Sylvia Colombo https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br Latinidades Tue, 30 Nov 2021 12:31:53 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 11 de Setembro chileno é lembrete para escalada autoritária na América Latina https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2021/09/10/11-de-setembro-chileno-e-lembrete-para-escalada-autoritaria-na-america-latina/ https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2021/09/10/11-de-setembro-chileno-e-lembrete-para-escalada-autoritaria-na-america-latina/#respond Fri, 10 Sep 2021 23:52:20 +0000 https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/files/2021/09/allende-320x213.jpg https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/?p=3897 Já não se fazem mais golpes de estado como o chileno. E ainda bem!

Porém, a lembrança do pesadelo iniciado naquela manhã de 11 de setembro de 1973 deve servir de aviso para os que acompanham, neste momento, a escalada autoritária de vários líderes latino-americanos: na Nicarágua, em El Salvador, na Venezuela e no Brasil, entre outros.

O golpe militar chileno foi violento, resultou na morte dos apoiadores do presidente Salvador Allende e levou o próprio líder socialista a cometer suicídio. As Forças Armadas bombardearam seu próprio país, causando destruição, mortos e prisioneiros de guerra. Daí em diante, e por pelo menos 16 anos, o Chile teve perseguição a opositores, torturas, desaparições, ataques e censura aos meios de comunicação. As liberdades individuais deixaram de existir.

Se no início houve participação ativa e apoio dos EUA para a instalação do regime do general Augusto Pinochet, os norte-americanos passaram a pressionar pela redemocratização do país no fim dos anos 1980. Um regime ditatorial de linha-dura tão longo, naqueles tempos, tinha péssima reputação internacional, com organismos de defesa dos direitos humanos e grande parte da sociedade pressionando contra.

Os ventos mudaram ainda mais e, hoje, mostra-se cada vez menos provável (porém não impossível) que um golpe tão brutal como o chileno volte a ocorrer na região.

Boa notícia por um lado. Por outro, os autocratas do século 21 continuam com sede de poder e com impulso para avançar contra as instituições. Porém, parece que ficou démodé, na região, aplicar o golpe clássico, com tanques nas ruas, bombardeio da sede de governo, campos de detenção, pessoas arremessadas no mar ou no deserto por aviões ou helicópteros, milhares de exilados políticos e outro tanto de desaparecidos.

Hoje, eles usam outros recursos. O mais comum é o contorcionismo na interpretação das leis. Muito popular entre aqueles que creem que são a única solução possível para seus países e que, por isso, precisam ficar no poder indefinidamente. Mudaram suas constituições para fazê-lo Hugo Chávez (Venezuela), Daniel Ortega (Nicarágua), com sucesso, Rafael Correa (Equador) e Evo Morales (Bolívia), que fracassaram na tentativa. O mais recente a alterar uma Carta para poder ficar mais tempo no cargo foi Nayib Bukele, de El Salvador.

O contorcionismo nas leis também serve para chegar a cargos sem estar na linha de sucessão direta pelo poder, como fez Jeanine Yáñez em sua tomada da Presidência da Bolívia. Ao final, foi derrotada nas urnas e agora passa uns maus bocados na prisão.

Outra ferramenta dos novos autocratas é atuar de modo diferente com a oposição. Não se trata mais de abafá-los ou afogá-los. É certo que opositores continuam sendo presos e perseguidos, mas a estratégia mais eficiente é outra. Realizam-se eleições maquiadas, comprometidas, em que opositores podem se inscrever, fazer campanha, obter apoios, mas, ao final, uma fraude frustra seus sonhos e mantém no cargo quem já estava.

Exemplos: Venezuela e Nicarágua. Os chavistas vivem repetindo que são dos países que mais fazem eleições na região. É fato, mas cometem irregularidades e as vencem. São eleições de fantasia. Para não dar bandeira, em algumas votações regionais, deixam que um opositor vença. Mas, meses depois, colocam um interventor, um “protetor do estado” para assessorá-lo.

Por fim, outra atuação diferente nos dias de hoje é com a imprensa. É certo que ainda há prisão e até mortes de jornalistas. Mas parece que os autocratas aprenderam, por fim, que calar um jornalista não cala os demais, e às vezes tem até efeito contrário. Eles, então, atuam de modo mais pragmático: tentam sufocar economicamente os meios de comunicação. Ameaçam empresários para que não publiquem anúncios nos veículos independentes, chegam a mudar regras cambiarias para que tenham dificuldade de obter dólares para comprar recursos. No caso do La Prensa, da Nicarágua, que acaba de encerrar sua versão impressa, o regime havia bloqueado uma compra de papel que está apodrecendo na aduana do país.

Pinochet foi, ao lado de colegas sanguinários como Rafael Trujillo (República Dominicana) ou a Junta argentina dos anos 1970, uma nefasta figura do mal. Mas seria um erro virar a página e pensar que esses personagens ficaram obsoletos e caricatos. Os novos autocratas latino-americanos estão determinados a seguir avançando sobre as instituições e inflando seus poderes.

Não é o momento para baixar a guarda e deixar de vigiar seus passos.

 

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O que querem os mapuche? https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2021/07/06/o-que-querem-os-mapuche/ https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2021/07/06/o-que-querem-os-mapuche/#respond Tue, 06 Jul 2021 22:42:40 +0000 https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/files/2021/07/maxresdefault-320x213.jpg https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/?p=3828 Poucos quiseram responder ou sequer ouvir essa pergunta desde o tempo em que o Chile foi colonizado pelos espanhóis, e parece que mais ainda depois de sua independência, em 1818. Mas os mapuche, povo original que já vivia nas terras que hoje são o Chile, jamais desistiram de levantar a voz e fazer suas reivindicações, apesar de poucos ouvirem.

Depois de séculos de dominação, usurpação de suas terras, debilitação das fontes naturais que usavam para viver e tentativas de acabar com seu idioma, o mapudungun, os mapuche do Chile finalmente chegaram a um lugar de importância política para a tomada de decisões no país. Por 96 votos, a líder ativista e doutora em linguística Elisa Loncón, 58, foi eleita líder da Assembleia Constituinte, que durante um ano irá redigir a nova Carta do Chile. A que está agora em vigor, promulgada pelo general Augusto Pinochet, em plena ditadura militar (1973-1990), sequer registrava que os mapuche, assim como outros 9 povos originários que vivem no país, existiam. E não lhes conferia nenhum tipo de soberania territorial ou cultural.

Quando os jovens saíram às ruas em 2019, e continuaram saindo por meses e meses, até que a Assembleia Constituinte fosse uma realidade aceita pelo poder tradicional, uma das bandeiras que levavam era a do reconhecimento dos povos originários.

Passado o momento histórico do último domingo (4), porém, muitos podem se perguntar, quem são e o que querem os mapuche?

Os mapuche, grosso modo, habitam as regiões centro e sul do Chile, além de parte da Argentina. Estão concentrados no que é a Araucania chilena e parte da Patagônia argentina. No Chile, são atualmente 2 milhões de indígenas. A comunidade mapuche argentina é menor, com cerca de 600 mil pessoas.

 

Seus objetivos e sua forma de chegar a eles diferem, mas seu objetivo é resgatar a soberania dessa nação indígena, e poder viver segundo costumes, idioma e organização política de acordo com suas tradições.

Loncón é uma líder mapuche moderada, ativista principalmente no que diz respeito à manutenção do idioma e da celebração da cultura. Tanto que se dedica a ensinar e fomentar que se fale o mapudungun. Porém, ela também entrou, logo nos primeiros dias, num tema mais polêmico, o dos chamados “presos políticos” mapuche, que ela pede que sejam libertados.

Os indígenas creem que se tratam de presos políticos porque o governo atual, do centro-direitista Sebastián Piñera, é hostil à causa mapuche e persegue os indígenas, usando contra alguns grupos de ativistas, por exemplo, a lei anti-terrorista. No sul do país, a maior parte da população branca também pensa assim, principalmente os donos de terra que se veem confrontados pelos mapuche que pedem devolução das terras que reclamam pertencerem a eles. Alguns grupos, em suas manifestações, são violentos e atacam fazendas, chegando a colocar fogo em propriedades com os donos dentro.

O tema é sensível e divide os chilenos. Afinal, trata-se de graves delitos. Também divide os mapuche. Tanto que Elisa Loncón, assim como outras lideranças, optaram pelo caminho democrático para participar da política e serem ouvidos. Mas existem grupos, como o CAM (Coordinadora Arauco-Malleco), que usam violência. Alguns chegam a defender delitos violentos contra os brancos considerados, por eles, invasores.

Há, também, outros meios que os mapuche usam para levantar sua voz, como realizar protestos e manifestações pacíficas, tentar eleger-se para cargos municipais nas comunidades em que vivem. Apesar de alguns agirem de modo violento, a maioria dos mapuche toma decisões de modo coletivo em enormes assembleias.

A propriedade da terra é um tema central. O CAM, por exemplo, defende uma demarcação do território mapuche, incluindo a parte argentina, e que este seja um país independente, não-capitalista, vivendo de acordo com a cultura ancestral. Outros grupos creem que isso pode ser algo mais flexível, que eles são mapuche, mas também chilenos. E gostariam apenas de incorporar a ideia do “bem viver”, como é conhecido o conceito do “sumak kawsay” ao sistema político de seu país. O “bem viver” é uma ideologia que adota o ponto de vista indígena para as questões da sociedade, e foi incorporado, por exemplo, nas Constituições do Equador, por Rafael Correa, e da Bolívia, por Evo Morales. O sumak kawsay certamente será uma expressão muito ouvida e debatida nos encontros constituintes.

Outros temas de interesse dos mapuche virão à tona nas sessões legislativas e nas manifestações mapuche nos próximos meses. Os indígenas querem o fim de uma segregação marcada pelo preconceito com relação a eles. A cultura elitista chilena costuma colocar os mapuche num lugar inferior, e por muito tempo eles estiveram praticamente invisibilizados. O movimento de 2019 levou a bandeira mapuche para o centro de Santiago. Nos últimos anos, jovens brancos adotaram outros símbolos e roupas mapuche como um sinal de que esperavam um novo tempo em seu país.

Também a pauta ambiental é importante para os mapuche, e defendida pelos jovens manifestantes. São históricas as brigas dos mapuche para garantir seu acesso à água e aos recursos naturais, em terras em que foram instaladas mineradoras que as secaram ou as envenenaram.

Os mapuche também pedem um reconhecimento de seus padecimentos desde a chegada dos espanhóis. O Estado chileno, entre 1861 e 1883, ordenou a “pacificação da Araucania”, o que afastou os mapuche de suas terras mais ricas para lugares mais inóspitos, onde conheceram a pobreza em que muitos ainda estão. Essa campanha militar do século 19 também assassinou a muitos. E não houve uma reparação histórica desses abusos. Essa reparação ajudaria, quiçá, num processo para chegar a uma sociedade mais igualitária. Hoje em dia alguém de ascendência mapuche num emprego bem remunerado ganha 60% menos que os brancos.

Há também casos de violência contra os mapuche, mais recentes, em que ainda faltam explicações, como o assassinato do ativista Camilo Catrillanca, 28, que foi baleado pelas costas quando fugia de um confronto numa manifestação.

A lista de itens é longa, e as diferenças, históricas. Mais uma vez é inspirador que o Chile esteja canalizando seus problemas e diferenças por uma via democrática, de diálogo, para a redação de uma nova Constituição. A outra alternativa inevitavelmente levaria a mais polarização e violência.

 

 

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América Latina em 2021, o que vem por aí? https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2021/01/05/america-latina-em-2021-o-que-vem-por-ai/ https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2021/01/05/america-latina-em-2021-o-que-vem-por-ai/#respond Tue, 05 Jan 2021 23:58:45 +0000 https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/files/2021/01/pleb2-320x213.png https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/?p=3714 Se 2020 foi um ano difícil para a América Latina, 2021 não parece que será muito melhor. Economias que já vinham desacelerando iniciam o o ano com quedas de PIB acentuadas por conta da pandemia. Na área da saúde, as novas ondas ou mutações do coronavírus parecem estar chegando muito mais rápido do que as vacinas. E, no meio de toda essa tempestade, vários países vão trocar de comando ou renovar parlamentos. Com isso, veremos candidatos fazendo promessas de campanha que dificilmente poderão cumprir e governantes tendo de realizar ajustes pouco populares que, deste modo, devem colocar mais lenha na fogueira das tensões sociais.

Más notícias já começaram nesta terça-feira (5), com a posse da nova Assembleia Nacional venezuelana, eleita em um pleito marcado por irregularidades e pelo boicote dos principais partidos. Assim sendo, o parlamento, último bastião de uma bastante imperfeita oposição, acaba de cair. O chavismo, agora, toma conta do Executivo, do Judiciário e do Legislativo de um país em grave crise humanitária, sem liberdade de expressão e com centenas de presos políticos. Para quem tinha dúvidas sobre o caráter ditatorial do regime, o discurso de Jorge Rodríguez prometendo perseguir Juan Guaidó e seus seguidores ajuda a dissipá-las.

O Chile vive um ano de transformações e sonhos, e espera-se que estes não se frustrem. Um calendário eleitoral atolado de votações, porém, pode atrapalhar um pouco. Em 11 de abril, os chilenos voltam às urnas para escolher os 155 integrantes da Assembleia Constituinte. O voto dos chilenos, em outubro último, no plebiscito que decidiu pela redação de uma nova Carta, foi nitidamente contra a classe política hoje no poder. Se isso sugere uma renovação, é uma excelente notícia. Mas é uma pena que a eleição para essa assembleia vá ser atropelada por uma campanha presidencial que já começou _o Chile escolhe o sucessor de Sebastián Piñera em 21 de novembro. Se o ano anterior foi de protestos constantes e nervosos, este será de escolhas, num país em que o debate está muito polarizado. O que parece certo é que o chamado “modelo chileno” deve terminar de se desmontar. O que viria no lugar dele?

As pesquisas indicam que o mal-estar contra a política tradicional, já sugerido no plebiscito, continuará. Prova disso é que quem lidera as pesquisas, o prefeito comunista de Recoleta, Daniel Jadue, tem apenas 18% das intenções de voto. E, em segundo lugar, está o direitista Joaquín Lavín, com 11%. Em terceiro lugar, o ex-chanceler de Bachelet, Heraldo Muñoz, com 3%. Ou seja, a maioria dos eleitores ainda está indeciso, ou não quer votar, o que deixa o cenário bastante aberto. A atual popularidade de Piñera também não entusiasma mais ninguém: 16%.

 

A primeira eleição presidencial do ano ocorre em pouco mais de um mês. Trata-se da escolha do sucessor de Lenín Moreno no Equador, em 7 de fevereiro. Depois de um ano de revoltas e em que a cisão da sociedade ficou clara, veio o ano da peste. Foi da cidade litorânea de Guayaquil que vieram talvez as mais terríveis imagens da chegada do coronavírus na região. Hospitais e cemitérios lotados, corpos abandonados nas ruas, enterros coletivos sem identificação dos cadáveres.

O governo de Lenín Moreno, que tão logo começou, em 2017, já se opôs a seu padrinho, Rafael Correa, foi marcado especialmente por esses dois eventos: as manifestações indígenas de 2019 contra o ajuste no combustível e o modo como o país foi golpeado pela pandemia. Todo o demais acabou ficando pequeno. Moreno, mesmo, não buscou nem sugeriu concorrer à reeleição. O governo sequer terá um candidato próprio na contenda.

Mas Rafael Correa, que se sente injustiçado e está condenado a 8 anos de cadeia por corrupção, não desistiu de nada. Primeiro, insinuou candidatar-se a vice de Andrés Arauz, repetindo a fórmula de Cristina Kirchner com Alberto Fernández, mas não deu certo. O fato de estar sentenciado e foragido _vive na Bélgica_ impediu que se candidatasse. Mas seu novo apadrinhado, participará e, se ganhar, terá o mesmo dilema de Moreno, ou ser um fantoche nas mãos de Correa ou também romper as relações com ele.

Arauz concorre com outros 15 candidatos, embora vários com indicação de uma votação inexpressiva. Quem lidera é o candidato de Correa, com 24% das intenções de voto. Em segundo e em terceiro, ressurgem dois veteranos da política equatoriana de poder regional e setorizado, o empresário Alvaro Noboa, com 17%, e o banqueiro Guillermo Lasso, com 12%. Arauz é de Quito, os últimos dois, de Guayaquil, coração financeiro do país. Assim como no Chile, os que não sabem em quem votar ou simplesmente não querem votar são mais de 50%. A rejeição ao modelo político tradicional também se nota no Equador.

Já os peruanos deveriam estar aliviados com a chegada das eleições, em abril, quando finalmente poderiam colocar fim a um mandato em que deu quase tudo errado. Houve três presidentes e dois Congressos, que se sabotaram o tempo todo entre si. Porém, não é bem assim. A apatia e a falta de envolvimento com as possíveis candidaturas também se nota no país andino.

A liderança nas pesquisas é do ex-goleiro do popular time Alianza e atual prefeito do município de La Victoria, George Forsyth, com uma cifra também magra, 18% das intenções de voto. Em segundo, está Julio Guzmán, do partido Morado, que cresceu muito nos últimos tempos. Na eleição mais recente, Guzmán vinha liderando, até que sua candidatura foi impugnada por uma questão técnica que foi bastante contestada. Porém, ele pertence ao partido Morado, do atual presidente interino do país, Francisco Sagasti, o que poderia ajudar a dar um impulso à sua candidatura.

Atrás de Guzmán, está a esquerdista Verónika Mendoza, com 6,5%, que foi uma das responsáveis por desempatar a eleição de 2016, em que o centro-direitista Pedro Pablo Kuczynski venceu por muito pouco a direitista Keiko Fujimori. No último momento, Mendoza anunciou o apoio da esquerda ao candidato, com quem admitia publicamente ter muitas diferenças, apenas para impedir a volta do fujimorismo ao poder. Agora, Mendoza planejava voar mais alto, mas com essa intenção de voto, pode não ser uma candidata competitiva. De todo modo, os números do Peru também mostram que um setor grande do eleitorado tampouco está decidido ou animado a votar. Assim como no Chile e no Equador.

Também haverá “eleição” na Nicarágua, e deixo entre aspas porque a ditadura já inviabilizou legalmente a participação da oposição, o que deve fazer com que seja fácil que tanto Ortega como sua mulher, Rosario Murillo, assim que decidirem quem concorrerá, vença o pleito. Murillo é uma figura-chave do regime hoje. Além de vice-presidente, é a figura mais ativa e a voz mais ouvida do governo, enquanto Ortega tem passado vários meses desaparecido, surgindo apenas de vez em quando.

Outro país centro-americano cheio de problemas irá às urnas neste ano, trata-se de Honduras, que, além da crise econômica e da pandemia, lida com o impacto de furacões e dos enfrentamentos entre grandes empresas mineradoras e líderes ambientalistas, embate que já levou à morte muito destes.

Há, ainda, duas eleições legislativas importantes. Na Argentina, onde vários economistas preveem que virá uma crise como a de 2001 e no México, onde a gestão de López Obrador será julgada nas urnas. O mexicano elegeu-se em 2018 prometendo uma renovação pela esquerda, mas tem se mostrado cada vez mais um populista conservador que, ainda por cima, não vem lidando nada bem com a pandemia.

 

O que certamente está garantido é que não faltarão notícias na região.

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Que ninguém limpe as paredes de Santiago https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2020/10/24/que-ninguem-limpe-as-paredes-de-santiago/ https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2020/10/24/que-ninguem-limpe-as-paredes-de-santiago/#respond Sun, 25 Oct 2020 00:09:53 +0000 https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/files/2020/10/chile-vale-screenshot-320x213.png https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/?p=3675 Desde 18 de outubro de 2019, o Chile vive um momento histórico. Começou com a onda de protestos que completou um ano na última semana, passa pelo plebiscito para aprovar ou não a redação de uma nova Constituição, neste domingo (24), e certamente continuará durante os próximos meses, ou anos, em que o país debaterá uma nova forma de organização do Estado e da sociedade.

Seja qual for o desenlace desse processo, um dilema já está no ar. O que fazer com a quantidade gigantesca de grafites, mensagens, bandeiras, pôsteres, cartazes tipo lambe-lambe e colagens com mensagens políticas que cobrem estátuas, muros de prédios públicos e particulares, comércios, pontes e bancos de praça?

Há quem defenda que tudo seja limpo, para preservar o belo patrimônio arquitetônico de Santiago. Em geral, esse grupo vê essas mensagens como vandalismo, sujeira, poluição visual. Há os mais neutros que sugerem que se tirem fotografias dessas imagens e que estas sejam exibidas como um retrato de época. E, por fim, os que creem que é melhor deixar assim, pois a cidade se mostra mais viva, como se estivesse dialogando com a sociedade em busca de uma saída de seus problemas. Sou das que opinam que se deve deixar tudo como está. Afinal, é a melhor maneira de entender o que pensam aqueles que se manifestam pró ou contra a atual situação.

“Fora Piñera”, “Mais lésbicas, menos policiais”, “fora, comunistas”, “liberdade aos presos políticos” são algumas das mensagens, acompanhadas de fotos ou desenhos de indígenas, mulheres, do compositor Victor Jara, assassinado durante a ditadura (1973-1990), além de mensagens escritas no idioma dos povos mapuches que habitam o sul do país. Há, ainda, imagens em branco e preto de manifestantes com um olho sangrando, em vermelho vivo.

Caminhar por Santiago e ver essas mensagens é uma das melhores maneiras de entender o que está acontecendo e o que se reivindica. Mais oportunidades para os jovens, melhores aposentadorias para os idosos, uma nova legislação sobre a reprodução feminina, representação para as minorias, a revolta contra os abusos da polícia. Passar os olhos por elas é entender o que vem movendo parte da sociedade chilena neste turbulento ano.

Mais, as mensagens visuais na cidade se conectam com uma tradição chilena. Pouco antes de começar a ditadura e mesmo durante o regime militar, havia grupos que se reuniam para pintar murais. Os primeiros surgiram ainda durante o governo do socialista Salvador Allende, representando os trabalhadores e indígenas do país. Depois do golpe que terminou com a democracia e com a vida de Allende, esses coletivos passaram a trabalhar na clandestinidade, usando a arte como uma forma de resistência.

Tanto naquela época como agora, as autoridades corriam para apagar as mensagens e intervenções. O caso é que, nos últimos meses, a profusão de manifestações foi tão grande que não há tempo para apagar tudo. A essa altura dos acontecimentos, talvez seja melhor deixar tudo como está.

É como se a cidade explicasse ao visitante o que vem acontecendo nela, ao mesmo tempo em que recorda diariamente seus cidadãos da lista de problemas que o país ainda têm para resolver.

 

 

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Cinco filmes para entender o Chile https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2019/10/23/cinco-filmes-para-entender-o-chile/ https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2019/10/23/cinco-filmes-para-entender-o-chile/#comments Thu, 24 Oct 2019 00:24:41 +0000 https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/files/2019/10/missing_costa-gavras-320x213.jpg https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/?p=3428
Cartaz do filme “No”, de Pablo Larraín, com Gael García Bernal

Quer entender o que está rolando no Chile? Esses filmes não falam diretamente da atual inquietação social, mas ajudam a compreender a história e a cultura do país.

  1. “A Batalha do Chile” (Patricio Guzmán, 1975-1979) – Essa trilogia de documentários traz a visão privilegiada do cineasta que retratou os antecedentes da eleição de Salvador Allende, a tensão social e a polarização da sociedade no começo dos anos 1970, até culminar no golpe de Estado. Há passagens históricas, como o momento em que o câmera argentino Leonardo Henrichsen é morto enquanto grava o próprio tiro que o alvejou. Também existem cenas que lembram as de Santiago nos dias de hoje, ruas vazias, fumaça de gases, tanques e soldados avançando contra uma multidão. Guzmán também vai a encontros de trabalhadores, reuniões sindicais e paradas militares.
    Cena de “A Batalha do Chile”, de Patricio Guzmán (Foto Divulgação)

     

  2. “Violeta Se Fue a Los Cielos” (Andrés Wood, 2011) – Neste filme, temos a biografia da compositora, investigadora e cantora Violeta Parra (1917-1967), que recuperou a tradição oral e musical dos indígenas chilenos e a transformou em cultura popular, sendo reconhecida internacionalmente. De suas pesquisas nos Andes, pedindo que os músicos das comunidades tocassem e cantassem para que ela aprendesse, Parra viaja a Europa e a então União Soviética. Na volta, começa a organizar as “peñas”, centros comunitários de arte e de debate político que marcaram sua época. Frustrações amorosas e pessoais vão se acumulando, até que ela se suicida.
    Cena de “Violeta Se Fue a Los Cielos” (Foto Divulgação)

     

  3. “No” (Pablo Larraín, 2012) – O drama ficcionaliza a famosa “campanha do não”, que ocorreu em 1988, quando se deu um plebiscito que decidiria se os chilenos queriam que a ditadura de Pinochet continuasse ou não. Baseada em obra do escritor Antonio Skármeta, o filme é protagonizado pelo mexicano Gael García Bernal, que integra a equipe que faz a campanha publicitária para o “não” vença. O filme mostra como ele conseguiu armar uma estratégia que transformou uma mensagem com uma palavra negativa em algo festivo, alegre, enquanto a campanha do “sim” era burocrática e baseada em números e balanços da gestão. O “não” acabou vitorioso. O atual presidente chileno, Sebastián Piñera, diz ter votado, na época, pelo fim da ditadura.
  4. “Machuca” (Andrés Wood, 2004) – Durante o governo socialista de Salvador Allende, encerrado pelo golpe de Estado de 1973, havia um programa do governo que trazia indígenas de comunidades para estudar em Santiago. O filme mostra a relação do menino branco e burguês Gonzalo Infante e o humilde Pedro Machuca ,numa escola católica de Santiago. É uma oportunidade de ter um retrato da sociedade chilena que apoiou o golpe e, ao mesmo tempo, de entender a desigualdade social tão profunda do Chile, algo que não foi resolvido até hoje e que permeia as atuais manifestações.
    Cena do filme “Machuca”, de Andrés Wood (Foto Divulgação)

     

  5. “Missing” (Costa-Gravas, 1982) – Esse clássico com Jack Lemmon e Sissy Spacek é baseado numa história real, a do jornalista norte-americano Charles Horman, que desapareceu logo após o golpe de 1973. Seu pai e sua mulher o buscam por todas as partes, mas nunca o encontram. O filme, que ganhou a Palma de Ouro em Cannes, foi banido no Chile até o fim da ditadura, em 1990.
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Série revela camadas escondidas da realidade chilena https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2018/06/04/serie-revela-camadas-escondidas-da-realidade-chilena/ https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2018/06/04/serie-revela-camadas-escondidas-da-realidade-chilena/#respond Mon, 04 Jun 2018 22:08:59 +0000 https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/files/2018/06/Afiche-Bala-Loca-320x213.jpg http://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/?p=3156
Cartaz de divulgação de “Bala Loca”, com a atriz Catalina Saavedra, que interpreta a jornalista Paula Fuenzalida (Foto Divulgação)

A produção chilena “Bala Loca”, que recentemente estreou na Netflix (ao menos nos países hispânicos), mostra como o Chile de hoje segue amarrado a seus traumas do passado, ao mesmo tempo em que o jornalismo vai mudando, tentando sobreviver aos novos tempos e a chegada de novas plataformas, e permanecer relevante, descortinando os crimes de gente poderosa.

A trama se desenrola a partir do assassinato de uma jornalista famosa, nos tempos atuais sem trabalho nos grandes meios, mas que através de seu blog vinha revelando escândalos de corrupção e o envolvimento de militares no encobrimento dos crimes da ditadura (1973-1990) e de outros novos. Estes delitos, como Paula Fuenzalida (Catalina Saavedra) estava a ponto de denunciar quando foi morta, num assalto a um supermercado cujo objetivo real era assassina-la, revelam uma tragédia que segue ocorrendo no Chile. Enquanto as Forças Armadas tentam “limpar” sua imagem, livrando-se do que chamam de “pinochetismo”, a ala dura dos seguidores do ditador segue mantendo pactos de silêncio e continuando a cometer delitos, que a série aos poucos vai mostrar.

O cenário do jornalismo, a partir do qual a história é contada, é variado. Existem os jornais tradicionais, lutando com a crise de recursos de publicidade, está o chamado “jornalismo de farândula”, que se resume em buscar histórias que queimem a reputação de gente famosa, e um grupo de jornalistas vanguardistas comandados por dois veteranos da imprensa num meio digital recém-lançado, o “En Guardia”. Um deles é Mauro Murillo (Alejandro Goic), que foi famoso em seu tempo de jornalista de investigação, navegou pela farândula, e teve um passado ligado à guerrilha _seu irmão foi morto pela repressão militar_ e hoje vive uma decadência pessoal depois de um acidente que o deixou paraplégico. A outra é Gabriela Vuskovic (Trinidad González), uma editora de ética muito restrita, que coloca na linha seus “focas” e acaba levando a investigação pelo lado correto.

O grupo investiga a morte de Fuenzalida ao mesmo tempo em que tenta terminar a investigação que ela estava realizando, tateando, errando, e sendo duramente ameaçado. As relações entre eles vão mostrando alguns temas ainda tabu na sociedade: a mulher que está infeliz mas não se divorcia do marido, o garoto gay que arruma uma namorada para fugir do bullying.

O personagem mais interessante da trama é o pai de Murillo, um homem que se refugiou na costa porque não aguentou o assassinato do filho menor e no que o Chile se transformou. É dele que saem os melhores insights sobre o Chile de hoje, e que levam Murillo filho a perseguir e a descobrir o torturador que matou seu irmão.

Em ritmo de thriller e com boas atuações, os 10 capítulos estão bem amarrados. E o final, que aparenta ser feliz, infelizmente não o é, pois mostra que poucos podem escapar das corrupções da atualidade, até os antes defensores de alguma ética.

 

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A desigualdade é uma marca no Chile desde os tempos coloniais, diz economista https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2017/11/18/a-desigualdade-e-uma-marca-no-chile-desde-os-tempos-coloniais-diz-economista/ https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2017/11/18/a-desigualdade-e-uma-marca-no-chile-desde-os-tempos-coloniais-diz-economista/#respond Sat, 18 Nov 2017 13:39:28 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/?p=3018
Periferia de Valparaíso, no Chile (Foto La Tercera)

Publiquei hoje em Mundo uma matéria sobre a decepção dos chilenos com relação ao crescimento parco do país nos últimos anos e com o fato de se tratar de um dos mais desiguais da América Latina. Aqui, reproduzo na íntegra a entrevista com o economista Osvaldo Larrañaga, que coordenou o estudo “Desiguales”, organizado pelo PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), e que explica o contexto histórico e político dessas disparidades. Larrañaga fez seu doutorado na universidade da Pensilvânia e hoje é professor da Universidade do Chile.

Folha – Quais os principais motivos para realizar o estudo “Desiguales”?

Osvaldo Larrañaga – O projeto nasceu da necessidade de ter um texto de referência sobre a desigualdade socioeconômica no Chile, que desse conta de suas manifestações, causas, canais de reprodução e mudanças ao longo do tempo. Queríamos que estivesse baseado em sólida evidência quantitativa, mas que também considerasse a dimensão subjetiva da desigualdade: como se vive em um país desigual e quais são as normas e valores sociais que contribuem para que se reproduza ou modifique a desigualdade no tempo?

Também oferecemos uma visão histórica do fenômeno, uma vez que a desigualdade tem sido uma marca da sociedade chilena desde os tempos coloniais. Em resumo, trata-se de um texto que dá conta, em forma compreensiva, do problema da desigualdade do país, para que seja usado tanto por universitários como por quem trabalha no planejamento de políticas públicas, além de interessados em geral no tema.

Folha – Como se explica que o Chile, apesar de ser o país mais desigual entre os integrantes da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico), tenha uma pobreza de 11,6%, considerada baixa se comparada a outros países da região?

Larrañaga – O Chile reduziu a pobreza a menos de uma quinta parte do seu índice de 1987. A queda tem sido resultado, principalmente, do crescimento da economia, que criou empregos e incrementou o ingresso dos lares. Se trata, porém, de um aumento no nível de ingresso, que não tem porque vir acompanhado de mudanças na distribuição. Para a redução da pobreza também contribuiu uma política social que entregou, de forma gratuita ou fortemente subsidiada, educação, saúde, moradia e outros serviços à população de menores recursos.

O mesmo crescimento da economia deu mais recursos aos governos do período, que o usaram para incrementar o gasto social. Entre 1990 e 2016, o gasto público em educação se multiplicou em seis vezes. Ou seja, em 600% em termos reais.

Folha – O estudo aponta para problemas que nasceram em tempos coloniais, como a distribuição desigual de terras e riquezas. Por que foi difícil para os governos do século 20 afrontar o problema?

Larrañaga – Ao longo da história sempre houve no país uma classe alta que concentrou parte significativa da riqueza, ainda que a elite econômica e suas fontes de ingressos tenham ido mudando com o tempo. Dito isso, o século 20 foi um período de mudanças sociais de envergadura, principalmente pela massificação da classe média, que modificou a estrutura social. Até então, esta se compunha de uma elite de tamanho reduzido, uma classe média pequena de funcionários estatais e profissionais do mercado, e uma grande massa de setores populares.

No século 20, a classe média se constituiu como um grupo de grande importância, tanto quantitativa como politicamente. Na década de 1920, deu-se início a políticas de segurança social e de ajudas do Estado, assim como aumentou a participação de partidos políticos de centro e de esquerda, que modificaram o mapa do poder no país.

A desigualdade se reduziu nas décadas seguintes, mas esse processo depois foi revertido pelas reformas liberais impulsadas pela ditadura (1973-1990), que transformaram profundamente a economia, o papel do Estado, as relações de trabalho e a propriedade das empresas.

Folha – As diferenças geográficas influenciam a desigualdade? No sul do país, por exemplo, os habitantes pagam muito mais por produtos básicos, por conta da dificuldade de acesso e de transporte para a região patagônica. Seriam necessários mais investimentos em infraestrutura?

Folha – O Chile tem uma geografia muito variada e certamente isso influi na desigualdade econômica, social e política entre as regiões. Mas essa dimensão, a territorial, não é o componente principal da desigualdade entre as distintas zonas do país. No interior de cada região há muitos graus de desigualdade de ingressos e de possessão de bens não relacionados a isso. Nas regiões extremas, os preços tendem, sim, a serem mais caros por conta do transporte, mas os ingressos de seus habitantes também são mais altos do que a média nacional, portanto não é isso, individualmente, que faz com que seu nível de vida seja inferior à média nacional.

Folha – O fato de que a Constituição chilena não reconheça os indígenas mapuche como uma comunidade é um fator de peso na medição da desigualdade no Chile?

Larrañaga – Não creio que a falta de reconhecimento constitucional seja um fator fundamental para a desigualdade econômica na região em que vivem (Araucania). A lei reconhece direitos iguais a todos os residentes do país, incluindo os povos indígenas.

Dito isso, porém, é evidente que, na prática, os mapuche tem sido um povo discriminado em termos sociais e culturais, além de terem sido despojados de grande parte de suas terras no fim do século 19. Quando se anexou ao território nacional essa zona, a da Araucania, entre 1600 a 1880, o território compreendido entre os rios Bio Bio e Toltén eram terra mapuche, o que cortava o Chile em duas metades. O resultado do avanço sobre essas terras é que hoje os mapuche são um povo postergado econômica e socialmente, e se localizam na parte inferior da distribuição, em termos de ingresso, status, educação, ocupação profissional etc. Não têm reconhecimento como um povo, e isso deveria ser corrigido.

Folha – A reforma trabalhista proposta pelo governo de Michelle Bachelet poderia reduzir o índice de desigualdade?

Larrañaga – É provável, uma vez que a reforma fortalece o poder de negociação dos sindicatos e a evidência histórica mostra que a ação dos sindicatos foi um fator de redução da desigualdade nos países hoje desenvolvidos. Porém, é necessário ser cauteloso na extrapolação das tendências históricas com relação ao futuro, uma vez que as mudanças tecnológicas em curso vão modificar de forma muito significativa o âmbito do trabalho e das relações trabalhistas, sem que saibamos exatamente como isso vai ocorrer e, portanto, não tenhamos como saber agora que políticas públicas serão necessárias para reduzir os efeitos negativos deste desenvolvimento.

Também é preciso ter presente que os trabalhadores informais não se beneficiam das reformas, e que inclusive podem ser prejudicados se a entrada no setor formal se tornar mais rígida.

Folha – O estudo mostra que, apesar de ser o país mais desigual da OCDE, o Chile vem mudando para melhor. Que fatores influem nisso?

Larrañaga – A desigualdade de ingressos vem caindo desde o ano 2000. Há duas razões imediatas. Por uma parte, há um menor crescimento das remunerações dos profissionais e técnicos, impulsada pelo grande aumento da oferta nos últimos anos, devido à expansão da educação superior. Por outro lado, há um aumento das transferências monetárias do Estado a grupos de menores ingressos, principalmente depois da criação da pensão solidária, em 2008. Portanto, há uma nivelação.

Esses desenvolvimentos também explicam a queda da desigualdade durante a década de 2000 em outros países da região. Uma nota de advertência é que as cifras descritas se referem aos ingressos coletados pelas pesquisas feitas em lares familiares, que não medem bem os ingressos mais altos. Quando se toma a informação individual de ingressos de pessoas e empresas no sistema tributário, é possível constatar que o 1% mais rico obtém 33% do ingresso nacional, e o 0,1% obtém 19,5%. 

Folha – O estudo põe foco nos preconceitos que as pessoas sentem ao receber menos ingressos. No Chile, este é um fator importante de discriminação? As razões seriam culturais e históricas?

Larrañaga – O Chile é, historicamente, un país classista, onde as diferenças de ingressos e de riquezas acompanham as brechas de reconhecimento, status, dignidade e respeito. Há muitos sinais de que essa parte da desigualdade está retrocedendo e de que há maior consciência de que todos somos iguais como pessoas, que o dinheiro não deve comprar privilégios nem respeito, e que o pobre não deve ser estigmatizado por sua condição econômica. 

Esta mudança cultural está em desenvolvimento e é um produto do empoderamento das pessoas que se opõem fortemente a que exista discriminação por conta da condição socioeconômica. Tem a ver, também, com a renovação geracional, porque o sentido de igualdade está muito mais instalado entre os mais jovens.

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Assassinato de Letelier completa 40 anos, e ainda deixa dúvidas https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2016/09/21/assassinato-de-letelier-completa-40-anos-e-ainda-deixa-duvidas/ https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2016/09/21/assassinato-de-letelier-completa-40-anos-e-ainda-deixa-duvidas/#comments Wed, 21 Sep 2016 16:40:19 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/?p=2537 O ex-diplomata chileno Orlando Letelier, morto há 40 anos (Foto Arquivo)
O ex-diplomata chileno Orlando Letelier, morto há 40 anos (Foto Arquivo)

Foi num dia 21 de setembro como hoje, há 40 anos, que um dos piores crimes cometidos durante os tempos das ditaduras no Cone Sul ocorreu. O mais chocante é que este não se deu num centro de detenção clandestino ou nas ruas de Buenos Aires, Santiago, Montevidéu, São Paulo ou Assunção _que já eram atrocidades monstruosas em si. Naquela manhã de outono em Washington, capital dos EUA, o carro em que viajavam o ex-diplomata e ativista chileno Orlando Letelier, 44, e sua assistente norte-americana, Ronni Moffit, 25, explodiu, matando a ambos e deixando ferido o marido da jovem.

Letelier havia sido funcionário durante o governo de Salvador Allende, derrubado em 11 de setembro de 1973, no golpe de Estado no palácio de La Moneda, em Santiago, comandado pelo general Augusto Pinochet. Com a ditadura instalada, Letelier foi preso e enviado para uma gélida ilha no Estreito de Magalhães, onde passou alguns meses. Quando conseguiu sair dali, passando pela Venezuela, rumou para os EUA, onde já havia sido embaixador, e se transformou numa dor-de-cabeça constante para Pinochet.

Com muitos contatos na capital norte-americana, Letelier começou a denunciar os abusos de direitos humanos cometidos pelos militares chilenos em palestras, reuniões e em instituições do Estado. Porém, sua vida, como conta o historiador John Dinges em “Assassination on Embassy Row”, não foi fácil ali desde o começo. Sem dinheiro, com quatro filhos, problemas conjugais (havia tido um “affair” na Venezuela e tentava reatar com a esposa) e sofrendo ameaças de morte, ainda assim seguiu lutando para que sua voz continuasse a ser ouvida.

Apesar de todas as suspeitas de que a autoria do crime havia partido de uma ordem de Santiago, a primeira evidência real de que Pinochet estava por trás do ataque veio à luz apenas no ano passado, com o general já morto.

Foi quando o secretário de Estado norte-americano John Kerry entregou à presidente chilena Michelle Bachelet um pacote de documentos até então classificados. Neles, entre outras coisas, havia uma correspondência dos anos 1980 entre o ex-Secretário de Estado, George Shultz, e o então presidente Ronald Reagan, dizendo que a CIA, por fim, havia reunido “provas convincentes” de que Pinochet havia ordenado pessoalmente seu chefe de inteligência, Manuel Contreras, a realizar o ataque, usando agentes da DINA, a polícia secreta chilena.

Carro em que viajava Letelier e sua assistente, após a explosão (Foto Arquivo)
Carro em que viajava Letelier e sua assistente, após a explosão (Foto Arquivo)

A família de Letelier crê que os EUA tenham mais evidências para apresentar, e pede que o governo desclassifique mais documentos. De fato, o país do norte ainda tem muito a revelar sobre o que ocorreu naqueles anos e qual sua participação em algumas operações. Um bom sinal da boa vontade da atual administração foi que o presidente Obama tenha entregue um pacote similar de documentos ao governo argentino, que apontam para uma maior conexão entre Henry Kissinger e os generais da ditadura militar local (1976-1983), auxiliando a esclarecer parte do que ocorreu naqueles anos.

Dinges, historiador especializado em ações da Operação Condor, porém, afirma repetidamente que muitas das verdades sobre os abusos cometidos durante as ditaduras latino-americanas precisam surgir dos próprios arquivos militares destes países, ou de testemunhos daqueles que protagonizaram a repressão. “Antes que seja tarde demais”, afirmou, em entrevista à Folha, no ano passado.

Hoje, a presidente Bachelet e a família de Letelier participam de uma homenagem ao ex-diplomata, em Washington. Seria importante que o episódio fosse totalmente esclarecido antes de ser esquecido. Quatro décadas já é tempo demais.

 

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A solidão de Michelle Bachelet https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2016/08/06/a-solidao-de-michelle-bachelet/ https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2016/08/06/a-solidao-de-michelle-bachelet/#respond Sat, 06 Aug 2016 14:57:43 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/?p=2435 A presidente chilena Michele Bachelet (Foto La Tercera)
A presidente chilena Michelle Bachelet (Foto La Tercera)

Julho não foi um bom mês para Michelle Bachelet, 64. A crise política que vive o Chile nos últimos meses, desdobramentos de casos de corrupção, denúncia de mau uso de verbas do Estado e a dificuldade de cumprir as promessas de campanha fizeram com que sua popularidade caísse dois pontos desde a última medição. Agora, a presidente chilena tem apenas 17% de apoio popular, menos que Juan Manuel Santos Colômbia, com 20%), o recém-saído Ollanta Humala (Peru, com 23%) e até que Nicolás Maduro (23%). Na verdade, Bachelet neste momento só ganha do interino brasileiro, Michel Temer, e de modo bem apertado. Já a rejeição à sua gestão atingiu 73% (dados Admark). É muito pouco para quem deixou o governo após sua primeira gestão (2006-2010) com mais de 80% de aprovação, e foi eleita para um segundo mandato, não consecutivo, em 2013, com 62%.

Visto de fora, para quem não está totalmente informado sobre o que rola no país andino e acha que aqui no Brasil estamos vivendo um fim de mundo, a pergunta mais óbvia é: “Mas o que há de tão errado no Chile?”.

Primeiro, é preciso entender que as sociedades não medem sua própria satisfação com um governo comparando-se às outros governos que estão indo mal. Se na Venezuela há carestia de alimentos, na Argentina a inflação está a quase 40% e, no Brasil, vive-se nessa tormenta política e em grave recessão, pouco importa para o chileno na hora em que avalia seu próprio presidente. Cada sociedade o faz olhando para seu bolso, para o futuro que pode ver para seus filhos, para o bem-estar próprio, de seus afetos e negócios. E neste sentido, os chilenos não estão se sentindo bem.

Os números da economia tampouco anunciam uma tormenta terrível a atravessar. Em 2015, o crescimento do país foi de 5,6%, e, para este ano, o FMI (Fundo Monetário Internacional) projeta 2%. É pouco, mas bastante aceitável para o momento de desaceleração econômica mundial e a situação na região.

As explicações para a má avaliação de Bachelet já haviam sido assunto de uma matéria que publiquei em Mundo, em maio. Agora, os componentes da crise são os mesmos, mas agravados, e os protestos nas ruas seguem. Nos últimos dias, houve passeatas de estudantes e de aposentados.

Bachelet foi eleita em 2013 com promessa de reformar a Constituição, principalmente para fazer uma reforma educativa, atendendo aos protestos estudantis dos últimos anos, e trabalhista. Ambas estão paradas no Congresso. Também alguns anúncios que fez no começo do governo, a de que impulsaria a aprovação da lei do aborto (o Chile é um dos poucos países do mundo em que o mesmo é proibido em qualquer circunstância) não receberam respaldo.

O caso de corrupção envolvendo sua nora, Natalia Compagnon, chamado de “Nueragate”, que teria obtido um empréstimo milionário por favorecimento ilegal, e acusações de que sua ministra de Justiça havia sido conivente por casos de corrupção na Gendarmeria nacional vêm minando sua imagem. Mesmo o futebol, que andou dando alegrias ao país ganhando as duas Copas América mais recentes, está no meio de um vendaval de acusações de corrupção de sua cartolagem.

Já no parlamento, o apoio de Bachelet vem diluindo-se rapidamente. Seu partido, o Nueva Mayoria, mostra sérias divisões. Enquanto a centro-esquerda e a esquerda se fragmentam, a direita se fortalece. O ex-presidente Ricardo Lagos (2000-2006), figura respeitada nos dois lados do espectro político, deu, na semana passada entrevista ao jornal “La Tercera” dizendo que essa era a crise institucional mais séria que o Chile vive desde o golpe militar de 1973. Não sem interesse particular no assunto, o ex-mandatário, aos 78, cogita lançar-se candidato às eleições de 2017, assim como outro ex-presidente, cuja popularidade vem subindo, o direitista Sebastian Piñera (2010-2014), aos 66.

Parte da bronca dos jovens que vão às ruas é também a falta de alternativas de gente mais jovem concorrendo. Primeiro, porque pela lei chilena, ninguém com menos de 40 anos pode concorrer, o que exclui lideranças populares cujo apoio cresceu a partir das manifestações estudantis de 2006 e 2011, como Giorgio Jackson, 29, e outros.

O certo é que o impasse na governabilidade acabou por acelerar a campanha presidencial do ano que vem, que parece já ter tido início. O Congresso, agora dividido, parece decidir as coisas de forma cada vez mais lenta, esperando a renovação de parte de suas cadeiras, que também só ocorre nessa data. Assim, a própria Bachelet já admitiu que não há condições de aprovar tudo o que prometeu entregar ao fim de seu mandato. É pouco o que pode fazer, de mãos atadas, para reagir neste ano e meio que ainda tem de gestão.

As eleições municipais de outubro, em que, de acordo com as pesquisas, a esquerda deve se enxugar ainda mais e a direita crescer, serão um termômetro da sucessão chilena. Seria interessante que a classe política, de ambos os lados, se renovasse a apresentasse novos nomes, e mais jovens, à contenda.

 

 

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