

“Deus é meu pai, portanto não quer que eu sofra. Assim como não quero que meu filho sofra. Para mim, o argumento religioso não faz sentido. Morrerei sendo católica, mas não aceito essa ideia de que Deus nos proíba de querer colocar um fim à nossa própria vida”,  afirmou Sepúlveda em entrevista à rede Caracol.

Desde a regulamentação da lei, em 2015, 157 colombianos pediram acesso à eutanásia e abreviaram seu sofrimento. Antes disso, uma pessoa que ajudasse alguém a morrer no país poderia ir presa por 16 a 54 meses.

Na Colômbia, segundo uma pesquisa do Invamer, 72% das pessoas são a favor da legislação.

O caso colombiano é uma referência sobre como o debate sobre a eutanásia ainda engatinha na América Latina. A Colômbia é o único país da região em que o recurso está garantido por lei, e que, com essa nova determinação da Corte, inclusive se amplia. Mas, nos demais países, principalmente por conta da presença intensa da religião católica, o tema ainda é um tabu.

Há outros dois casos que estão forçando legisladores e a Justiça de outros países a se debruçarem sobre o tema.

No Chile, Cecilia Heyder, 52, que padece de câncer, lupus e septicemia, apresentou um pedido à Corte Suprema para ter acesso a uma eutanásia, embora esta seja ilegal no país. Embora ela ainda espere a autorização para o procedimento, seu caso moveu o Congresso a debater o assunto. Em abril deste ano, foi aprovado um projeto de lei que dá acesso à eutanásia a pacientes em estado terminal ou que sofram de uma doença incurável. Agora, espera-se uma decisão do Senado nos próximos meses.

No Peru, outro país em que a Igreja Católica ainda tem muito poder junto ao Estado, um juiz determinou, de modo inédito, em março último, que a eutanásia fosse permitida no caso de Ana Estrada, 44. A psicóloga tem polimiositis, doença inflamatória sem cura que causa debilidade muscular progressiva. A decisão da Justiça foi a de “respeitar” a vontade da mulher de acabar com sua vida. Estrada afirma que, agora, espera que seu caso abra um precedente para uma legislação que contemple a situação de todos os peruanos que gostariam de abreviar seu sofrimento.

Atualmente, quem ajude uma pessoa a morrer no Peru pode pegar uma pena de até 3 anos. O atual presidente, Pedro Castillo, um esquerdista conservador, já se posicionou fortemente contra a eutanásia, o que pode fazer com que o caso de Estrada seja um acontecimento isolado.

Em vários outros países da região, como o México e a Argentina, aceita-se, de modo geral, a chamada eutanásia passiva, que passa por uma redução ou retirada de tratamento. A eutanásia ativa ainda é proibida em todos os países, como o Brasil. A única exceção da região é a Colômbia.

Sorridente e falante, Martha Sepúlveda se despede do mundo deixando um convite à reflexão. Não seria o momento de enfrentar o tabu da morte e entregar aos indivíduos a decisão de quando e como queiram partir?

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Cinco ondas de manifestações que marcaram a Colômbia https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2021/06/03/cinco-ondas-de-manifestacoes-que-marcaram-a-colombia/ https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2021/06/03/cinco-ondas-de-manifestacoes-que-marcaram-a-colombia/#respond Thu, 03 Jun 2021 22:39:38 +0000 https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/files/2021/06/SEBGN36BIFCPRKLIFEXTG6N4MA-320x213.jpg https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/?p=3806 Há mais de um mês ocorrem manifestações nas ruas da Colômbia. O protesto começou contra um projeto de reforma tributária, do qual o governo acabou desistindo. Depois, continuou, reunindo diferentes bandeiras: mais empregos, mais ajudas do governo para enfrentar o impacto da pandemia, fim da violência policial, melhorias econômicas, fim da discriminação das minorias, entre outras coisas. A onda não tem data para acabar. Afinal, neste momento, o governo negocia mal e com os atores equivocados. Suas reuniões, nas quais, até agora, não se chegou a nenhum acordo, estão sendo feitas com um “comitê nacional de greve”, que é composto por trabalhadores sindicalizados. Ou seja, por pessoas que representam apenas um pequeno setor dos manifestantes. O grosso de quem está nas ruas é composto por desempregados, por estudantes, ou seja, por pessoas que estão fora do sistema de sindicatos.

Enquanto o dilema colombiano continua, o blog reúne alguns dos principais movimentos que encheram as ruas no país em sua história recente, e que vale à pena serem conhecidos para ajudar a jogar luz ao atual momento.

Quando as ruas derrubaram um presidente pela primeira vez

Em 1909, o país era governado por um militar, o general Rafael Reyes (1849-1921), que perseguia opositores, se opunha à independência do Panamá e mostrava-se com intenções de eternizar-se no poder. Em 13 de março daquele ano, milhares de pessoas encheram as ruas de Bogotá pedindo sua renúncia. A repressão foi grande, houve enfrentamentos, detenções e mortes. Reyes declarou, então, um estado de sítio. Mas a população não obedeceu e os manifestantes continuaram nas ruas, apesar das proibições. Reyes acabou renunciando.

Um massacre imortalizado por Gabo

Em 1928, trabalhadores da companhia norte-americana United Fruit Company, se reuniram para pedir melhores salários e direitos trabalhistas. A empresa pediu a ajuda do governo, que por sua vez temia que o protesto virasse uma revolução comunista. O Exército foi enviado para a região de La Ciénaga, epicentro dos protestos, e abriram fogo contra os grevistas. Historiadores divergem da quantidade de mortos, mas fala-se em milhares. Em “Cem Anos de Solidão”, o conhecido “massacre da bananeira” aparece, num tratamento literário que dá as cores da tragédia que impactou a região.

Bogotazo

Em 1948, o país vivia polarizado entre liberais e conservadores. O líder dos liberais, Jorge Eliecér Gaitán, que era muito popular e defendia causas dos trabalhadores, foi assassinado à queima-roupa em pleno centro de Bogotá. Desatou-se uma violência desenfreada. Até hoje, ninguém sabe ao certo quem mandou matar Gaitán, que tinha ambições presidenciais. O assassino foi morto no local e arrastado pelos gaitanistas pelas ruas da cidade. As manifestações de violência continuaram por meses e parte da cidade foi completamente destruída. 

Quando as ruas derrubaram um presidente pela segunda vez

A Colômbia viveu uma ditadura entre 1953 e 1957, comandada por Gustavo Rojas Pinilla (1953-1957). Na época, havia perseguição aos opositores e à liberdade de imprensa. Os estudantes foram os protagonistas dos primeiros protestos, que terminaram de modo violento, com a morte de 10 civis. As mortes revoltaram a população, que reforçou as manifestações a partir daí. Rojas Pinilla respondia com prisões e censura aos principais jornais. Passou a governar de modo cada vez mais autoritário. Em maio de 1957, as multidões tomaram as ruas outra vez, nas chamadas jornadas de maio. No dia 10 de maio, Rojas Pinilla renunciou e partiu para o exílio.

Trabalhadores nas ruas

A maioria dos sindicatos colombianos se reuniram no dia 14 de setembro de 1977 em vários pontos de Bogotá, onde foram armados bloqueios, queimaram-se pneus e automóveis. A multidão reclamava por conta da grave crise econômica que o país atravessava. A inflação era alta e os aumentos dos trabalhadores não alcançava para pagar seus gastos. Entre os que marcharam, estavam trabalhadores de indústrias, professores e estudantes universitários. Houve saques a lojas e supermercados e o saldo foi de mais de 20 mortos. Centenas de pessoas foram detidas e, como o movimento nas delegacias era enorme, acabaram sendo levados ao Estádio de futebol El Campín e mesmo para a Plaza de Toros. Ao final, houve acordo sobre o aumento do salário mínimo, que foi dissolvendo os protestos pouco a pouco, depois de algumas semanas.

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Jovem alvejado 8 vezes vira símbolo na Colômbia https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2021/05/10/jovem-alvejado-8-vezes-vira-simbolo-na-colombia/ https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2021/05/10/jovem-alvejado-8-vezes-vira-simbolo-na-colombia/#respond Mon, 10 May 2021 19:31:09 +0000 https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/files/2021/05/f800x450-68637_120083_5050-320x213.jpg https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/?p=3794 “Estão matando-nos na Colômbia”, grita Lucas Villa, 37, em vários vídeos que estão circulando nas redes sociais, assim como outros em que ele aparece em manifestações ou em rodas ao ar livre em que explica os pontos problemáticos da reforma tributária que o governo colombiano quer implementar. A proposta de legislação foi o que começou a revirar a Colômbia no último dia 28.

Aos 37, Lucas Villa estuda ciências do esporte em Pereira. Seus amigos o qualificam como alguém alegre, pacífico, extrovertido e festeiro. No dia em que foi atingido, a última mensagem que enviou por seu celular a amigos foi “agora na Colômbia só o fato de ser jovem e de estar na rua é arriscar a vida. Todos podemos morrer aqui, mas, como não sair a protestar?”.

No dia 5 de maio, Lucas levou oito tiros, a maioria na região do cabeça. Levado a um hospital, seu último boletim de saúde indica que “está em um estado de saúde muito grave”. Já comovida pelas notícias da violência dos protestos, que já causou 47 mortes, segundo o Indepaz, a sociedade colombiana agora acompanha como uma novela trágica a luta pela vida de Lucas Villa. Seus boletins médicos são notícia nacional, estrelas do showbiz ofereceram ajuda a seus familiares, como passagens de avião para que possam estar com ele, e sua imagem barbada e com a mão ao alto virou uma pixação comum nas ruas colombianas, transformando-se num símbolo desses protestos.

O presidente Iván Duque, por meio de suas redes sociais, lamentou o ocorrido: “Condenamos o que ocorreu em Pereira com o jovem Lucas Villa e seus companheiros enquanto marchavam pacificamente no viaduto”.

O caso do ativista é um exemplo da guerra de narrativas que está em jogo no país. De um lado, os que defendem os manifestantes e dizem que toda a violência é gerada pelas forças de segurança que os reprimem, principalmente a ESMAD, temido batalhão de choque da polícia, que na Colômbia é militar. De outro, está a versão defendida por Duque de que, sim, os protestos em geral são pacíficos mas que não são os oficiais que estão matando os ativistas, mas sim, grupos de vândalos metidos entre eles, que estão causando danos a propriedades e atirando em civis para que o Estado seja culpado.

O fato de que o ex-presidente Álvaro Uribe tenha lançado um post apoiando o uso da força contra os manifestantes (depois retirado do ar pelo próprio Twitter) não ajuda a sustentar a versão de Iván Duque, seu apadrinhado político. Mas ele mesmo vem defendendo que se descubra e condene quem são os temidos “vândalos”, apontando que os distúrbios tem ganhado força e violência quando estes agem em conjunto. Já os manifestantes, que saíram pela primeira vez contra a reforma tributária de Duque, agora saem porque creem que é Duque quem está, de fato, por trás dos excessos, como o de balear um mesmo ativista com oito tiros na cabeça.

A prefeita de Bogotá, Claudia López, que se posiciona contra a ação da ESMAD na capital, pediu que, no geral, as pessoas se acalmem, e que investigações sejam feitas de todos os lados para apurar os responsáveis pela matança. “É preciso reconhecer que houve abusos de lado a lado. Se apenas rejeitamos o vandalismo, mas não se reconhece o abuso do uso da força, não há maneira de começar um diálogo”, afirmou.

O caso é que qualquer atitude política neste momento, em que Duque tem 33% de popularidade e está a pouco mais de um ano para deixar o cargo, se confunde com atos eleitorais. López é uma pré-candidata que deseja conquistar os eleitores de centro e centro-esquerda, por isso a decisão de jogar panos frios e não apontar contra ninguém em específico.

A Uribe e Duque, que não podem concorrer mas querem fazer um herdeiro via Centro Democrático, favorece a versão dos “vândalos”, porque aí identificam “inimigos da pátria”, ou “castro-chavistas”, como a expressão criada pelo primeiro, que estariam associados à esquerda. E, no meio disso tudo, está Gustavo Petro, outro pré-candidato que saiu perdedor do segundo turno na eleição de 2018, mas que surge como favorito no próximo pleito. Ex-guerrilheiro do M-19 que foi prefeito de Bogotá, Petro caminha sobre a tênue linha de atacar a brutalidade da polícia de Duque e ao mesmo tempo não se identificar com o vandalismo e condenar os ataques, por exemplo, a policiais e ao incêndio de edifícios públicos.

As manifestações na Colômbia já não são apenas por conta da reforma tributária. Mas sim por reclamações que já estavam nas ruas nos protestos de 2019, que ocorreram em várias cidades do país. Eram elas pedidos por acesso à saúde e educação, por mais segurança, pela implementação do acordo de paz firmado com as Farc em 2016 que, deixado como está, tem visto acertos de contas transformados em massacres no interior. O que há de diferente, em relação aos reclamos de 2019, é que todos esses problemas estão mais graves agora, devido ao impacto da pandemia na economia, na pobreza e na desigualdade.

Também na época havia um mártir jovem, Dilan Cruz, 18, morto pela polícia. Por ora, a imagem de Lucas Villa, 37, ainda lutando pela vida, é a que traduz o drama atual.

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Farc deveria ir além de gestos simbólicos e oferecer respostas https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2020/09/15/farc-deveria-ir-alem-dos-gestos-simbolicos-e-oferecer-respostas/ https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2020/09/15/farc-deveria-ir-alem-dos-gestos-simbolicos-e-oferecer-respostas/#respond Tue, 15 Sep 2020 14:20:10 +0000 https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/files/2020/09/Colombia_Presidencia_FirmaAcuerdoPaz_900-320x213.jpg https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/?p=3651 A menos de um mês do quarto aniversário do plebiscito que marcou a história recente da Colômbia –em que a população disse “não” ao acordo de paz, mas o Congresso acabou aprovando-o–, as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) pediram desculpas públicas pelos sequestros realizados nos últimos 50 anos. O que significa esse gesto?

Antes de mais nada, simbolicamente, ele é muito importante. O sequestro fez parte do modus operandi da guerrilha para dar-lhe poder, por meio de uma estratégia de medo, e recursos econômicos, uma vez que, por meio dos resgates, financiavam as atividades ilícitas da então guerrilha, hoje transformada em um partido político com representação no Congresso.

Quando o acordo foi assinado e, por fim, aprovado, ficaram várias tarefas por terminar. O tratado significou um princípio da tão esperada paz, não simplesmente o término dos conflitos. A lição de casa do governo era implementar o processo de reintegração de ex-combatentes, proteção dos desmobilizados e uma reforma agrária –todos esses pontos estão longe de terem sido concluídos. Do lado da guerrilha, a obrigação era a de esclarecer a verdade sobre torturas, mortes e sequestros e colaborar com a restituição da verdade aos familiares das vítimas –algo também incompleto.

Ou seja, os dois lados estão devendo à sociedade colombiana. A mancada mais recente foi cometida pelas Farc. Chamadas no último dia 8 de setembro ao tribunal especial da paz (a JEP), instância criada pelo acordo para decidir sobre crimes cometidos durante o conflito, as Farc tinham de ter oferecido informações sobre o recrutamento de menores de idade para as fileiras de combate.

A prática está amplamente documentada pela Justiça e por órgãos de direitos humanos. O Centro de Memória Histórica da Colômbia, por exemplo, tem registrados 5 mil casos de menores de idade que teriam sido recrutados pelas Farc apenas entre 1999 e 2013 –a guerrilha existe desde os anos 1960. Sobre o drama do recrutamento de crianças e adolescentes, testemunham também os mais de 7 milhões de refugiados internos do país (os “desplazados”). Eles contam ter deixado suas casas na área rural e mudado para os subúrbios das grandes cidades para fugir da violência entre guerrilhas, paramilitares e Exército. Mas, especialmente, contam que fugiram com medo de a guerrilha sequestrar seus filhos e netos para que integrassem a luta armada à força.

O líder das Farc e hoje presidente do partido Farc (Força Alternativa Revolucionária do Comum), Rodrigo “Timotchenko” Londoño, afirmou ante o tribunal que ninguém com menos de 18 anos teria nunca sido forçado a entrar na guerrilha. Porém, depois, deu declarações contraditórias. Afirmou, por exemplo, que houve “casos em que mães e pais pediram que seus filhos fossem integrados às Farc como forma de ascensão social”. Ele mesmo, Timotchenko, entrou na guerrilha quando tinha 17 anos, e justifica afirmando que, segundo leis do direito internacional humanitário, a idade considerada válida para entrar na luta armada é de 15 anos.

 

 

Outras figuras de relevo da guerrilha também falaram sobre a necessidade de integrar menores de idade à sua luta. Líderes como Griselda Lobo e Pastor Alape, em seus depoimentos, alertaram para o fato de que, na lógica da luta armada na selva, a questão da idade mínima era diferente do que em relação ao mundo urbano e contemporâneo. E que, para muitos adolescentes, a guerrilha era um caminho não apenas válido, como desejado.

 

A questão do recrutamento infantil e adolescente divide a opinião pública colombiana e é um tema de debate político. Entre as dificuldades das Farc para apresentarem-se como opção partidária viável, existe a necessidade de esclarecer este ponto. Daí que a desculpa pública por conta dos sequestros obviamente é válida, porém, não resolve toda a dívida que a guerrilha tem com os familiares de vítimas e com a sociedade colombiana.

O gesto é louvável. Há que se acompanhar se, porém, se de fato será seguido de informações reais e concretas sobre o destino de sequestrados que nunca retornaram e estão desaparecidos. Também sobre a verdade com relação às torturas e ao tratamento que receberam.

Por conta do acordo de paz, as Farc estão hoje no Congresso, com 10 representantes garantidos pela lei. O acordo, hoje, é parte da Constituição. Mas esse arranjo não será para sempre. Depois das eleições de 2022, não haverá mais cota garantida, e o partido das Farc terá de conseguir convencer a população a entregar seus votos a eles por conta de suas ideias e agendas.

Ou seja, as questões do recrutamento de menores e dos sequestros não devem parar apenas nos pedidos de desculpas ou na simples negação. Devem ser acompanhadas de respostas esclarecedoras sobre todos os casos, além de uma reparação aos familiares das vítimas destes delitos a ser definida pelo tribunal criado para essa função.

 

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Horror na Colômbia: cineasta abusador e garota indígena estuprada por militares https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2020/06/25/horror-na-colombia-cineasta-abusador-e-garota-indigena-estuprada-por-militares/ https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2020/06/25/horror-na-colombia-cineasta-abusador-e-garota-indigena-estuprada-por-militares/#respond Thu, 25 Jun 2020 11:33:34 +0000 https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/files/2020/06/ciro_abrazo_1_0.jpg https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/?p=3592 Durante o governo de Juan Manuel Santos (2010-2018), foi feito um real esforço para diminuir a violência de gênero na Colômbia. Ainda que não se chegasse perto de resolver o problema, a agenda feminista foi levada a sério, e ações afirmativas ocorreram por meio da indicação de várias mulheres para postos-chave da gestão.

A questão, porém, parece retroceder no país. Em detrimento de uma agenda pró-segurança pública, e contra a assim chamada “ideologia de gênero”, o governo de Iván Duque não tem feito o suficiente pela proteção das mulheres. O que levou a que, por exemplo, as cifras da violência contra a mulher aumentassem durante a quarentena. A ex-senadora Piedad Córdoba veio a público dar mais visibilidade a esses números, que são oficiais e, portanto, correm o risco de subestimarem o problema. Segundo essa informação, de janeiro a maio de 2020, 355 mulheres foram mortas de forma violenta no país, 70% delas dentro de casa ou vítimas de um ex-companheiro. Houve, ainda 473 casos de violência doméstica e 400 outras denúncias de delitos sexuais.

Porém, se só a pandemia fosse o problema, haveria alguma esperança de que o assunto tendesse a melhorar com o passar do tempo. Mas não é assim. O machismo e a violência machista integrados à cultura colombiana são um assunto mais grave. Uma tragédia que só se resolve com educação, orientação e mais vias de denúncia das vítimas e punição para agressores.

Um exemplo disso é o saldo de dois escândalos em uma só semana. Num deles, o cineasta Ciro Guerra, indicado ao Oscar por seu excelente “El Abrazo de La Serpiente” (2015), foi acusado de assédio sexual e estupro por oito mulheres. Ele nega. Mas a jornalista e escritora Catalina Ruiz-Navarro reuniu vários relatos e evidências (mensagens de texto, gravações) que agora devem formar parte de um processo contra ele. Em todos os casos, Guerra dizia que era “jurado de Cannes” e com isso começava a forçar as mulheres a terem sexo com ele. As que resistiam iam sofrendo agressões físicas.

O outro caso é ainda mais assustador. Uma menina indígena de 12 anos, do povo embera chamí, foi estuprada por um grupo de soldados do Exército no Departamento de Risaralda. O crime foi informado por um comunicado das próprias Forças Armadas. Logo, o ministro da defesa, Carlos Holmes Trujillo, afirmou que o “o fato deplorável é de grande gravidade. Os responsáveis merecem uma sanção severa”.

Os habitantes da aldeia dizem que a menina havia sido sequestrada pelos soldados e permaneceu com eles mais de 24 horas, com os familiares buscando-a por todos os lados. Foi encontrada inconsciente, num descampado perto de uma escola rural e hospitalizada. Foram indiciados oito soldados, mas os parentes da menina dizem que foram mais de 20 os que a teriam levado na noite de seu sequestro.

Ainda que, neste caso, o governo tenha se pronunciado a favor de uma pena dura aos responsáveis, não é o primeiro crime medonho contra uma menina indígena e menor de idade que ocorre na Colômbia. Aliás, isso é até recorrente, como em 2016, quando um arquiteto de classe média alta de Bogotá, Rafael Uribe Nogueira, sequestrou uma menina indígena de 7 anos, Yuliana Samboní, a estuprou e a matou.

Em 2018, Uribe Nogueira teve sua sentença de 58 anos de prisão reduzida.

É importante que esses casos venham à tona hoje com mais frequência e exista mais pressão da sociedade e das feministas, obrigando o governo nacional a dar explicações sobre as medidas que irá tomar. Porém, ainda há muito para ser feito, até porque 70% dos juízes do país são homens e a denúncia de crimes de gênero são difíceis de ser feitas. Também não basta apenas punir mais _que parece ser a solução para tudo no entendimento do presidente Iván Duque. É preciso também que existam políticas públicas e um esforço coletivo da sociedade de mudança de atitude e de postura diante dos direitos das mulheres.

 

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Molano, morre o maior conhecedor das guerrilhas da Colômbia https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2019/10/31/molano-morre-o-maior-conhecedor-das-guerrilhas-da-colombia/ https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2019/10/31/molano-morre-o-maior-conhecedor-das-guerrilhas-da-colombia/#respond Thu, 31 Oct 2019 18:00:51 +0000 https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/files/2019/10/5a15a2ac1bcb5-320x213.jpg https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/?p=3438  Alfredo Molano Bravo, morto nesta quinta-feira (31), aos 75, em consequência de um câncer de garganta, foi o maior conhecedor da formação das guerrilhas colombianas. E aprendeu sobre elas caminhando por seu país. Um verdadeiro repórter-historiador, que trilhou caminhos perigosos, desertos e selvas em busca das coisas que queria relatar. E que hoje são seu legado, em seus mais de 20 livros, como “Los Años del Tropel: Relatos de La Violencia” (1985), “Trochas y Fusiles” (1994), “Ahí le Dejo Esos Fierros” (2009) e “De Río en Río” (2017), sua obra mais recente.

Seu objeto de estudo era o campo colombiano da segunda metade do século 20, um cenário de violência e de embates iniciados tempos atrás. Mas, ao mesmo tempo em que buscava as origens do problema: distribuição desigual de terras, falta de educação formal da população, apontava soluções e alternativas. Suas investigações incluíam a compreensão das culturas locais e seus símbolos, da relação entre eles, do impacto das políticas de distintos governos e de destrinchar as razões da violência e do desenvolvimento de uma cultura da violência.

Seus escritos sobre a principal guerrilha do país, as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) são referência não apenas para historiadores, mas também para aqueles que trabalharam na negociação do acordo de paz, aprovado em 2016, e que hoje tentam implementá-lo. Suas obras sobre a guerrilha foram feitas em campo, entrevistando combatentes e descrevendo com maestria a paisagem geográfica em que o grupo se formou. Apesar de tratar de tema tão doloroso, suas páginas têm poesia e trazem uma esperança.

Nascido em Bogotá, foi amigo do padre e guerrilheiro Camilo Torres (1929-1966), membro do ELN (Exército de Libertação Nacional) e militante da Teologia da Libertação, a quem conheceu nos anos 60, na Universidade Nacional. Seus escritos logo o trouxeram problemas, sendo obrigado a exilar-se por ser perseguido pelos paramilitares. Durante cinco anos viveu entre a Espanha e os EUA, mas não deixou de escrever. Desde 2003, tinha voltado à Colômbia e recebeu vários prêmios por sua obra, como o Simón Bolívar. Escreveu por muitos anos colunas para o jornal “El Espectador”.

Nos últimos tempos, trabalhava na Comissão da Verdade, estabelecida pelo governo, para esclarecer as mortes e reparar as vítimas de mais de cinco décadas de guerra.

 

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No fundo do mar, 200 toneladas de ouro e um ícone literário https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2019/10/19/no-fundo-do-mar-200-toneladas-de-ouro-e-um-icone-literario/ https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2019/10/19/no-fundo-do-mar-200-toneladas-de-ouro-e-um-icone-literario/#respond Sun, 20 Oct 2019 00:16:03 +0000 https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/files/2019/10/1200px-Wagers_Action_off_Cartagena_28_May_1708-320x213.jpg https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/?p=3422
O ator espanhol Javier Bardem em cena de “O Amor nos Tempos do Cólera” (Foto Divulgação)

Quem se lembra da passagem do romance “O Amor nos Tempos do Cólera”, de Gabriel García Márquez (1927-2014), em que o personagem Florentino Ariza contrata um menino para mergulhar e tentar achar o mítico navio San José, nas profundezas do litoral de Cartagena, para que, com a fortuna encontrada, ele pudesse encantar e seduzir o amor de sua vida, Fermina Daza?

Pois esse navio existe e, em 2015, eu estava em Cartagena quando o então presidente colombiano, Juan Manuel Santos, anunciou que ele havia sido finalmente localizado, mais de 300 anos depois de ter naufragado. Armou-se, então, uma polvorosa entre buscadores de tesouros, políticos e diplomatas. A quem pertenceria, nos dias de hoje, aquela embarcação que, segundo os registros históricos, tinha afundado com 200 toneladas de ouro e outras riquezas, tiradas das então colonias espanholas na América e que rumava para a Espanha, em 1708? As ex-colônias de onde o ouro e as pedras preciosas haviam sido tiradas, hoje o Peru, o Equador, a Bolívia e a própria Colômbia teriam direito a reclamar o tesouro, se na época eram parte do território espanhol? A polêmica estava armada.

Pois, na tarde deste sábado, em Bogotá, os dois países chegaram a um acordo. A vice-presidente colombiana, Marta Lucía Ramírez, e o chanceler espanhol, Josep Borrel, em visita ao país, decidiram que, assim que for resgatado, o tesouro do navio não será explorado comercialmente. Além disso, os dois países farão juntos os esforços de retirá-lo do fundo do mar. A dificuldade tem permeado os diálogos desde então, afinal, além de estar muito fundo, o navio é pesado e a retirada em sua integridade seria altamente custosa. Há empresas norte-americanas de busca de tesouros interessadas, mas os dois países recusam essa ajuda.

Pois se a cooperação binacional para recuperar o San José deve ser comemorada, por outro lado, continuam as divisões sobre o que fazer com o conteúdo da embarcação. A Colômbia considera que se trata de um tesouro colombiano, importante também para o imaginário cultural do país, e gostaria de construir um museu para contar sua história e manter seu conteúdo ali mesmo, em Cartagena. Já a Espanha considera que, por ter sido um navio do Estado espanhol e que, com ele, morreram 600 marinheiros espanhóis, não haveria dúvidas de que deveria ser transportado para a Espanha. Onde se fariam, também, trabalhos de identificação dos mortos e uma devida homenagem.

O navio sucumbiu por uma emboscada da Marinha da Inglaterra destinada a impedir que as riquezas servissem a Felipe 5º, um Bourbon, em guerra pela sucessão do trono espanhol. Inglaterra, Portugal e Alemanha não queriam que ele ficasse com o trono, e sim que assumisse, em seu lugar, um Habsburgo. Ou seja, afundar o San José foi uma estratégia de guerra e, se este pudesse ter chegado a seu destino, poderia ter financiado ainda mais a Coroa espanhola para a guerra e alterado a geopolítica europeia da época.

Construído em 1698, em San Sebastián, em sua última viagem o San José foi carregado num porto panamenho e se aproximava de Cartagena para uma escala. Dali iria para Havana e, depois, para Cádiz (Espanha), o destino final. Próximo de Cartagena, porém, o San José foi emboscado por navios chefiados pelo capitão Charles Wager. Uma batalha naval de dois dias terminou com a derrota dos espanhóis, e o San José sucumbiu no dia 8 de junho de 1708.

 

 

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A maldição de Gabo nas telas https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2019/03/11/a-maldicao-de-gabo-nas-telas/ https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2019/03/11/a-maldicao-de-gabo-nas-telas/#comments Mon, 11 Mar 2019 03:46:39 +0000 https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/files/2019/03/images.jpg https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/?p=3302
Gabriel García Márquez (Foto Divulgação)

O mundo cultural entrou em polvorosa na semana passada, com a notícia de que a Netflix comprou, por uma cifra desconhecida, os direitos de levar o clássico do colombiano Gabriel García Márquez (1927-2014), “Cem Anos de Solidão” às telas em forma de uma minissérie. A empresa busca um novo êxito em espanhol, como a série “Narcos” ou o filme “Roma”, vencedor do Oscar de filme estrangeiro, entre outros prêmios.

O desafio a que a Netflix se propôs agora, porém, é muito mais difícil. Lembro-me de uma mesa sobre a obra de Gabo e o cinema, que mantivemos justamente durante o festival da Fundación Nuevo Periodismo Iberoamericano, criada pelo Nobel, em 2016. Estávamos eu, o escritor Hector Feliciano e o crítico de cinema do “New York Times”, A. O. Scott. Em dado momento, perguntei a Scott o que ele achava das obras de Gabo já transpostas ao cinema.

Educadamente, ele não especificou as experiências até aqui frustradas, mas considerou que a obra literária do colombiano era tão cheia de imagens e de poesia, tão estimulante para a imaginação de cada leitor, que transporta-la à tela do cinema ou da televisão era muito arriscado. E propôs, por exemplo, que quem voltasse a tentar, que o fizesse com sua obra não literária, como o livro-reportagem “Noticia de Un Secuestro”, sobre os anos da guerra contra o narcotráfico (vídeo da conferência abaixo).

Obviamente isso não é uma condenação ao fracasso. Mas há indícios negativos que não podem ser ignorados. “Crônica de Uma Morte Anunciada”, de Francesco Rossi, apesar de gravado em Cartagena, não conseguiu captar a “colombianidade” da história, e “Amor nos Tempos do Cólera”, de Mike Newell, ficou parecendo uma novela de má qualidade. Pior, teve de chamar um ator espanhol, Javier Bardem, para que o filme tivesse algum alcance fora do mercado hispano-americano. O que chegou mais perto de ter algum êxito, ao menos de crítica, foi “El Coronel no Tiene Quien le Escriba”, dirigida por Arturo Ripstein.

O próprio Gabo, em vida, apesar de amar o cinema, havia dito mais de uma vez que “Cem Anos” não serviria para ser filmado. Qual seria o rosto do general Aureliano Buendía?, perguntava-se, ou o tamanho dos peixinhos que a família fabricava? Como filmar a cena do massacre dos trabalhadores da industria bananeira norte-americana, episódio sobre o qual nem os historiadores têm certeza do que aconteceu até hoje?

O fato é que “Cem Anos” é, justamente, um convite à imaginação para que cada um crie sua Macondo com as caras e trejeitos que cada um queira dar a seus personagens. A beleza de Remédios, a Bela, por exemplo, seria igual para um colombiano, um norte-americano e um europeu? Também é necessário ter em conta que o autor negou pelo menos duas propostas milionárias para adaptar “Cem Anos” ao cinema justamente porque não queria restringir a imaginação dos leitores.

Mas os tempos mudaram. E uma das justificativas da família para autorizar a gravação da minissérie sobre o livro, cujo lançamento está previsto para 2020, é que o formato, que permite que a história se alargue por muitos capítulos, daria tempo para que os inúmeros personagens da novela fossem bem desenvolvidos. Também foram impostas condições: a série será gravada na Colômbia, em espanhol e com atores que sejam do primeiro escalão do cinema e da TV latino-americanos.

Para os que gostam de Gabo e de sua obra, é torcer muito para que dê certo. Porque ambos não merecem menos do que uma produção que, no mínimo, esteja a altura do livro, uma vez que superar o livro é absolutamente impossível.

 

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Duque não pode menosprezar a pacificação do país https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2019/01/17/duque-nao-pode-menosprezar-a-pacificacao-do-pais/ https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2019/01/17/duque-nao-pode-menosprezar-a-pacificacao-do-pais/#respond Thu, 17 Jan 2019 23:53:52 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/?p=3274
Zona restringida ao público, após o atentado em Bogotá (Foto Página 12)

Os uribistas não queriam o acordo de paz com as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia). Gostavam de ter a guerrilha como inimiga para unificar o país detrás de si e assim justificar sua política de mão-dura. Foi isso que deu popularidade a Álvaro Uribe (2002-2010) e impulsou a campanha de Iván Duque, no poder desde agosto de 2018.

Mais moderado que o padrinho, Duque havia dito à Folha que “a paz não é o único assunto da Colômbia”. De fato, não é. Os colombianos também votaram nele por suas propostas nas áreas de economia, educação, saúde e investimentos em infraestrutura. Porém, fechar os olhos para um assunto como a paz, num país como a Colômbia, simplesmente não irá deixa-lo cumprir com nenhum dos outros pontos da agenda.

Desde a campanha eleitoral, Duque prometeu que não “rasgaria em pedaços” (para usar a expressão da época) o acordo, mas que faria as coisas à sua maneira. Basicamente, isso significou atrasar o quanto fosse possível o trabalho da JEP (Justiça Especial de Paz), o tribunal para ex-guerrilheiros e ex-militares que define as polêmicas anistias e penas alternativas, tentar remendar o acordo no quesito que trata de narcotráfico como crime passível de indulto e colocar o foco mesmo apenas no mais fácil, a política de reinserção dos ex-guerrilheiros na sociedade. A batata quente com que Duque também não mostrou alternativas ainda para lidar é a intensa pressão dos EUA para que se retomem as fumigações aéreas para terminar com os territórios dedicados à plantação de coca para a produção de cocaína, que dobrou nos últimos tempos.

Mas tudo isso é “apenas” o capítulo “Farc”. Só que a violência na Colômbia é histórica, e mesmo hoje, as ex-Farc eram apenas o bode na sala. No campo colombiano se enfrentam diversos grupos, os ainda ideológicos como o ELN (Exército de Libertação Nacional), os ex-paramilitares e os cartéis da droga (Bacrim ou bandas criminales). A divisão tampouco é clara, como definiu outro dia numa conversa com a Folha o jornalista norte-americano Jon Lee Anderson, “virou um tudo junto e misturado”.

O que fazer com isso? Enquanto titubeia, Duque leva o primeiro susto de verdade de sua gestão.

Um carro-bomba explodiu nesta quinta-feira (17) na Escola de Polícia General Santander de Bogotá, deixando mais de 20 mortos e 65 feridos. Sem ter sido reivindicado até agora por nenhum grupo, o atentado foi atribuído a José Aldemar Rojas Rodríguez, identificado como o motorista do carro, que ingressou na escola. Apesar de não ter antecedentes penais, Rojas Rodríguez se movimentava entre as zonas de Boyacá e Tolima, onde o ELN (Exército de Libertação Nacional) atua. A polícia ainda investiga se ele tinha conexões com o grupo.

Se de fato o atentado estiver ligado a essa que é a maior guerrilha ainda ativa na Colômbia, com cerca de 1,5 mil integrantes, Duque terá cometido um grave erro ao suspender os diálogos, iniciados na gestão de Juan Manuel Santos (2010-2018). É certo que a guerrilha colocava muitas dificuldades para as negociações, uma vez que não parava, como era requisitado, de sequestrar e extorquir enquanto estava dialogando, com a desculpa de que, sem isso, não tinha meios de sobreviver. Santos havia sido paciente, e havia chegado mesmo a um cessar-fogo bilateral. Já Duque virou a mesa e disse que não seriam retomadas as conversas até que os atentados parassem. Se de fato a bomba na escola militar estiver ligada ao ELN, há que se culpar a falta de paciência e de maleabilidade política de Duque.

Se o atentado não estiver conectado a essa guerrilha, ainda assim demonstra que Duque está sem controle do combo “tudo junto e misturado”, que toma conta de vários territórios do país e segue ameaçando a população. Era sabido desde a negociação com as Farc que não bastava assinar a paz com essa guerrilha, era necessário também pacificar o resto do país, neutralizado as outras guerrilhas, cartéis, combos de ex-paras e ex-guerrilheiros, as dissidências com as Farc e mesmo algum “lobo solitário” ligado a seus reclamos, se for esse o caso.

 

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