Sylvia Colombo https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br Latinidades Tue, 30 Nov 2021 12:31:53 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Filme argentino sugere violência política entre sussurros https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2021/10/16/filme-argentino-sugere-violencia-politica-entre-sussurros/ https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2021/10/16/filme-argentino-sugere-violencia-politica-entre-sussurros/#respond Sat, 16 Oct 2021 20:34:13 +0000 https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/files/2021/10/azor-3-320x213.jpg https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/?p=3933 Nada de sangue, fuzilamentos ou tortura. “Azor” expõe a ditadura militar argentina (1976-1983) desde um outro ângulo, o daqueles que estiveram por trás dos abusos de direitos humanos, mas que não mancharam suas mãos com o trabalho sujo, mantiveram um cruel silêncio diante dos embates políticos e lucraram muito no período. Na cidade em que vivem, pouco se vê de protestos e prisões. Sua bolha parece consistir em jardins bonitos com piscina, propriedades equestres e salões de clubes sociais.

Produção suíço-argentina que estreará nas próximas semanas no Brasil, “Azor” se passa na Buenos Aires de 1980, com a chegada ao país do banqueiro Yvan de Wiel (Fabrizio Rongione) e sua mulher, Ines (Stéphanie Cléau). Embora saibam, por alto, o que está ocorrendo no país, o casal suíço mantém o foco noutra coisa: como manter as contas dos ricos clientes do banco europeu depois que seu sócio e representante no país, René Keys, desapareceu misteriosamente?

Num filme de silêncios e murmúrios, a presença do desaparecido ressalta. Todos sabem algo dele, mas o quebra-cabeças sobre o que lhe aconteceu parece não terminar de fechar. Seu apartamento, tal qual um labirinto borgeano, foi abandonado com portas abertas e cigarros por fumar. Aos poucos, vamos sabendo que ele andava realizando negócios paralelos, mas, seria ao lado dos subversivos ou da cabeça do regime? A referência a “O Terceiro Homem”, de Graham Greene é clara.

Falado em francês e em espanhol, “Azor” é um thriller político, um suspense narrado em um clima de tensão furiosa, embora quase nada vocalizada. A ação praticamente inexiste e os diálogos, parcos e sutis, acompanham a tomada lenta de consciência de De Wiel. No começo, ele parece se horrorizar com o que ouve, tem medo de dar um passo em falso e se assusta com o que imagina que pode estar acontecendo. Aos poucos, vai entrando no jogo de sedução e traição de seus interlocutores: empresários, líderes da Igreja, militares, damas da alta sociedade.

Azor, neste contexto, é uma gíria entre os banqueiros, que revela a precaução que se deve tomar no labirinto em que o filme vai se metendo. Outra referência clara é “Coração das Trevas”, de Joseph Conrad, com De Wiel em busca de seu próprio Sr. Kurtz, e “o horror” desenhado na história dos anos de chumbo argentinos.

 

Dirigido pelo argentino Andreas Fontana, que cresceu na Suíça, o filme conta com excelentes atuações, como a do protagonista e a de Pablo Torre Nilsson, que encarna o monsenhor Tatoski, apoiador da ditadura e que aposta em cavalos e na Bolsa. O clima sufocante da trama leva a pensar também nos universos criados por outra argentina, Lucrecia Martel. Diferentemente dela, porém, “Azor” tem a ação numa cidade grande, agitada e sofisticada.

Num país que já produziu dezenas de bom títulos sobre suas ditaduras militares, “Azor” ressalta pela originalidade do olhar e a sofisticação do enredo. Depois de desfilar pela Berlinale e por festivais estrangeiros, aterrissa no Brasil em novembro.

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Ditadura argentina em dez filmes https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2021/03/24/ditadura-argentina-em-dez-filmes/ https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2021/03/24/ditadura-argentina-em-dez-filmes/#respond Wed, 24 Mar 2021 23:27:15 +0000 https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/files/2021/03/images-3.jpg https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/?p=3763 A Argentina relembra neste 24 de março o golpe militar mais duro que viveu no século 20 _sim, houve vários golpes. No regime, que foi de 1976 a 1983, estima-se que mais de 20 mil pessoas tenham desaparecido, enquanto 500 bebês foram roubados. Há no país toda uma literatura e uma cinematografia dedicada a tratar desse período.

Aqui, vão dicas de dez filmes sobre esse tempo que não deveria voltar nunca mais. E o cinema nos ajuda a entender as razões.

Hector Alterio e Norma Aleandro em cena de “A História Oficial” (Divulgação)

“A História Oficial”

(Luis Puenzo, 1985)

Vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro, conta a história da professora de história Alicia Manet de Ibáñez, vivida por Norma Aleandro (uma espécie de Fernanda Montenegro da Argentina). Apesar de dar aulas sobre o passado do país, Alicia ignora o presente e só depois de questionada por estudantes começa a refletir sobre o que está acontecendo e a desconfiar de que sua filha adotiva possa ter sido roubada de guerrilheiros mortos pela repressão. O filme tem o grande mérito de refletir sobre o período no calor dos acontecimentos, com a nova democracia ainda engatinhando e a incerteza sobre uma possível volta dos militares no ambiente.

“Tangos, o Exílio de Gardel”

(Fernando Solanas, 1985)

Também filmado pouco depois da retomada democrática, o filme conta a história de um grupo de argentinos exilados em Paris (como ocorreu com o próprio diretor), que tenta armar um espetáculo dedicado ao cantor Carlos Gardel. Solanas dirigiu outros bons filmes sobre a política argentina, como “La Hora de los Hornos”. Solanas foi também senador e morreu de Covid-19 neste ano, na mesma Paris em que filmou sua obra mais conhecida.

“Infância Clandestina”

(Benjamín Avila, 2012)

Nesta co-produção com o Brasil, conta-se a história a partir da trajetória de um garoto cujos pais são montoneros que retornam ao país, em 1979, numa tentativa fracassada de tomar o poder dos militares. Juan (Teo Gutiérrez Romero) tem de mudar de nome, de escola e esconder sua verdadeira história, enquanto os pais treinam e organizam a ação que, de modo trágico, arruinará a família. A história é baseada em fatos reais relacionados à vida do próprio diretor, Benjamín Ávila. Na Argentina daquela época, várias crianças cresceram na clandestinidade e pouco se lembram da luta de seus pais.

“Kóblic”

(Sebastián Borensztein, 2016)

Arrependido de ter de pilotar “voos da morte”, em que opositores do regime eram atirados das alturas no mar, o capitão Kóblic (Ricardo Darín) busca esconder-se num vilarejo da Província de Buenos Aires, com uma nova identidade. Sua tentativa de passar despercebido, porém, vai sendo desmascarada por um velho policial da região (Óscar Martínez). Atormentado pelo seu passado, Kóblic tenta inventar uma nova vida e se apaixona. Porém, o regime militar o ameaça psicologicamente e de modo concreto.

“Buenos Aires Viceversa”

(Alejandro Agresti, 1996)

Uma espécie de “Short Cuts” portenho, mistura diferentes linhas narrativas para contar a história de filhos de desaparecidos depois de adultos. A protagonista, uma órfã que não sabe nada sobre seus pais, é contratada por um casal de idosos para filmar Buenos Aires para eles. Os dois se negam a sair de casa, à espera da filha que foi para a universidade e nunca voltou. No caminho da moça, passarão diversos personagens com vínculos íntimos, porém dissimulados, com a ditadura.

“Garage Olimpo”

(Marco Bechis, 1999)

Uma jovem de 18 anos, Maria Fabiani, é levada pelo exército argentino e torturada na prisão clandestina conhecida como Garage Olimpo. Seu torturador, curiosamente, é um jovem que vivia de aluguel na casa da mãe de Maria e tinha por ela uma paixão não-resolvida. Enquanto Maria passa pelas sessões de tortura e vive um inusitado flerte com o torturador, sua mãe sai em busca dela por Buenos Aires.

“El Mismo Amor, la Misma Lluvia”

(Juan José Campanella, 1999)

Do mesmo diretor do premiado “O Segredo de Seus Olhos” (e com o mesmo casal protagonista, Ricardo Darín e Soledad Villamil), o filme conta uma história de amor com muitos encontros e desencontros, que começa nos anos 80 e vai até o final da década de 90. O pano de fundo é a história argentina durante o final da ditadura, a Guerra das Malvinas e o começo dos anos Menem.

“Kamchatka”

(Marcelo Piñeyro, 2002)

A ditadura vista pelos olhos de uma criança de dez anos. Seus pais, fugindo dos militares, vividos por Cecila Roth e Ricardo Darín, levam o garoto para uma casa fora de Buenos Aires. No lugar, uma das poucas alternativas de passar o tempo era jogar uma variante do nosso War, em que Kamchatka, uma província russa, parecia um lugar de refúgio e esperança. Quando por fim o casal desaparece, é a lembrança desse lugar que o garoto guardará dos pais.

“Iluminados por el Fuego”

(Tristan Bauer, 2005)

A tentativa de suicídio de um ex-soldado que lutou na Guerra das Malvinas (1982), nos dias de hoje, faz com que um de seus companheiros relembre o período em que participaram do delírio dos comandantes militares de então, que fizeram suas tropas formadas por garotos acreditarem que seria possível vencer a Inglaterra numa batalha pelas ilhas Malvinas/Falklands. As comoventes cenas finais foram gravadas nas próprias ilhas pela primeira fez no cinema argentino.

“Crónica de una Fuga”

(Adrián Caetano, 2006)

Baseado numa história verídica, conta uma tentativa de fuga de um grupo de prisioneiros da temida Mansion Seré, um centro de detenção e tortura. Entre eles, estava Claudio Tamburrini, goleiro de um time de futebol que virou símbolo da luta contra a repressão depois do episódio. Realizado num momento de alta do cinema argentino no cenário internacional, o filme teve ampla repercussão internacional.

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A maldição de Gabo nas telas https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2019/03/11/a-maldicao-de-gabo-nas-telas/ https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2019/03/11/a-maldicao-de-gabo-nas-telas/#comments Mon, 11 Mar 2019 03:46:39 +0000 https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/files/2019/03/images.jpg https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/?p=3302
Gabriel García Márquez (Foto Divulgação)

O mundo cultural entrou em polvorosa na semana passada, com a notícia de que a Netflix comprou, por uma cifra desconhecida, os direitos de levar o clássico do colombiano Gabriel García Márquez (1927-2014), “Cem Anos de Solidão” às telas em forma de uma minissérie. A empresa busca um novo êxito em espanhol, como a série “Narcos” ou o filme “Roma”, vencedor do Oscar de filme estrangeiro, entre outros prêmios.

O desafio a que a Netflix se propôs agora, porém, é muito mais difícil. Lembro-me de uma mesa sobre a obra de Gabo e o cinema, que mantivemos justamente durante o festival da Fundación Nuevo Periodismo Iberoamericano, criada pelo Nobel, em 2016. Estávamos eu, o escritor Hector Feliciano e o crítico de cinema do “New York Times”, A. O. Scott. Em dado momento, perguntei a Scott o que ele achava das obras de Gabo já transpostas ao cinema.

Educadamente, ele não especificou as experiências até aqui frustradas, mas considerou que a obra literária do colombiano era tão cheia de imagens e de poesia, tão estimulante para a imaginação de cada leitor, que transporta-la à tela do cinema ou da televisão era muito arriscado. E propôs, por exemplo, que quem voltasse a tentar, que o fizesse com sua obra não literária, como o livro-reportagem “Noticia de Un Secuestro”, sobre os anos da guerra contra o narcotráfico (vídeo da conferência abaixo).

Obviamente isso não é uma condenação ao fracasso. Mas há indícios negativos que não podem ser ignorados. “Crônica de Uma Morte Anunciada”, de Francesco Rossi, apesar de gravado em Cartagena, não conseguiu captar a “colombianidade” da história, e “Amor nos Tempos do Cólera”, de Mike Newell, ficou parecendo uma novela de má qualidade. Pior, teve de chamar um ator espanhol, Javier Bardem, para que o filme tivesse algum alcance fora do mercado hispano-americano. O que chegou mais perto de ter algum êxito, ao menos de crítica, foi “El Coronel no Tiene Quien le Escriba”, dirigida por Arturo Ripstein.

O próprio Gabo, em vida, apesar de amar o cinema, havia dito mais de uma vez que “Cem Anos” não serviria para ser filmado. Qual seria o rosto do general Aureliano Buendía?, perguntava-se, ou o tamanho dos peixinhos que a família fabricava? Como filmar a cena do massacre dos trabalhadores da industria bananeira norte-americana, episódio sobre o qual nem os historiadores têm certeza do que aconteceu até hoje?

O fato é que “Cem Anos” é, justamente, um convite à imaginação para que cada um crie sua Macondo com as caras e trejeitos que cada um queira dar a seus personagens. A beleza de Remédios, a Bela, por exemplo, seria igual para um colombiano, um norte-americano e um europeu? Também é necessário ter em conta que o autor negou pelo menos duas propostas milionárias para adaptar “Cem Anos” ao cinema justamente porque não queria restringir a imaginação dos leitores.

Mas os tempos mudaram. E uma das justificativas da família para autorizar a gravação da minissérie sobre o livro, cujo lançamento está previsto para 2020, é que o formato, que permite que a história se alargue por muitos capítulos, daria tempo para que os inúmeros personagens da novela fossem bem desenvolvidos. Também foram impostas condições: a série será gravada na Colômbia, em espanhol e com atores que sejam do primeiro escalão do cinema e da TV latino-americanos.

Para os que gostam de Gabo e de sua obra, é torcer muito para que dê certo. Porque ambos não merecem menos do que uma produção que, no mínimo, esteja a altura do livro, uma vez que superar o livro é absolutamente impossível.

 

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Filha de Macri estreia na direção de cinema https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2018/09/20/filha-de-macri-estreia-na-direcao-de-cinema/ https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2018/09/20/filha-de-macri-estreia-na-direcao-de-cinema/#respond Thu, 20 Sep 2018 15:28:52 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/?p=3203
Imagem do filme “Soledad”, que estreia nesta semana na Argentina (Foto Divulgação)

Num país tão polarizado e politizado como a Argentina, o fato de um filme sobre uma anarquista morta nos anos 1990 dirigido pela filha de um presidente de centro-direita poderia causar algum ruído. Mas tenho achado bastante civilizado o modo como, em reportagens, críticas e comentários a “Soledad”, produção que estreia nesta semana no país, tem separado Agustina Macri, primogênita do presidente argentino, fruto de seu primeiro casamento, da figura do pai.

Na verdade, “Soledad” é parte de uma nova safra de bons filmes argentinos estreados recentemente. Outro deles é “El Angel”, de Luis Ortega, baseado na história de um jovem serial killer condenado por 11 assassinatos e que está preso desde 1973. Vale mencionar também “Mi Obra Maestra”, de Gastón Duprat, uma comédia dramática em que um artista plástico arruinado, Renzo (Luis Brandoni) é resgatado pelas artimanhas nada éticas de seu agente, Arturo (Guillermo Francella).

Voltando a “Soledad”, o filme se baseia no livro do escritor e jornalista Martín Caparrós “Amor y Anarquía”, de 2003. Conta a história real de uma jovem nascida e criada num bairro nobre de Buenos Aires, mas cuja rebeldia se revela muito cedo. Na capital argentina, ela estuda turismo e, para ganhar uns trocados, trabalha como passeadora de cachorros _uma figura bastante comum e conhecida pelos portenhos. A atriz que a interpreta também é filha de alguém famoso. Trata-se de Vera Spinetta, filha do astro maior do rock nacional, Luis Alberto Spinetta.

Em 1997, aos 23, Soledad decide mudar-se para a Itália, onde conhece e passa a conviver com um grupo de “okupas”, os Lobos Grises, que além de ocupar residências e casas vazias, também promovem atentados a trens e outros atos de rebeldia. Soledad se apaixona por um deles, Edo, e os dois vivem um curto porém intenso romance, em meio à agitada e violenta vida do ambiente que os rodeia. Um dia, porém, a polícia irrompe com violência e os leva presos. Edo se mata na cadeia. Os pais de Soledad pedem que a moça seja enviada para ser julgada na Argentina. Ela recusa, prefere ser processada junto com seus companheiros. Recebe uma pena de prisão domiciliária e acaba se matando, numa casa nos arredores de Turin.

A trágica história revela um pouco do mundo naqueles anos 1990, em que a globalização produzia esse tipo de resposta social, da sociedade italiana e de seus excluídos, e também algo da Argentina durante o menemismo, da geração pós-ditadura e a difícil relação entre os que a viveram e os que cresceram numa espécie de novo país. O livro de Caparrós é melhor, porque investiga com mais profundidade a personagem. Mas o filme não fica muito atrás.

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Com Darín presidente, Argentina é tentada a trair o Brasil https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2017/08/17/com-darin-presidente-argentina-e-tentada-a-trair-o-brasil/ https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2017/08/17/com-darin-presidente-argentina-e-tentada-a-trair-o-brasil/#comments Thu, 17 Aug 2017 22:54:35 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/?p=2945
O ator Ricardo Darín, em cena de “La Cordillera” (Foto Divulgação)

Estreou nesta quinta-feira (17), na Argentina, o esperado “La Cordillera”, novo filme do diretor Santiago Mitre, recebido positivamente em Cannes, e que traz Ricardo Darín no papel de presidente da Argentina.

Toda a situação guarda pouca ou nenhuma coincidência com a atual realidade política dos dois países. Ainda assim, alguns paralelos com a dinâmica das relações de poder na região podem ser estabelecidos.

No filme, Darín é Hernán Blanco, presidente argentino recém-eleito e que ainda não se firmou no poder. Recebe várias críticas da imprensa e tem de camuflar um escândalo familiar que pode abalar ainda mais sua frágil imagem. Todo o contrário do presidente real, Mauricio Macri, que anda surfando numa boa onda em termos de popularidade e de respaldo nas urnas.

Já o presidente brasileiro, Oliveira Prete (Leonardo Franco), surge como um líder regional audaz, inflado de vaidade, aprovação e encabeçando a iniciativa de formar uma aliança energética entre os países da região, sob seu comando. Como se pode notar, também o contrário do atual mandatário brasileiro, que de líder regional tem muito pouco, e de popularidade vai muito pior que seu par argentino.

Toda a ação se passa durante os poucos dias de uma imaginária cúpula latino-americana, em plena Cordilheira dos Andes, no Chile. O imenso e gélido hotel onde as intrigas de bastidores têm lugar aproxima o filme político ao gênero de suspense _há algo de Hitchcock e de Kubrick em algumas das situações e na construção do ambiente.

Pois os países ali estão para votar o projeto faraônico do brasileiro. A Argentina se vê, a contragosto, levada a apoiar Oliveira Prete, “porque a relação com o Brasil é estratégica e intocável”, como diz Blanco ao mandatário mexicano, quando este sugere uma ação para derrubar a iniciativa brasileira.

Acuado e prestes a ecoar o que diz dele um jornalista crítico, de que seria “um presidente invisível”, Blanco recebe um inesperado chamado de um agente do Departamento de Estado dos EUA, que o convoca para uma reunião clandestina em Santiago. Ali, sua lealdade com o parceiro estratégico é colocada à prova, assim como sua honestidade como homem público.

No que diz respeito à política, o filme sugere apenas uma caricatura da realidade. Seu foco mais interessante está na história pessoal de Blanco, que vai se revelando mais complicada do que a ideia de “homem comum” com a qual teria ganho a eleição.

Sua filha, Marina (Dolores Fonzi) aparece em frangalhos, com distúrbios psiquiátricos, jogando móveis pela janela do luxuoso hotel e revelando que ainda mantém uma relação com um ex-marido também problemático, envolvido no vício e que acaba de acusar Blanco de corrupção. Para ajudar a filha, o presidente chama um psiquiatra, que a hipnotiza e que, misteriosamente, a faz dizer coisas que não viveu, mas que parecem ser reais e sugerem um passado, ou um outro lado, de Blanco do qual este prefere não falar.

Mitre vem de dois ótimos filmes, “El Estudiante” (2011) e “La Patota” (2015). Neste, porém, sua ambição de criar um thriller político de maior impacto deixa um pouco a desejar. Apesar disso, “La Cordillera” vale ser visto, pelas boas atuações de Darín, Fonzi e do elenco internacional, com Daniel Gimenez Cacho fazendo um mordaz presidente do México, e a veterana do teatro chileno, Paulina García, fazendo uma versão aproximada de Bachelet como presidente do país que hospeda a Cúpula.

 

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Colômbia leva ao Oscar drama das crianças guerrilheiras https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2016/09/13/colombia-leva-ao-oscar-drama-das-criancas-guerrilheiras/ https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2016/09/13/colombia-leva-ao-oscar-drama-das-criancas-guerrilheiras/#respond Tue, 13 Sep 2016 17:10:14 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/?p=2511

No ano passado, a Colômbia foi a representante do cinema latino-americano no Oscar, colocando entre os cinco finalistas da categoria filme estrangeiro o ótimo “O Abraço da Serpente” (Ciro Guerra), drama baseado em fatos reais ocorridos em dois momentos do passado na Amazônia colombiana. Não levou porque, afinal, era difícil tirar o trono do incômodo e brilhante “O Filho de Saul” (Lászlo Nemes).

Neste ano, na mesma semana em que as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) fizeram a primeira entrega dos menores de idade que estavam nas fileiras da guerrilha para as forças de paz, cumprindo com um dos itens do acordo que vem fechando com o governo, a academia de cinema local escolheu, para representar o país no Oscar 2017 um filme justamente sobre esse tema.

“Alias Maria”, que competiu na na seção Un Certain Regard, em Cannes, e foi elogiado pela crítica europeia e local, conta a história da menina guerrilheira Maria (Karen Torres), de 13 anos, que recebe a tarefa de entregar, são e salvo, o bebê recém-nascido de um comandante que está num acampamento distante do dela. O que seus companheiros, e os chefes que a designam para a missão, não sabem, é que a própria Maria está grávida de seu namorado, Mauricio (Carlos Clavijo), também um guerrilheiro jovem, carinhoso com ela, mas muito duro em relação a seus princípios e à obediência à hierarquia da guerrilha.

Usando em geral não-atores, o diretor José Luis Rugeles logra mostrar o assombro mesclado às reações impulsivas e espontâneas desses guerreiros adolescentes diante dos desafios que a vida na selva, e em plena guerra, vai colocando à sua frente. Às guerrilheiras de baixo escalão, como Maria, a regra é abortar quando engravidam. Apenas as mulheres dos chefes podem ter filhos. Para praticar os abortos, um médico improvisado examina as meninas regularmente. Numa das primeiras cenas, Maria está na fila para ser atendida, sabe que está grávida, mas, ao ver sua companheira ser levada ao quartinho para o procedimento do aborto, tem a primeira reação contra o que a espera.

Ela segue escondendo seu problema como pode, mesmo do namorado, que a percebe estranha. Sem jeito com a “encomenda”, Maria se vira como pode para fazer com que o bebê que lhe foi confiado deixe de chorar, enquanto carrega, ainda, seu fuzil e uma pesada mochila. Os guerrilheiros que a acompanham não entendem porque ela não consegue controlar o bebê, que berra pela separação da mãe verdadeira e, assim, expõe sua localização aos paramilitares e aos soldados do Exército, que estão em seu encalço na floresta. O clima entre o grupo vai ficando tenso.

Enquanto isso, Maria vai se envolvendo com o bebê e vendo despertar seu instinto maternal. A partir daí, impõe-se para a ela a vontade de decidir sobre o seu próprio destino e da criança que leva na barriga. Só que a escolha, na guerrilha, para os soldados de baixo escalão, não é algo permitido, e ela precisa decidir se enfrenta seus companheiros e chefes, se escapa ou se deixa-se matar.

Num momento de aceleração dos acontecimentos, encurralados pelos “paracos” (como chamam aos paramilitares), o namorado de Maria decide que o bebê do comandante deve ficar com um casal de idosos camponeses, até que o grupo se encontre a salvo. Maria se revolta, e acaba revelando que ela mesma também está grávida, de quatro meses. Ele se enfurece e diz que buscará um médico imediatamente para realizar o aborto, Maria se recusa.

A partir desse momento, ao lado de seu amigo Yuldor (Erik Ruiz), também um garoto, que machuca uma perna na travessia, ambos começam a questionar, afinal, o porquê  de estarem na guerrilha. Mas o debate é menos verbal do que se imagina, se dá por olhares contrariados, pequenos gestos de resistência e defesa. A carnificina da guerra, com o encontro de corpos enforcados pendurados em povoados destruídos, já não lhes parece uma consequência normal do conflito que nunca questionaram, mas algo que vai tomando cores absurdas.

Cartaz de "Alias Maria", representante colombiana no Oscar 2017
Cartaz de “Alias Maria”

Segundo a diretora da academia de cinema colombiana, a escolha de “Alias Maria” tem a ver com o momento político que vive o país e representa um modo de mostrar ao mundo o conflito por meio dos dramas humanos de que é composto. O governo colombiano e as Farc estão às vésperas de assinar um acordo de paz, que passará por um plebiscito. Em caso de ser aprovado, poderá colocar um a um conflito de mais de 50 anos e que deixou 250 mil mortos e mais de 8 milhões de refugiados internos. 

Já Rugeles diz que seu filme é uma tentativa de “fazer uma contribuição para a memória desse período, dessa guerra e de seus heróis desconhecidos, essa outra realidade colombiana”.

O filme segue uma tendência de crescimento da importância do cinema colombiano na cena regional, e de aumento de sua participação e projeção em festivais europeus. Impulsados por novas leis de incentivo e com uma nova geração de cineastas engajados em mostrar um país que muda e que pela primeira vez dá acesso a áreas antes vedadas pelo conflito, os filmes começam a mostrar o drama da vida em meio a violência, como em “Alias Maria” ou “Manos Sucias”, ou simplesmente desvendando uma região do país, sua história e suas cores, até então desconhecidas, como o longa “O Abraço da Serpente” e o documentário “Colombia Magia Salvaje”.

 

 

 

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