Sylvia Colombo https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br Latinidades Tue, 30 Nov 2021 12:31:53 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Vacinar jogadores de futebol antes da população de risco? https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2021/04/23/vacinar-jogadores-de-futebol-antes-da-populacao-de-risco/ https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2021/04/23/vacinar-jogadores-de-futebol-antes-da-populacao-de-risco/#respond Fri, 23 Apr 2021 23:21:43 +0000 https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/files/2021/04/Conmebol2-320x213.png https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/?p=3786 Uma notícia escandalosa foi divulgada nos últimos dias. No mesmo momento em que o Cone Sul registra recordes de contaminações e mortes pelo coronavírus e a vacinação caminha de modo lento, a Conmebol anunciou, em modo de festejo, que vacinará 25 mil jogadores para viabilizar seus torneios. Isso mesmo. Serão 50 mil doses do imunizante do laboratório chinês Sinovac que irão proteger 25 mil atletas jovens e saudáveis, antes mesmo de que isso seja feito com grande parte da população de risco desses países, num momento em que temos UTIs saturadas e profissionais de saúde esgotados.

O meu espanto com essa notícia só fez aumentar quando me dei conta de que ela não parece escandalosa para muita gente…

A impressão é de que, quando falamos de futebol por essas bandas, há licença para tudo. Há pouco tempo, vimos outro exemplo, aqui na Argentina. Em novembro, estávamos em plena fase dura da primeira onda da pandemia, com restrições de mobilidade e de horários, até que morreu Maradona. Por um instante, tudo passou a ser possível e permitido. Aglomerar-se, juntar-se, circular sem máscara, gritar, abraçar, chorar junto. O governo até abriu as fronteiras do país, que até então estavam super controladas, para que jornalistas viessem, sem fazer teste de covid prévio. O próprio presidente Alberto Fernández abriu as portas da Casa Rosada para os torcedores e se jogou nos braços do povo, sem lembrar que havia meses vinha sendo duro e firme no discurso sobre a necessidade do distanciamento social.

Houve críticas? Sim, algumas, mas não foi quase nada perto do tamanho do fuzuê. A justificativa ficava no “Ah. Mas é o Maradona…”. Como se isso desculpasse tudo, até contagiar gente de modo irresponsável.

Outra dessas licenças irrestritas que os sul-americanos dão ao futebol se mostrou esses dias, com a falta de reação de torcedores, governos, jogadores e da sociedade em geral contra a indecente iniciativa da Conmebol. Tampouco parece ter chocado muita gente que um dos mediadores da negociação tenha sido um presidente, Luis Lacalle Pou, que ainda não conseguiu imunizar nem 50% da população do Uruguai e tem visto a curva de contágios e mortes em seu país disparar. E muito menos que outro incentivador dessa campanha tenha sido ninguém menos que o super-astro Lionel Messi, que mandou aos diretores da Sinovac três camisetas autografadas para agradecer a doação que “alegrou a família do futebol”, segundo as palavras da Conmebol.

Messi? Aquele que é idolo da molecada em todos os países da região? Sim, ele mesmo. Não lhe ocorreu pedir que essas vacinas fossem dadas à população de risco das “villas” argentinas. Nem aos profissionais de saúde de seu país, que estão à beira do esgotamento.

O que explica essa indiferença? Ouço de gente bem informada que “ah, mas o futebol entretém as pessoas na pandemia” ou “ah, mas o futebol justifica”. Como assim? Na Europa os grandes campeonatos continuaram a ser jogados com segurança e sem essa palhaçada de colocar os jogadores furando fila de vacinação.

Outro capítulo dessa mesma novela começará em breve, com a Copa América a ser jogada entre Argentina e Colômbia. A Conmebol também quer vacinar os jogadores das seleções, para que suas equipes europeias os liberem. Haverá corredores sanitários, bolhas e privilégios para jogadores, técnicos, dirigentes e, óbvio, amigos e familiares destes. Isso numa região desigual, pobre, em que a pandemia está descontrolada e criando novas variantes. Só quem não estará vacinado será o torcedor, que não poderá ir aos estádios e talvez tenha de estar também correndo atrás de trabalho e de recursos para ajudar a familiares contaminados.

Seremos todos cúmplices dessa aberrante falta de empatia?

 

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México no caminho do autoritarismo https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2021/04/01/mexico-no-caminho-do-autoritarismo/ https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2021/04/01/mexico-no-caminho-do-autoritarismo/#respond Thu, 01 Apr 2021 15:30:08 +0000 https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/files/2021/04/mexico-andres_manuel_lopez_obrador_-amlo-corrupcion_517960182_159078621_1706x960-320x213.jpg https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/?p=3768 O México terá eleições de meio de mandato no próximo dia 6 de junho.

Num país em que o período presidencial é de seis anos (sem reeleição), trata-se de um momento importante.

O presidente precisa que seu espaço político tenha um bom desempenho nesta votação para garantir o apoio do Congresso e ter governabilidade nos próximos longos três anos que tem adiante, assim como importa muito eleger autoridades regionais que o ajudem a liderar um país tão grande, mais ainda diante de um cenário de tamanha crise sanitária e de retração econômica. De outro modo, sua administração ficará completamente enfraquecida.

No caso atual, o esquerdista Andrés Manuel López Obrador, 67, está muito bem, não pelo que prometeu fazer, mas por continuar mantendo a popularidade alta (63%) diante de imensas adversidades. As pesquisas mais recentes mostram que o seu partido, o Morena (Movimiento Regeneración Nacional), está pelo menos 20 pontos adiante dos partidos de oposição quando se fala de Congresso. Nacionalmente, o país está mais dividido, o Morena lidera em pelo menos 15 dos 31 estados.

Estes números são intrigantes, uma vez que 49% dos mexicanos afirmam que o governo vai mal na economia, e 54% está contra a política de segurança, um dos mais graves problemas do México. A projeção de retração do PIB neste ano está por volta dos 9%.

Quando AMLO (como é conhecido) chegou ao poder, houve uma festa imensa no país. Sua eleição, depois de três tentativas, soava para muitos mexicanos como uma libertação com relação ao PRI (Partido Revolucionário Institucional), e como a virada de página com relação às duas administrações do PAN (Partido da Aliança Nacional), que havia metido o país numa sangrenta guerra contra o narcotráfico que já custou mais de 200 mil vidas.

O líder esquerdista veterano vem surfando desde então em uma alta aprovação popular, embora esteja desagradando tanto ao empresariado como os próprios progressistas que nele votaram, que começam a apontar nele o surgimento de um líder autoritário aos moldes de tantos já produzidos pela América Latina.

Essa transformação de AMLO surge clara no novo livro de um dos mais importantes pensadores do México hoje, Roger Bartra, em “Regreso a la Jaula” (ed. Debate, importado), que acaba de ser lançado. Na obra, o sociólogo descreve o caminho do autoritarismo que vem sendo tomado por AMLO.

Diz Bartra sobre o mandatário mexicano: “AMLO é um populista reacionário, que pode ser comparado às correntes populistas reacionárias da Europa, como Erdogan, ou com o próprio Trump, a quem tanto criticou”. Bartra explica que um sinal disso é sua “tentativa de fazer regressar o país dos anos 60 e 70, com uma economia fortemente estatizada e que se nega a reformas fiscais”. E completa. “Além disso, acrescentamos que está militarizando o país, e isso é uma razão para alarmar-se”. 

Os sinais de seu crescente autoritarismo se mostraram desde o início do mandato, em 2018. AMLO tomou posse com um discurso semi-esotérico de reconectar-se com o México pré-descobrimento, desacreditando a democracia. Com ele, foi atropelando intermediários e instituições. Impôs um sistema de comunicação no qual desvia de todos os meios de comunicação. O presidente mexicano não dá entrevistas e não responde diretamente aos meios. Sim, fala todos os dias nas tediosas “Mañaneras”, em que discursa diariamente e é o canal oficial de comunicação do governo.

No começo da pandemia, foi no espaço das “Mañaneras” que AMLO mostrou-se como um negacionista do vírus. Não estimulou o uso de máscaras, falava da necessidade de as pessoas saírem às ruas e aos restaurantes para “estimular a economia popular” e negou-se a dar uma resposta baseada na ciência ao coronavírus. O resultado foi um atraso imenso na tomada de medidas. Depois de muitas críticas, AMLO retrocedeu, mas não muito. Passou toda a comunicação sobre o assunto a seu titular da saúde, López Gatell. A princípio, este parecia muito eficiente, ao estabelecer um regime de quarentenas regionais. Mas foi sendo desacreditado por várias reportagens, especialmente de meios estrangeiros, que, através de levantamentos independentes, começaram a mostrar que o México estava tendo muito mais mortes do que as que registrava.

Finalmente, mais de 6 meses depois dessas denúncias, o governo teve que ceder. Na semana passada, admitiu que o número de mortes pelo coronavírus no país é, pelo menos, 60% maior do que o anunciado oficialmente.

Há, porém, outras áreas em que o governo AMLO vem falhando e em que seu autoritarismo vem sendo mais pronunciado. A segurança é um deles. O país continua numa guerra interna, com o narcotráfico comandando na prática vários estados, por meio de narco-empresários, narco-políticos e narco-policiais. Um dos exemplos mais públicos desse fenômeno se vê no fato de que a tragédia dos 43 estudantes desaparecidos em Ayotzinapa, em 2014, um crime cometido por vários personagens de poder vinculados ao tráfico, nunca foi resolvida.

E este é apenas o mais famoso entre muitos massacres parecidos.

AMLO assumiu com a promessa de reduzir a violência com um olhar distinto sobre a segurança. Nem a mão-firme como a do PAN, que desatou ainda mais a violência, nem a política de acordos obscuros com os cartéis do PRI. Sem que conheçamos bem, afinal, qual foi a via usada por AMLO, a violência vem crescendo ano a ano. E, em 2020, com pandemia e tudo, o número de homicídios foi de 35.515, apenas 0,3% menor que no ano anterior.

No último fim-de-semana, a revista “Proceso” publicou uma importante reportagem mostrando o aumento da influência dos militares no entorno do poder. A segurança não melhorou, mas AMLO cada vez está mais cercado de fardados, cujo apoio tem sido cada vez mais crucial para defender suas políticas.

Já o impulso estatista e o apego ao México dos anos 60/70 de que fala Bartra está se concretizando com a revogação da reforma energética que havia sido aprovada por Enrique Peña Nieto (2012-2018) e nos projetos de obras faraônicas como o Trem Maia ou na mega-base petrolífera que está construindo em seu estado Natal, Tabasco.

A população mexicana terá uma tarefa importante no próximo dia 6 de junho. Ou fazer um alerta ao presidente, para que mude o curso de seu comportamento rumo ao autoritarismo, ou dar-lhe os instrumentos para que continue igual.

 

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América Latina em 2021, o que vem por aí? https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2021/01/05/america-latina-em-2021-o-que-vem-por-ai/ https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2021/01/05/america-latina-em-2021-o-que-vem-por-ai/#respond Tue, 05 Jan 2021 23:58:45 +0000 https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/files/2021/01/pleb2-320x213.png https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/?p=3714 Se 2020 foi um ano difícil para a América Latina, 2021 não parece que será muito melhor. Economias que já vinham desacelerando iniciam o o ano com quedas de PIB acentuadas por conta da pandemia. Na área da saúde, as novas ondas ou mutações do coronavírus parecem estar chegando muito mais rápido do que as vacinas. E, no meio de toda essa tempestade, vários países vão trocar de comando ou renovar parlamentos. Com isso, veremos candidatos fazendo promessas de campanha que dificilmente poderão cumprir e governantes tendo de realizar ajustes pouco populares que, deste modo, devem colocar mais lenha na fogueira das tensões sociais.

Más notícias já começaram nesta terça-feira (5), com a posse da nova Assembleia Nacional venezuelana, eleita em um pleito marcado por irregularidades e pelo boicote dos principais partidos. Assim sendo, o parlamento, último bastião de uma bastante imperfeita oposição, acaba de cair. O chavismo, agora, toma conta do Executivo, do Judiciário e do Legislativo de um país em grave crise humanitária, sem liberdade de expressão e com centenas de presos políticos. Para quem tinha dúvidas sobre o caráter ditatorial do regime, o discurso de Jorge Rodríguez prometendo perseguir Juan Guaidó e seus seguidores ajuda a dissipá-las.

O Chile vive um ano de transformações e sonhos, e espera-se que estes não se frustrem. Um calendário eleitoral atolado de votações, porém, pode atrapalhar um pouco. Em 11 de abril, os chilenos voltam às urnas para escolher os 155 integrantes da Assembleia Constituinte. O voto dos chilenos, em outubro último, no plebiscito que decidiu pela redação de uma nova Carta, foi nitidamente contra a classe política hoje no poder. Se isso sugere uma renovação, é uma excelente notícia. Mas é uma pena que a eleição para essa assembleia vá ser atropelada por uma campanha presidencial que já começou _o Chile escolhe o sucessor de Sebastián Piñera em 21 de novembro. Se o ano anterior foi de protestos constantes e nervosos, este será de escolhas, num país em que o debate está muito polarizado. O que parece certo é que o chamado “modelo chileno” deve terminar de se desmontar. O que viria no lugar dele?

As pesquisas indicam que o mal-estar contra a política tradicional, já sugerido no plebiscito, continuará. Prova disso é que quem lidera as pesquisas, o prefeito comunista de Recoleta, Daniel Jadue, tem apenas 18% das intenções de voto. E, em segundo lugar, está o direitista Joaquín Lavín, com 11%. Em terceiro lugar, o ex-chanceler de Bachelet, Heraldo Muñoz, com 3%. Ou seja, a maioria dos eleitores ainda está indeciso, ou não quer votar, o que deixa o cenário bastante aberto. A atual popularidade de Piñera também não entusiasma mais ninguém: 16%.

 

A primeira eleição presidencial do ano ocorre em pouco mais de um mês. Trata-se da escolha do sucessor de Lenín Moreno no Equador, em 7 de fevereiro. Depois de um ano de revoltas e em que a cisão da sociedade ficou clara, veio o ano da peste. Foi da cidade litorânea de Guayaquil que vieram talvez as mais terríveis imagens da chegada do coronavírus na região. Hospitais e cemitérios lotados, corpos abandonados nas ruas, enterros coletivos sem identificação dos cadáveres.

O governo de Lenín Moreno, que tão logo começou, em 2017, já se opôs a seu padrinho, Rafael Correa, foi marcado especialmente por esses dois eventos: as manifestações indígenas de 2019 contra o ajuste no combustível e o modo como o país foi golpeado pela pandemia. Todo o demais acabou ficando pequeno. Moreno, mesmo, não buscou nem sugeriu concorrer à reeleição. O governo sequer terá um candidato próprio na contenda.

Mas Rafael Correa, que se sente injustiçado e está condenado a 8 anos de cadeia por corrupção, não desistiu de nada. Primeiro, insinuou candidatar-se a vice de Andrés Arauz, repetindo a fórmula de Cristina Kirchner com Alberto Fernández, mas não deu certo. O fato de estar sentenciado e foragido _vive na Bélgica_ impediu que se candidatasse. Mas seu novo apadrinhado, participará e, se ganhar, terá o mesmo dilema de Moreno, ou ser um fantoche nas mãos de Correa ou também romper as relações com ele.

Arauz concorre com outros 15 candidatos, embora vários com indicação de uma votação inexpressiva. Quem lidera é o candidato de Correa, com 24% das intenções de voto. Em segundo e em terceiro, ressurgem dois veteranos da política equatoriana de poder regional e setorizado, o empresário Alvaro Noboa, com 17%, e o banqueiro Guillermo Lasso, com 12%. Arauz é de Quito, os últimos dois, de Guayaquil, coração financeiro do país. Assim como no Chile, os que não sabem em quem votar ou simplesmente não querem votar são mais de 50%. A rejeição ao modelo político tradicional também se nota no Equador.

Já os peruanos deveriam estar aliviados com a chegada das eleições, em abril, quando finalmente poderiam colocar fim a um mandato em que deu quase tudo errado. Houve três presidentes e dois Congressos, que se sabotaram o tempo todo entre si. Porém, não é bem assim. A apatia e a falta de envolvimento com as possíveis candidaturas também se nota no país andino.

A liderança nas pesquisas é do ex-goleiro do popular time Alianza e atual prefeito do município de La Victoria, George Forsyth, com uma cifra também magra, 18% das intenções de voto. Em segundo, está Julio Guzmán, do partido Morado, que cresceu muito nos últimos tempos. Na eleição mais recente, Guzmán vinha liderando, até que sua candidatura foi impugnada por uma questão técnica que foi bastante contestada. Porém, ele pertence ao partido Morado, do atual presidente interino do país, Francisco Sagasti, o que poderia ajudar a dar um impulso à sua candidatura.

Atrás de Guzmán, está a esquerdista Verónika Mendoza, com 6,5%, que foi uma das responsáveis por desempatar a eleição de 2016, em que o centro-direitista Pedro Pablo Kuczynski venceu por muito pouco a direitista Keiko Fujimori. No último momento, Mendoza anunciou o apoio da esquerda ao candidato, com quem admitia publicamente ter muitas diferenças, apenas para impedir a volta do fujimorismo ao poder. Agora, Mendoza planejava voar mais alto, mas com essa intenção de voto, pode não ser uma candidata competitiva. De todo modo, os números do Peru também mostram que um setor grande do eleitorado tampouco está decidido ou animado a votar. Assim como no Chile e no Equador.

Também haverá “eleição” na Nicarágua, e deixo entre aspas porque a ditadura já inviabilizou legalmente a participação da oposição, o que deve fazer com que seja fácil que tanto Ortega como sua mulher, Rosario Murillo, assim que decidirem quem concorrerá, vença o pleito. Murillo é uma figura-chave do regime hoje. Além de vice-presidente, é a figura mais ativa e a voz mais ouvida do governo, enquanto Ortega tem passado vários meses desaparecido, surgindo apenas de vez em quando.

Outro país centro-americano cheio de problemas irá às urnas neste ano, trata-se de Honduras, que, além da crise econômica e da pandemia, lida com o impacto de furacões e dos enfrentamentos entre grandes empresas mineradoras e líderes ambientalistas, embate que já levou à morte muito destes.

Há, ainda, duas eleições legislativas importantes. Na Argentina, onde vários economistas preveem que virá uma crise como a de 2001 e no México, onde a gestão de López Obrador será julgada nas urnas. O mexicano elegeu-se em 2018 prometendo uma renovação pela esquerda, mas tem se mostrado cada vez mais um populista conservador que, ainda por cima, não vem lidando nada bem com a pandemia.

 

O que certamente está garantido é que não faltarão notícias na região.

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Ángel Asturias renova perguntas aos ‘senhores presidentes’ https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2020/12/19/angel-asturias-renova-perguntas-aos-senhores-presidentes/ https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2020/12/19/angel-asturias-renova-perguntas-aos-senhores-presidentes/#comments Sat, 19 Dec 2020 10:24:00 +0000 https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/files/2020/12/asturias-320x213.jpg https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/?p=3708 A Guatemala reapareceu no noticiário nas últimas semanas, outra vez com cenas de tensão social. Houve manifestações pacíficas nas ruas, porém com alguns grupos violentos que invadiram o palácio do Congresso e colocaram fogo em algumas das salas. 

O caso causou preocupação na região. Não é de hoje que a sociedade está inquieta com uma sequência de presidentes corruptos, acompanhados de Congressos corruptos, e tendo de conviver com diferenças sociais históricas cada vez mais agravadas. Neste ano, em especial, com o impacto da pandemia e da passagem de dois furacões pelo país.

As crises recentes estão relacionadas à figura do presidente. Primeiro, foi Otto Pérez Molina (hoje preso, aguardando julgamento), o segundo, Jimmy Morales, que, para evitar ter o mesmo fim, dissolveu o tribunal que investigava crimes de corrupção entre altos funcionários. Já o atual, Alejandro Giammattei, na pior crise sanitária da história recente do país, decidiu enviar ao Congresso um orçamento que beneficia empresários amigos e retira verba de ajuda a vítimas da pandemia e dos desastres naturais.

Não são os únicos mandatários guatemaltecos a promover abusos, mas os mais recentes.

Em momentos em que o tema sobre a figura do presidente aflora na Guatemala, a memória nos traz um romance atemporal, que dialoga com os dias de hoje.

Trata-se de “O Senhor Presidente” (editora Mundaréu), escrito pelo prêmio Nobel guatemalteco, Miguel Ángel Asturias, em 1946, e que é considerado um pioneiro das chamadas “novelas de ditador”, que são várias na América Latina. Entre elas, “A Festa do Bode” (Alfaguara), de Vargas Llosa, “Yo, el Supremo”, de Augusto Roa Bastos, “El Recurso Del Método”, de Alejo Carpentier, e “O Outono do Patriarca” (editora Record), de Gabriel García Márquez.

A obra de Ángel Asturias (1899-1974), que foi censurada na Guatemala e ficou 13 anos sem poder ser lida, recebe agora uma nova edição comemorativa, lançada pela Real Academia Espanhola. Entra, assim, para a série de reedições históricas que a RAE promoveu de obras singulares como “Cem Anos de Solidão”, de García Márquez, “A Cidade e Os Cachorros”, de Mario Vargas Llosa, “Dom Quixote”, de Miguel de Cervantes, e “A Região Mais Transparente”, de Carlos Fuentes, entre outras.

As reedições são artigos de coleção. Capa dura e anexos inéditos ou muito raros. No caso de “O Senhor Presidente”, estão ali textos do nicaraguense Sergio Ramírez, do peruano Vargas Llosa e do venezuelano Arturo Uslar Pietri (1906-2001).

Mas, de que trata “O Senhor Presidente” e o que o faz atual? A trama mostra em detalhes a personalidade autoritária do ex-ditador Manuel Estrada Cabrera (1898-1920). Nela, o pano de fundo é a crise da Guatemala no começo do século 20, enquanto, no poder, está um sujeito autoritário que não economiza na perseguição a seus opositores, com uso da tortura e das desaparições.

A sociedade surge não muito diferente da que existe nos dias de hoje, em que os indígenas ocupam lugar muito marginal e são discriminados, mas sua cosmologia e modo de ver o mundo têm uma forte influência cultural.

Ángel Asturias observa com atenção os povos originários e incorpora algo de sua linguagem. Por exemplo, o relato é cheio de repetições e reiterações, algo que era comum na narrativa das histórias no idioma que era falado pelos maias.

Com riqueza de detalhes, Ángel Asturias descreve os personagens daquela sociedade. Não é só o presidente quem é o investigado, de modo literário, mas também os trabalhadores, a classe dominante, os indígenas. Ainda, paira sobre o livro o passado maia e as perguntas que deixou para o presente.

O livro não está disponível em português, assim como as demais edições especiais da RAE. Mas pode ser conseguido, em espanhol, pelos sites de venda online mais conhecidos.

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Que ninguém limpe as paredes de Santiago https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2020/10/24/que-ninguem-limpe-as-paredes-de-santiago/ https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2020/10/24/que-ninguem-limpe-as-paredes-de-santiago/#respond Sun, 25 Oct 2020 00:09:53 +0000 https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/files/2020/10/chile-vale-screenshot-320x213.png https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/?p=3675 Desde 18 de outubro de 2019, o Chile vive um momento histórico. Começou com a onda de protestos que completou um ano na última semana, passa pelo plebiscito para aprovar ou não a redação de uma nova Constituição, neste domingo (24), e certamente continuará durante os próximos meses, ou anos, em que o país debaterá uma nova forma de organização do Estado e da sociedade.

Seja qual for o desenlace desse processo, um dilema já está no ar. O que fazer com a quantidade gigantesca de grafites, mensagens, bandeiras, pôsteres, cartazes tipo lambe-lambe e colagens com mensagens políticas que cobrem estátuas, muros de prédios públicos e particulares, comércios, pontes e bancos de praça?

Há quem defenda que tudo seja limpo, para preservar o belo patrimônio arquitetônico de Santiago. Em geral, esse grupo vê essas mensagens como vandalismo, sujeira, poluição visual. Há os mais neutros que sugerem que se tirem fotografias dessas imagens e que estas sejam exibidas como um retrato de época. E, por fim, os que creem que é melhor deixar assim, pois a cidade se mostra mais viva, como se estivesse dialogando com a sociedade em busca de uma saída de seus problemas. Sou das que opinam que se deve deixar tudo como está. Afinal, é a melhor maneira de entender o que pensam aqueles que se manifestam pró ou contra a atual situação.

“Fora Piñera”, “Mais lésbicas, menos policiais”, “fora, comunistas”, “liberdade aos presos políticos” são algumas das mensagens, acompanhadas de fotos ou desenhos de indígenas, mulheres, do compositor Victor Jara, assassinado durante a ditadura (1973-1990), além de mensagens escritas no idioma dos povos mapuches que habitam o sul do país. Há, ainda, imagens em branco e preto de manifestantes com um olho sangrando, em vermelho vivo.

Caminhar por Santiago e ver essas mensagens é uma das melhores maneiras de entender o que está acontecendo e o que se reivindica. Mais oportunidades para os jovens, melhores aposentadorias para os idosos, uma nova legislação sobre a reprodução feminina, representação para as minorias, a revolta contra os abusos da polícia. Passar os olhos por elas é entender o que vem movendo parte da sociedade chilena neste turbulento ano.

Mais, as mensagens visuais na cidade se conectam com uma tradição chilena. Pouco antes de começar a ditadura e mesmo durante o regime militar, havia grupos que se reuniam para pintar murais. Os primeiros surgiram ainda durante o governo do socialista Salvador Allende, representando os trabalhadores e indígenas do país. Depois do golpe que terminou com a democracia e com a vida de Allende, esses coletivos passaram a trabalhar na clandestinidade, usando a arte como uma forma de resistência.

Tanto naquela época como agora, as autoridades corriam para apagar as mensagens e intervenções. O caso é que, nos últimos meses, a profusão de manifestações foi tão grande que não há tempo para apagar tudo. A essa altura dos acontecimentos, talvez seja melhor deixar tudo como está.

É como se a cidade explicasse ao visitante o que vem acontecendo nela, ao mesmo tempo em que recorda diariamente seus cidadãos da lista de problemas que o país ainda têm para resolver.

 

 

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Quatro dicas para entender Evo Morales https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2019/11/05/quatro-dicas-para-entender-evo-morales/ https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2019/11/05/quatro-dicas-para-entender-evo-morales/#respond Wed, 06 Nov 2019 00:42:21 +0000 https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/files/2019/11/evo-morales-polemica-reuters-320x213.jpg https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/?p=3442 O presidente da Bolívia, Evo Morales, 60, está protagonizando uma crise em seu país. Sua controversa vitória nas urnas no último dia 20 de outubro está sendo contestada pela oposição, por organismos internacionais e levado apoiadores e críticos às ruas, não sem causar violência. O fim dessa crise ainda é desconhecido, mas, para entender melhor quem é Evo Morales, sugiro aqui uma lista de livros e filmes sobre o líder indígena, o primeiro a governar seu país.

  1. Cocalero (Alejandro Landes, 2007) – O documentário acompanha a campanha presidencial de Morales em 2005. Vemos um Evo bem mais jovem, óbvio, e muito tímido se comparado aos dias de hoje. Ele visita comitês, reune-se com sindicalistas _acompanhado sempre de García Linera, seu vice até hoje. Algumas cenas são inquietantes, como uma em que líderes de seu movimento ensinam indígenas muito humildes a votar nele. É possível ter uma ideia de como a região do Chapare, de onde ele veio, se politizou e se organizou, e também alguns dos aspectos de sua vida pessoal, como sua eterna solteirice e sua fama de “namorador”.
    Cena do documentário “Cocalero”, que mostra a primeira campanha eleitoral de Morales (Foto Divulgação)

    2. “Our Brand is Crisis” (Rachel Boynton, 2005) – Cuidado! Não confundir esse documentário com sua versão ficcionalizada de mesmo nome, de 2015, protagonizada por Sandra Bullock (este segundo é muito ruim). O original, de Boynton, é excelente e acompanha o trabalho do time de marqueteiros norte-americanos contratado pelo liberal Gonzalo Sánchez de Lozada (conhecido pelos bolivianos como Goni), para voltar ao poder em 2002. Goni tem problemas, é visto pela população mais humilde como um milionário que não se importa com os pobres, o país vai muito mal economicamente e Goni está mal posicionado nas pesquisas. Os norte-americanos transformam a “crise” numa “marca”, como diz o título, e conseguem eleger Goni. Interessante ver o filme com os olhos de hoje, pois se sabe que este acabaria sendo um período de muitos conflitos e mortes, que acabou possibilitando o surgimento, depois, de Evo Morales como opção viável para a Presidência.

    3. Episódio de “Salvados” com Evo Morales (Netflix) – O jornalista espanhol Jordi Évole é um craque e toda sua série de entrevistas “Salvados” é muito boa. O episódio que conta o dia que passou com Evo Morales na Bolívia, para entrevistá-lo, é um dos destaques. É possível saber como é a experiência, que esta repórter também viveu na pele, de estar o dia todo com o presidente boliviano. Acorda-se cedo, voa-se a três ou quatro cidades bolivianas com ele em seu jatinho e tem-se vários exemplos de como este é vaidoso e seu ego foi aumentando com o tempo. Além disso, tem-se uma ideia de como seus seguidores são fanáticos. Também se pode ver que suas respostas às entrevistas são parecidas. “Se ser populista é estar com o povo, sou populista e não vejo nenhum mal nisso”. O episódio vale mais pelo que mostra da personalidade de Morales do que o que ele diz em suas respostas. E fica claro algo que já estamos vendo. Morales não vai querer sair do poder tão cedo.

    4. “El Jefazo”, Martín Sivak (ed. Debate, importado) – O livro do jornalista argentino conta a trajetória de Morales desde sua infância, passando por seus tempos como sindicalista do ramo da produção de coca, e como foi-se formando sua consciência política. Além disso, Sivak busca compreender como foi a transformação do cocaleiro em presidente e como o presidente deixou-se moldar pelo poder. É um relato independente sobre a vida do atual presidente da Bolívia. Nos últimos meses, Sivak voltou ao assunto, acompanhando Morales pela Bolívia para realizar um documentário, ainda não finalizado.

    Capa do livro “El Jefazo”, de Martín Sivak (Foto Divulgação)
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Globalização não é boa para o mundo dos livros, Eduardo Rabasa https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2018/08/13/globalizacao-nao-e-boa-para-o-mundo-dos-livros-eduardo-rabasa/ https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2018/08/13/globalizacao-nao-e-boa-para-o-mundo-dos-livros-eduardo-rabasa/#comments Mon, 13 Aug 2018 05:43:36 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/?p=3190
O mexicano Eduardo Rabasa (Foto Divulgação)

Aconteceu no último fim de semana, em Buenos Aires, a Feira de Editores, que reúne casas editoriais pequenas e independentes da América Latina e cada vez cresce mais. Desta vez, ocupou os lindos galpões do Centro Cultural Konex, no centro da cidade. Além das palestras e encontros que ocorriam no auditório, no andar de cima, no andar debaixo os visitantes passeavam por longas filas paralelas de mesas em que se enfileiraram estandes de 250 selos argentinos e 30 de outros países, entre eles Uruguai, Brasil, Chile, Bolívia, Peru, Colômbia, Venezuela, México e Espanha. Com destaque para Entropía, Blatt & Ríos, Pequeño Editor, Adriana Hidalgo, Caja Negra, Beatriz Viterbo, Periplo, Mardulce, La Bestia Equilátera e Eterna Cadencia.

Entre as estrangeiras, a mais importante era a mexicana Sexto Piso, criada pelo editor e escritor Eduardo Rabasa, 40, que conversou com a Folha durante o evento.

Folha – Como começou a Sexto Piso?

Eduardo Rabasa – Foi em 2002, éramos quatro amigos, entre 23 ou 24 anos, e um professor de literatura com quem estudamos na UNAM (Universidade Nacional Autônoma do México). Primeiro surgiu como uma brincadeira, nos provocávamos com a ideia de montar uma editora para publicar apenas o que gostávamos. E foi assim até que decidimos fazê-lo sem pensar muito mais. Sempre digo que foi sorte, porque nenhum de nós sabia nada de edição.

Folha – Como isso ajudou?

Rabasa – Acho que foi ruim por um lado, quando hoje vemos nossa primeira edição, que era a tradução mal-feita, por mim, de um título do filósofo norte-americano Morris Berman, tenho um pouco de vergonha. A edição está feia, tem um logo do McDonald´s, algo super clichê, na capa. Por outro lado, fomos aprendendo enquanto fazíamos, e acho que demos uma resposta na prática a todos aqueles que nos diziam que o momento para o mercado editorial era ruim, que não era possível, e aqui estamos.

Folha – O México tem tradição de grandes editoras, algumas transnacionais, mas hoje há várias dedicadas ao que vocês fazem, e que vieram depois, vocês se consideram uma referência, com seu catálogo de mais de 300 títulos lançados desde então?

Rabasa – Muitas se animaram depois de nós, é certo, mas cada uma é um modelo diferente do nosso. Antes de começarmos, havia sim pequenas editoras, mas eram feitas por hobby. Depois da Sexto Piso, surgiram outras inspiradas no nosso perfil, que é basicamente mais artesanal, com curadoria bastante pessoal, de edições bem cuidadas, mas num nível um pouco mais profissional. Ainda assim, o mercado segue sendo dominado pelas editoras grandes, como a Planeta, a Anagrama, a Tusquets.

Folha – E vocês, particularmente, focam qual perfil de leitor?

Rabasa – Nunca tivemos claro que tipo de leitor queríamos. Pensávamos que, se fizéssemos bons livros, haveria leitores. Tínhamos, sim, um modelo de editora, que é a italiana Adelphi, do escritor italiano Roberto Calasso, que acabou participando no nosso começo. Nossas tiragens são muito pequenas, entre 2 e 4 mil exemplares, no máximo, e a ideia é que continue nessa linha.

Folha – Qual o perfil do leitor mexicano médio hoje?

Rabasa – É um país muito grande e com muitas diferenças. Se você olhar as estatísticas da Câmara Mexicana do Livro, elas dizem que apenas 10% da população já declarou ter entrado numa livraria, parece pouco, mas num país com a nossa população, são 12 milhões de pessoas. Ainda assim, eu acho o nível de leitura baixo, a média de livro lido por ano, por cidadão, é de 1,6, enquanto na Finlândia está ao redor dos 40 ou 50.

 

 

Folha – E hoje o modelo de vocês é rentável?

Rabasa – Por muito tempo não foi. Mas fazemos muitas coisas, até livros por encomenda, e em alguns casos conseguimos investimentos e empréstimos. Hoje estamos num ponto de rentabilidade muito precária, e isso 15 anos depois. 

Folha – Você lançou “La Suma de los Ceros”, e agora está com um novo romance. Quem veio antes, o editor ou o escritor?

Rabasa – Certamente o editor, não me ocorria escrever. Mas há dez anos eu vivi uma crise muito grande, sentimental e física, fiquei doente, fui a médicos, acupuntura e até a bruxas (ri) e não me serviu nada. Foi esse processo que me levou a escrever “La Suma de los Ceros”.

Folha – Que é uma espécie de distopia. E você é um estudioso de George Orwell (1903-1950).

Rabasa – Sim, eu fiz minha especialização em Orwell e seu universo me inspira. Mas creio que o que mais me guiou em “La Suma de los Ceros” era a ideia de tratar o presente como distopia. Não como uma previsão do futuro, como Orwell fez em “1984”, e que hoje talvez seja a melhor descrição do mundo atual, do governo de Donald Trump, de tantas coisas que estão acontecendo.

 

 

Folha – O livro ocorre num conjunto habitacional que se chama Villa Miserias, mas não se trata de uma favela. Por que Miserias?

Rabasa – Não temos no México uma palavra para denominar uma favela. Aqui na Argentina se diz “villa”, em outros países “villa miseria”, no Brasil é “favela”, mas não usei “miséria” com esse sentido. Para mim, tinha mais a ver com o espírito por trás das relações das pessoas naquele espaço e com o mundo em que a narrativa se desenvolve.

 

Folha – Você acha que por meio desses novos festivais, iniciativas como o Bogotá 39, essa feira, está havendo mais integração entre a nova geração de autores latino-americanos?

Rabasa – Sim, ainda que eu não goste muito dessas coisas. Acho que tem um lado negativo nesse nosso cosmopolitismo atual, nessas listas dos “escolhidos”, que parecem formar um “star system”, em que cada país aporta com alguns eleitos. A estrela da Sexto Piso, por exemplo, é a Valeria Luiselli, que é uma grande autora e não tem culpa disso, mas ela acabou virando uma referência tão grande da literatura mexicana que, qualquer coisa relacionada ao México, as pessoas vão e perguntam para ela. O mercado editorial reflete o que está acontecendo com o mundo, e por isso se globalizou também, mas eu não gosto muito disso.

Folha – Mas as pessoas precisam desses referenciais para serem introduzidas a uma nova literatura, por exemplo.

Rabasa – Sim, o mundo do livro é uma espécie de espelho do que acontece na sociedade em maior escala, mas eu não creio que a globalização seja algo tão positivo para o mundo dos livros. Se já existem as grandes editoras que atravessam fronteiras, talvez as pequenas editoras devessem se importar mais com autores de perfil mais discreto, que não sairão à luz nunca porque não gostam de peregrinar por feiras ou ir a coquetéis.

 

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Inflação é pedra no sapato de Macri https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2018/02/05/inflacao-e-pedra-no-sapato-de-macri/ https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2018/02/05/inflacao-e-pedra-no-sapato-de-macri/#comments Mon, 05 Feb 2018 03:41:10 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/?p=3068
Nota de mil pesos, recém lançada na Argentina (Foto Sylvia Colombo)

Quando Mauricio Macri ganhou as eleições em 2015, parte de seu discurso de campanha era que ele evitaria que a “Argentina virasse a Venezuela”. De fato, isso não aconteceu. E nem creio que aconteceria caso houvesse perdido _a situação venezuelana é terrivelmente mais grave.

De qualquer maneira, o slogan foi convincente, e ajudou não apenas Macri, mas também outros líderes de centro-direita que chegaram ao poder na América Latina nos últimos años.

Talvez por isso não foram poucos os argentinos que sentiram um gosto amargo na boca ao agarrar, pela primeira vez, a nova nota que acaba de entrar em circulação: o bilhete de mil pesos (acima). Não é o primeiro do período macrista. Quando assumiu, o bilhete de valor mais alto que havia era o de 100 pesos. Em dois anos de mandato, já foram lançados o de 200, o de 500, e agora este, de 1000.

Mas, não é mais ou menos isso que ocorre na Venezuela? Ali, uma inflação astronômica faz com que cidadãos tenham que caminhar pelas ruas carregando bolsas de plástico com vários blocos de notas para comprar nada mais que a simples “arepa” do dia a dia. Até que, de tempos em tempos, o governo decide emitir uma nota de valor mais alto.

Hoje, o país com mais inflação na região é a Venezuela, mas o segundo lugar é da Argentina, apesar de tantos elogios e do oba-oba internacional com relação à gestão macrista.

A nota de 1000 pesos argentina ainda remete a outros paralelos amargos. Nos anos 1990, quando Menem era presidente e um peso valia um dólar, se existisse um bilhete como este, seria suficiente para comprar uma passagem de avião Buenos Aires – Nova York. Hoje, apenas paga um jantar para duas pessoas num restaurante médio com um Malbec honesto.

É verdade que Macri herdou de sua antecessora uma economia estancada, com inflação maquiada, um sistema de previdência arcaico e cheio de privilégios indevidos, travas protecionistas, além de um excesivo gasto social e um sistema de subsídios extremamente generoso, até para os mais ricos.

Tudo isso era fácil de manter em épocas de vacas gordas, como foi a do “boom das commodities”, que correspondeu ao período kirchnerista (2003-2015). O caso é que o mesmo não vem ocorrendo agora, e ajustes são necessários.

É preciso dizer que Macri não mentiu quando disse que estes seriam feitos. Tampouco deixou de cumprir a promessa de faze-los pouco a pouco. Os cortes dos subsídios nos serviços vêm sendo feitos de modo gradual.

Porém, se aos olhos dos analistas internacionais e dos líderes estrangeiros que visitam o país, a receita aplicada é a correta, por que se vê tantas queixas do cidadão comum com relação ao preço das coisas? Por que começam a pipocar greves e protestos? Por que famílias humildes vêm reclamando que o dinheiro não chega até o fim do mês? Por que tem gente deixando o carro na garagem e preferindo caminhar, por não ter com que pagar o combustível?

Se o país voltou a crescer, por que os preços das coisas dão a sensação de que a economia está descontrolada?

É verdade que a inflação caiu muito. De 2016, quando estava em 40%, foi para 25%, com que fechou 2017. Mas 25% ainda é muito. E o próprio ministro da Fazenda, Nicolás Dujovne, declarou recentemente que este era um problema mais difícil de resolver do que a equipe econômica esperava.

A grande questão por trás da inflação argentina é o imenso déficit de orçamento, que o governo vem financiando de duas maneiras: emitindo bilhetes ou adquirindo dólares fora, ou seja, endividando o país, e vendendo-os ao Banco Central, o que resulta em mais pesos em circulação. Ou seja, as duas soluções criam mais inflação.

Outro elemento que gera mais inflação é justamente o remédio para corrigir os vícios da era kirchnerista. Cortar subsídios e aumentar preços de serviços, como acaba de ocorrer com o transporte. A partir deste mês, subirão também os preços dos combustíveis, da eletricidade, do gás e da água. Se o fim dos subsídios é um mal necessário para melhorar a economia a longo prazo, a curto prazo provoca aumentos indesejados e impopulares.

A persistência da inflação fez com que o governo recalculasse suas metas. Antes planejava que em 2019 se chegaria a uma inflação de um dígito, mas isso acaba de ser adiado para 2020 _ou seja, para depois da próxima eleição presidencial. Para 2018, fixaram que se chegaria a dezembro com 15%, mas especialistas duvidam de que seja possível.

Se até aqui havia um consenso de mais da metade da população de que o caminho escolhido por Macri era o correto, e com isso o governo obteve uma contundente vitória nas eleições legislativas, agora começa a haver sinais de mudança dos ânimos.

O argentino não é o povo mais paciente do mundo para esperar que medidas a longo prazo deem resultado. Aqui, não há sentimentos moderados quando se trata de política. Governos vão da épica à tragédia em questão de meses. Ocorreu com Alfonsín, com Menem, com Cristina e com outros.

A inflação foi o tema de maior preocupação dos argentinos em 2017. Mas a inquietação tomou forma concreta quando o Congresso aprovou a reforma da previdência, em dezembro. Do lado de fora, armou-se um cenário de guerra, com militantes violentos e repressão forte, dezenas de civis e de policiais feridos. Não se via algo parecido desde dezembro de 2001, quando explodiu a crise que que obrigou o então presidente Fernando de la Rúa a deixar a Casa Rosada, literalmente, em um helicóptero.

Obviamente não se trata da mesma situação, e por ora é pouco provável pensar que Macri possa ter de abandonar o poder dessa forma _embora em muitos protestos já surjam cartazes com o desenho de um helicóptero, ou gente usando helicópteros feitos de papelão na cabeça e nele escrito “voa Macri”.

O que vem preocupando o governo são os números em caída livre da aprovação popular da gestão, justamente registrados depois da reforma da previdência ter passado. A pesquisa D’Alessio IROL/Berensztein mostra que a imagem positiva do presidente está em 45%. Um número alto, mas mais de dez pontos a menos que a cifra logo após as legislativas, de 58% (instituto Isonomía). A reação imediata do presidente foi a de adiar a reforma trabalhista.

Dois anos depois de assumir o poder, o discurso de Macri não pode continuar a ser o mesmo da campanha eleitoral. O presidente não pode mais usar a desculpa de que “iríamos virar a Venezuela” enquanto não para de emitir bilhetes, e não pode continuar colocando toda a culpa no kirchnerismo. Afinal, há dois anos, quem governa a Argentina é ele. E foi dele a promessa de que a inflação cairia rapidamente. Não caiu.

Macri pode estar no caminho correto, mas precisa ajustar o discurso, minimizar expectativas e ser mais realista com relação ao que de fato vai poder entregar até o fim de seu mandato. Talvez seu legado seja o de uma economia mais organizada, um país mais aberto (embora os tão esperados investimentos de fora estejam vindo a conta-gotas), mas com problemas crônicos que até agora estão sem solução: entre os mais importantes, a inflação e o endividamento, que parecem estar formando uma bola de neve.

Enquanto isso, a crispação começa a ganhar as ruas novamente, e não é raro ouvir aqui e ali as panelas voltando a soar ao anoitecer. 

Ao mesmo tempo em que deve caminhar mais rápido com a entrega dos resultados, Macri precisa ser mais hábil no discurso. Pedir a aposentados que pensem a longo prazo parece piada de mau gosto. E pedir que os argentinos, em geral, sejam pacientes, é mostrar que não conhece a natureza de seus compatriotas.

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Anita, a montonera, uma história difícil de contar https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2017/08/10/anita-a-montonera-uma-historia-dificil-de-contar/ https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2017/08/10/anita-a-montonera-uma-historia-dificil-de-contar/#comments Thu, 10 Aug 2017 18:56:45 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/?p=2938
A montonera Ana María González, que matou o chefe da Polícia Militar durante a ditadura (Foto Divulgação)

O historiador argentino Federico Lorenz acaba de lançar “Cenizas que te Rodearon Al Caer – Vidas y Muertes de Ana María González, la Montonera que Mató al Jefe de la Policía Federal” (Sudamericana). Apesar de se tratar de um episódio importante para entender os anos 1970 na Argentina, essa história até hoje não tinha sido bem contada. A razão é complexa. Para peronistas e a intelectualidade de esquerda, era complicado demais justificar a atitude da jovem guerrilheira Anita, que aos 20 anos de idade colocou uma bomba debaixo da cama de um dos principais comandantes da repressão, matando-o de pijama, enquanto dormia.

Por outro lado, como conta Lorenz, lhe parecia injusto que a história de Anita tenha sido sempre relatada apenas por seus inimigos, de modo parcial e sem a preocupação de contextualizar e entender as motivações da garota, naquele momento violento da história argentina.

O resultado é uma narrativa intensa, comovente, de suspense e horror, que humaniza Anita, mas não a justifica. Mais do que isso, mostra as razões de ter sido criado, na Argentina, um ambiente de agressividade tão grande que envolveu tanto os civis que se levantaram contra a ditadura militar (1976-1983) como despertou a máquina de repressão brutal e genocida que o Estado pôs em vigor.

Entrevistando colegas de escola e de militância, mas sem ter podido falar com os familiares, que se recusam a comentar publicamente a história de Anita, Lorenz trata de sua formação política e de sua entrada na guerrilha urbana montoneros. O foco da pesquisa está entre os anos de 1973 e 1976. É um período crucial da história argentina e pouco estudado, uma espécie de tabu nacional porque, mesmo em tempos de democracia, naqueles anos o país já vivia o enfrentamento entre forças da repressão estatais e militantes civis armados.

Quando a ditadura começou, Anita, uma menina de classe média, ia a um colégio numa região nobre da cidade, o bairro de San Isidro, onde estudava para o magistério. Notou que estava na mesma classe que Chela, filha de Cesáreo Cardozo, nada menos do que o chefe da Polícia Federal e homem de confiança do então ditador Jorge Rafael Videla (1925-2013). A garota, então, informou seus superiores dentro da organização guerrilheira, e estes lhe pediram que se aproximasse de Chela, virando sua amiga e ganhando a confiança da família, que passou a frequentar. O plano que veio na sequência foi armado meticulosamente pelo grupo. A execução, porém, foi levada adiante apenas pela corajosa Anita.

Armaram uma bomba caseira, associada a um relógio, que Anita levou na bolsa para a escola naquele dia 17 de junho. Na saída, a menina saiu acompanhada de Chela e escoltada pelos guardas que protegiam a família Cardozo. A ideia era que ambas fizessem a lição de casa juntas. Num determinado momento, Anita disse que tinha brigado com o namorado e que por isso queria fazer uma ligação privada, de preferência do aparelho que estava no quarto dos pais de Chela, que permitiu sem desconfiar de nada.

Uma vez ali, Anita posicionou a bomba debaixo da cama matrimonial. Depois, hesitou, achando que a tinha deixado num local próximo de onde o oficial teria os pés, e podia, por conta disso, não ser fatal. Voltou, então, ao quarto e reposicionou a bomba, desta vez num local que corresponderia ao ponto em que ele descansaria a cabeça. Voltando a sala, disse que não estava passando bem e que iria embora. Horas depois, à 1.30 da madrugada do dia 18, a bomba explodiu matando Cardozo e destroçando seu cadáver. A esposa do oficial, para sua sorte, não se encontrava no quarto, pois fazia companhia à mãe, que visitava a família. Chela não teve dúvidas de que se tratava de coisa de Anita, porque conhecia suas opiniões políticas e algo de sua militância. Testemunhas contaram a Lorenz que ela gritava, já do lado de fora do apartamento, que a amiga a havia traído.

O episódio foi uma espécie de divisor de águas na história da ditadura, e acabou virando um tiro nos pés para os montoneros. Para o regime militar, que já vinha realizando prisões arbitrárias, torturando e desaparecendo gente, a atitude da jovem montonera ajudou a justificar a brutalidade do aparato repressivo. Levou, também, a sociedade argentina a aceitar e corroborar o regime, que estaria “colocando ordem” na situação do país.

Anita foi caçada por meses, até ser atingida num tiroteio com oficiais do Exército, no ano seguinte. Ferida gravemente, foi levada a um dos centros de reunião dos montoneros, que duvidavam entre leva-la a um hospital ou não. Suas últimas horas foram reconstruídas a partir do relato do namorado, que morreria depois no centro de detenção clandestino da ESMA (Escola Superior da Marinha), mas não sem antes relatar a sobreviventes os detalhes daquela noite. Segundo o que Lorenz ouviu dessas pessoas, Anita teria se recusado a ir para um hospital porque, se ali morresse, seu corpo “viraria um troféu” para os militares. Os colegas concordaram, e depois que ela agonizou, queimaram a casa com o corpo da montonera dentro.

A história dá para um filme, apesar de infelizmente se tratar de um episódio da pura realidade de um pesadelo coletivo. Leva a uma profunda reflexão sobre esse período terrível que a Argentina atravessou. O título do livro, tirado de um poema de Juan Gelman (1930-2014), se refere justamente às palpáveis sequelas que ainda hoje existem na sociedade e que são resultado de comportamentos como os de Anita e das ações brutais do Estado a quem ela combatia e que reagiu de forma ainda mais sangrenta.

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A “década Rafael Correa” https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2017/02/18/a-decada-rafael-correa/ https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2017/02/18/a-decada-rafael-correa/#comments Sun, 19 Feb 2017 00:20:00 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/?p=2756 Hoje publiquei em Mundo um perfil do presidente equatoriano, Rafael Correa, que deixa o cargo em maio. Por questões de espaço, não pôde sair completo. Aqui, segue o texto na íntegra:

O presidente equatoriano, Rafael Correa, que deixa o cargo em maio (Foto El Universo)

Mesmo que o candidato do governo vença a eleição no Equador, cujo primeiro turno ocorre no domingo (19), uma coisa é certa.

Em maio, quando terminar o mandato do atual presidente, será também o fim de um ciclo, a “década Rafael Correa”.

Nem Lenín Moreno, seu herdeiro político, nem Guillermo Lasso ou Cynthia Viteri, seus opositores, têm o perfil personalista do atual mandatário.

“Todos têm algo em comum, e é o fato de que nenhum deles é Correa, o que já significará uma imensa mudança”, diz à Folha a professora e analista equatoriana Gabriela Polit, da Universidade do Texas.

Para seus críticos, o personalismo de Correa foi sinal de arrogância e de autoritarismo. Para seus apoiadores, uma prova do pulso forte e de uma presença quase paternal.

Mesmo com a economia agora em recessão, Correa sai do cargo com 42% de aprovação _índice alto para a América Latina, mas baixo para seu padrão, que chegou a atingir os 65% na época em que o país vivia o “boom das commodities” e cujo PIB crescia a uma taxa de 7,6%.

A herança positiva desta década está marcada, justamente, pelos bons ventos da economia _Correa venceu as eleições de 2006, 2009 e 2013.

A bonança econômica permitiu dobrar os gastos em saúde e educação, financiar moradias e planos sociais, reduzindo a pobreza de 37%, em 2007, para 23%.

Mesmo seus opositores concordam que os gastos não se reduziram a distribuição de benefícios à curto prazo, Correa também investiu em infraestrutura, construindo milhares de novos quilômetros de estradas e reformando as antigas, além de inaugurar e reformar aeroportos.

Também existe um consenso na sociedade de que a chegada de Correa foi importante para colocar fim numa instabilidade política que já era crônica no Equador.

Na década anterior, entre 1996 e 2005, o país teve nada menos que oito presidentes. “Nós dormíamos com um e acordávamos com um outro, isso gerou enorme insegurança na população. Tudo o que queríamos era que aquela instabilidade parasse”, diz o bancário Edwin Muñoz, 52.

Até que surgiu no cenário esse personagem novo na política. Correa não estava ligado a nenhum partido tradicional. Era um economista que tinha feito pós-graduação na Bélgica e nos Estados Unidos. Religioso, havia passado um tempo no interior, com um monsenhor da Teologia da Libertação, aprendendo quéchua com os indígenas.

Quando se elegeu com uma plataforma de esquerda, Correa tomou carona no chavismo. Mas, apesar de alinhar-se com Hugo Chávez (1954-2013) e com outros governos esquerdistas do continente _no anti-americanismo, no discurso populista e nas políticas assistencialistas_ Correa preferiu percorrer um caminho próprio, voltando-se mais para dentro de seu país. Também deixou a esquerda mais radical e migrou para o centro, fazendo alianças com o empresariado a adotando medidas pragmáticas na economia.

Também diferentemente do venezuelano, Correa não se apoiou nos militares, nem simplificou demais seu discurso, até porque guardava uma importante diferença com seus pares esquerdistas da região _ uma formação acadêmica bastante superior, com um PhD em economia.

Mas, se as melhorias na vida dos pobres logo se fizeram sentir, o país foi perdendo em outros aspectos.

Especialistas apontam para o ano de 2010 como o ponto em que Correa passou a centralizar o poder e a avançar contra as instituições.

O estopim teria sido a crise da polícia em 2010 _uma rebelião de oficiais reprimida de forma dura pelo governo, com saldo de um morto.

O presidente acusou ter sido vítima de um golpe de Estado. A partir daí, limitou os poderes da Justiça e acirrou seu avanço contra a imprensa.

“O poder, no Equador, passou a se concentrar praticamente apenas no Executivo”, diz Polit.

Por outro lado, já sentindo a desaceleração da economia mundial, Correa fez concessões a empresas chinesas para ampliar a exploração de minas em territórios pertencentes aos indígenas. Como estes haviam sido chave para a formação de sua base eleitoral, instalou-se um conflito. Houve protestos no interior, e Correa passou a favorecer organizações e sindicatos que se alinhassem a ele e fizessem oposição aos que se rebelavam.

A segunda grande crise começou em 2015, quando Correa começou a aumentar impostos para aumentar a arrecadação e seguir com o alto gasto público. Houve a imposição de uma nova taxa, o “imposto à plusvalia”, sobre as transações imobiliárias, e depois as “contribuições solidárias”, porém obrigatórias, por conta do terremoto de 2016, além de um aumento do IVA, que seria temporário, mas nunca se interrompeu. A população, então, foi às ruas, e protestos foram registrados em várias cidades.

Na reta final de seu governo, estouraram os escândalos da empreiteira brasileira Odebrecht, envolvendo obras contratadas durante seu mandato e o da Petroecuador, petrolífera do Estado acusada de desvio de recursos.

A degradação da economia e o desgaste de sua imagem estão por trás da negativa de Correa de concorrer a um quarto mandato _algo a que estaria habilitado, uma vez que aprovou tal recurso em 2015.

Aos 53, decidiu que dedicará tempo à sua família. Casado há mais de 20 anos com a belga Anne Malherbe, e com dois de seus três filhos vivendo na França, Correa anunciou que irá morar na Europa.

Porém, no começo da semana, brincou,  numa entrevista à uma rádio, que: “se eles se comportarem mal (referindo-se a quem o sucederia), eu volto para concorrer a um outra eleição, e olha que vou derrotar a todos novamente.”

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