Sylvia Colombo https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br Latinidades Tue, 30 Nov 2021 12:31:53 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Série sobre Maradona revela duas caras da Argentina https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2021/11/01/serie-sobre-maradona-revela-duas-caras-da-argentina/ https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2021/11/01/serie-sobre-maradona-revela-duas-caras-da-argentina/#respond Mon, 01 Nov 2021 14:57:55 +0000 https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/files/2021/11/MC63ASICCZAAPPRIOEMLN7K3ZA-320x213.jpg https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/?p=3950 O escritor britânico Martin Amis, que viveu vários anos no Rio da Prata, dizia que o caráter nacional argentino era definido pelo fato de o primeiro gol de Maradona contra os ingleses, na Copa do Mundo de 1986, ser preferido em relação ao segundo.

O primeiro, para quem não lembra ou não viu, é o famoso gol de mão, que o próprio ídolo admitiu ter sido roubado, mas justificou afirmando que se tratava da “mão de Deus”. O segundo, minutos depois, é uma jogada cinematográfica, em que Maradona recebe um passe na área argentina, dribla meio time adversário e arremata, enganando o goleiro Shilton.

Para Amis, entre a trapaça do primeiro gol e a genialidade do segundo, a maioria dos argentinos fica mais encantado com a trapaça. E isso explicaria não apenas o carisma do jogador, mas também uma relação de fascínio dos argentinos com a corrupção e com aqueles que têm talento para enganar os demais. Maradona seria o exemplo máximo da “viveza criolla”, algo que no Brasil seria o equivalente da malandragem.

“Maradona – Sueño Bendito”, série da Amazon Prime lançada na semana em que o ídolo completaria 61 anos e pouco antes do primeiro aniversário de sua morte, joga com essa dualidade argentina. Os momentos de genialidade são relembrados e repassados com preciosas imagens de época, emocionantes de rever. Mas o foco e  o investimento na sedução do espectador estão nos detalhes de sua vida de excessos: bebida, drogas e mulheres. E, mais uma vez, Maradona é desculpado. Pelo talento futebolístico, sim. Pela história de superação do menino nascido na pobreza, também. Mas, principalmente, pela malícia, pelo comportamento machista e criminoso do jogador, que abusou de mulheres e se meteu com a máfia italiana, entre outras coisas.

Entre as passagens que mostram sua genialidade futebolística, se destacam as de seu início, no clube Cebollitas, depois no Boca e no Barcelona. Também está bem recriada sua infância em Villa Fiorito, favela de Buenos Aires que, apesar do filho famoso, continua tão pobre como antes _vale lembrar que a pobreza na Argentina é de 40% da população. Entre as cenas que fazem o elogio de suas barbaridades estão seu comportamento agressivo com os cartolas, suas mentiras para enganar as mulheres, os filhos ilegítimos, seus gastos disparatados de dinheiro em festas e carros, sua relação com a cocaína.

As mulheres ocupam papéis de entrega e sofrimento para que o ídolo brilhe. Doña Tota (em atuações fantásticas de Mercedes Morán e Rita Cortese), a mãe de Maradona, que é tratada como santa na Argentina, exerce sua função de parir, criar, proteger e desculpar o filho. Não sabemos de mais nada de sua vida. Claudia (a mulher), surge como a que sempre aceitou e sofreu escondida as infidelidades do marido, e as amantes como mulheres  “que sabiam com quem estavam se metendo e por isso não têm do que reclamar”. Clássica narrativa “machirula”, como se diz aqui.

O Brasil surge, como é de costume, com exageros no estereótipo, e como notou a imprensa local, distorcendo fatos. Na cena do encontro de Maradona com Pelé, que ocorreu em 1979, o ídolo brasileiro aparece rodeado de mulheres de topless, e ambos se jogam num coquetel à beira da piscina. Na realidade, o encontrou foi presenciado por assessores homens dos dois lados e do pai de Maradona, Don Diego.

Há mérito notável da série na qualidade do roteiro, no conjunto das atuações de um casting de primeira linha e na pesquisa de imagens de época. Os três atores que fazem o Maradona adulto também se sobressaem, com especial destaque para Nazareno Casero, que faz o jogador em sua época no Barcelona. O ator imita seus trejeitos e seu modo de andar à perfeição.

O show decepciona pelo ângulo ao tratar o personagem, hiperbolizando a vida de anedotas já exageradas do personagem, como na cena inventada em que um Maradona adolescente se livra de um grupo de militares durante a ditadura fazendo embaixadinhas. Uma série cheia de exageros que poderiam ser dispensáveis, como era a personalidade do próprio jogador.

 

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Cristina viaja https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2013/01/22/cristina-viaja/ https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2013/01/22/cristina-viaja/#comments Tue, 22 Jan 2013 08:00:00 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/?p=626 Cristina Kirchner passou 12 dias fora do país, numa turnê que começou com a visita a Hugo Chávez em Cuba e terminou ontem, no Vietnã. Se os benefícios para o comércio bilateral da Argentina com os países asiáticos não são muito relevantes de um modo geral, por outro lado a viagem da presidente para aquele lado do mundo serviu para mostrar o quanto o cenário midiático argentino –o kirchnerista e o anti-kirchnerista – está viciado em Cristina, e vice-versa.

Desde que partiu, só se falou dela. A imprensa opositora acompanhou cada passo da turnê, com enviados especiais e comentaristas para cada atividade.

As matérias críticas começaram a sair desde o primeiro dia: a verdadeira importância econômica dessa viagem, o absurdo do uso de aviões alugados da Inglaterra para evitar que o Tango 01 fosse embargado por credores, a instalação da presidente em caríssimos hotéis a convite dos governos e outras.

Foram muitas as acusações de irregularidades ou de comportamento pouco ético da presidente, ilustradas pelas fotos de Cristina passeando por corredores de suntuosos palácios, e até experimentando uma dourada cereja que ganhou de presente de um de seus anfitriões, nos Emirados Árabes Unidos.

Cristina, por sua vez, respondeu de maneira descompensada. Agora usando o Twitter de maneira compulsiva, a presidente postou mais de 30 comentários quando esteve viajando. Neles, atacou todos os seus inimigos: o grupo Clarín, as grandes corporações, a Justiça, o opositor Mauricio Macri, os ruralistas e outros. A reação mais descontrolada foi contra o ator Ricardo Darín.

O protagonista de “O Segredo de Seus Olhos” havia dado uma entrevista à revista “Brando” questionando o enriquecimento do casal Kirchner e fazendo observações duras com relação ao modo como o kirchnerismo dividiu a sociedade argentina.

Cristina reagiu imediatamente. Por meio do Facebook e do Twitter, divulgou uma carta em que se dizia admiradora de Darín e cinéfila, mas acusando-o de se meter em assuntos que não lhe cabiam, além de apontar que ele havia tido problemas com a Justiça em 1991, quando comprou uma moto de maneira ilícita.

A briga de Darín com Cristina ganhou as manchetes dos jornais e foi assunto de vários noticiários, predominando sobre questões internas e internacionais.

Enquanto isso, a viagem seguiu rendendo. Como qualquer usuário comum do Twitter, Cristina postou várias impressões sobres os países que visitou. No último fim-de-semana, veio o melhor. Fotos de sua visita aos túneis usados pelos vietcongs para resistir contra as forças norte-americanas e francesas. Cristina evocou San Martín e Belgrano para elogiar a resistência vietnamita e posou sorridente “escondendo-se” nas trincheiras.

As fotos foram destaque em todas as partes. Nesse meio tempo, não se falou da oscilação do preço da soja, da maquiagem da inflação feita pelo Indec _que divulgou que a mesma é de 10%, e não de 25% como afirmam as consultorias privadas. Tampouco se falou do dólar a quase 8 pesos, nem da queda abissal do número de turistas na Argentina, que andam preferindo o barato e ensolarado Uruguai.

Os problemas reais da Argentina passam ao largo dos noticiários, sejam ele kirchneristas ou anti-governo.

A figura de Cristina, na Argentina dos dias de hoje, é tão onipresente, que ofusca os temas de real impacto na vida dos cidadãos. Mais vale esperar seu próximo twitt ou a próxima foto de suas aventuras, do que discutir soluções para os problemas verdadeiros do país.

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Depois do Clarín, a Justiça https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2012/12/18/depois-do-clarin-a-justica/ https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2012/12/18/depois-do-clarin-a-justica/#comments Tue, 18 Dec 2012 05:00:05 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/?p=584 Em guerra com o conglomerado de mídia mais importante da Argentina, o governo parecia ter no Clarín seu inimigo número 1. O cenário era este até a semana do fatídico 7D (7 de dezembro), quando caducaria a cautelar obtida pelo grupo na Justiça e este teria de começar o processo de desinvestimento de muitas de suas licenças.

Nos tensos dias que antecederam o 7D, o governo começou a disparar contra o sistema judiciário. O ministro de Justiça, Julio Alak, disse que uma determinação que beneficiasse o Clarín poderia ser interpretada como um “levante”, enquanto o deputado ultrakirchnerista Carlos Kunkel disse que os juízes estavam preparando um “golpe de Estado”.

Foi o suficiente para armar-se um clima pesado entre os magistrados do país e Cristina. Desde então, o panorama foi ficando cada vez mais feio. E é difícil dizer hoje se o verdadeiro inimigo atual do governo é a mídia ou a Justiça.

No dia 6, incomodados com a pressão do governo, os juízes da câmara onde tramitava o caso Clarín concederam ao conglomerado uma prorrogação da cautelar que eximia o grupo de cumprir com dois polêmicos artigos antimonopólio da Lei de Mídia. 

Os kirchneristas ficaram furiosos. Cristina, em discurso na Praça de Maio, falou em “pistolas do judiciário”, e a sugerir que a Justiça deveria “ouvir a vontade popular”, como quem diz que sua autoridade, por conta dos 54% dos votos que recebeu em outubro de 2011, estava acima da lei.

Durante a semana, as provocações continuaram. Cristina voltou a criticar os juízes, dizendo que havia um “divórcio” entre a justiça e a sociedade argentinas e propondo um plano para reformar o sistema, colocando-o mais sob o controle do Estado.

A Corte Suprema, por sua vez, não se intimidou, e disse “não” ao pedido extraordinário de “per saltum” para o recurso sobre a Lei de Mídia.

Outro funcionário kirchnerista foi direto a um juiz da Corte Suprema, Ricardo Lorenzetti, acusando-o de ter pretensões eleitorais, e por isso não possuir crédito. Lorenzetti respondeu duramente, em entrevista a uma rádio, dizendo que a Justiça era independente das corporações e negando sua candidatura.

Na sexta, no final do dia, um juiz de primeira instância declarou constitucional a Lei de Mídia, abrindo um novo capítulo na disputa entre Clarín e governo. Foi uma pequena vitória de Cristina, mas ainda insuficiente para comemorar, uma vez que cabe recurso e a novel continua.

O saldo do mês de dezembro, porém, é de um desgaste muito grande entre Executivo e Judiciário, com o primeiro acuando o segundo. Até onde Cristina levará esse cabo-de-força não se sabe, mas trata-se de mais uma atitude um tanto irresponsável de sua parte. Não existe democracia nem país maduro onde a Justiça não seja independente.

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A Argentina não é a Venezuela https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2012/12/11/a-argentina-nao-e-a-venezuela/ https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2012/12/11/a-argentina-nao-e-a-venezuela/#comments Tue, 11 Dec 2012 05:00:59 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/?p=576 Desde que começaram as mobilizações, principalmente da classe média, contra o governo Cristina Kirchner, o fantasma que assustava os anti-kirchneristas era o do exemplo venezuelano. A mídia opositora também embarcou na ideia de que, se o autoritarismo de Cristina e suas ações contra a imprensa se agravassem, o país estaria cada vez mais parecido ao parceiro caribenho.

A verdade é que o discurso kirchnerista dá muito espaço para que se pense isso. Controle ao dólar, perseguição à imprensa, expropriações, uso indiscriminado da cadeia nacional, são muitos os pontos em comum entre o kirchnerismo e o chavismo. Se levarmos em consideração que, na Argentina, há um aprofundamento do que os governistas chamam de “modelo”, realmente o vínculo com o país de Hugo Chávez se faz mais evidente.

 Porém, na última semana, a Justiça argentina deu provas de que ainda existe mais institucionalidade aqui do que em países como Equador e Venezuela, onde todos, Congresso, Justiça e outros estão completamente à mercê do poder presidencial.

Após passar a semana ouvindo ataques e pressões por parte de membros do governo, os juízes reagiram. Tinham sido chamados de “revoltosos”, pelo ministro da Justiça, Julio Alak, e até acusados de estarem planejando um “golpe de Estado”, segundo o deputado ultra-kirchnerista Carlos Kunkel.

Isso porque o governo pressionou muito para que se mantivesse para a última sexta-feira, o chamado 7D, o prazo final para que os meios que possuem licenças excedentes segundo a Lei de Mídia, aprovada em 2009, apresentassem um plano de venda de suas concessões.

A Lei já está em vigor, mas havia duas cláusulas a que o Clarín, maior conglomerado do país, se opunha e por conta das quais havia entrado na Justiça.

O governo já planejava o leilão das licenças excedentes do grupo, e também realizar uma grande festa por ter conseguido dar a estocada final em seu principal inimigo desde 2008.

Na quinta à noite, porém, a Justiça colocou água nos planos do governo e prorrogou a cautelar que beneficia o Clarín e outros meios que possuem licenças excedentes. Ficou adiada a aplicação dos polêmicos artigos até que seja julgada a chamada “questão de fundo”, ou seja, a inconstitucionalidade da lei, o que deve acontecer em janeiro.

A trama jurídica, pelo visto, vai durar um tempo. E é justamente isso, tempo, que o Clarín quer. A estratégia do grupo, ao que parece, é esperar que se acirre mais a queda de popularidade de Cristina e o desgaste desse governo. No ano que vem, com as eleições legislativas, este pode perder apoio e até ver ameaçada sua maioria no Congresso. Se for assim, será mais difícil mobilizar os poderes para debilitar o império midiático, e a situação toda pode ficar para o próximo governo.

O “não” dos juízes, porém, é um bom sinal. Não por travar a lei, que deve mais é ser discutida e aplicada, caso seja isso que os argentinos decidam, por meio de seus representantes. A negativa do judiciário mostra, porém, que não é correto que o Executivo exerça pressão sobre o Judiciário, e que este atenda os pedidos do governo passando por cima da Constituição. Um ministro da Justiça que faça ameaças a uma corte é algo inaceitável. E a resposta da Justiça deu bem a conta disso.

O mais importante foi confirmar a independência dos poderes. Isso, mais uma sociedade crítica e complexa, aberta a distintos tipos de discussão, fazem da Argentina um país mais difícil a ser dobrado por semi-ditadores, como infelizmente está acontecendo na Venezuela e no Equador.

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México, tempo de trégua https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2012/12/04/mexico-tempo-de-tregua/ https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2012/12/04/mexico-tempo-de-tregua/#comments Tue, 04 Dec 2012 05:00:12 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/?p=563 Estive no México em duas ocasiões neste ano. A primeira, em julho, para cobrir as eleições nas quais o priísta Enrique Peña Nieto saiu vitorioso. A segunda, agora, para acompanhar a Feira Internacional do Livro de Guadalajara, maior evento das letras latino-americanas, que ocorre na capital do estado de Jalisco.

Durante a minha primeira passagem, fiquei bastante impressionada com o movimento “YoSoy132”, que reuniu jovens universitários que se posicionaram contra a candidatura de Peña Nieto. De um colorido e um vigor ímpares, os integrantes do grupo tomaram as ruas das principais cidades do país, em especial as da Cidade do México, conhecida como D.F.

Suas bandeiras eram muito claras: denunciar os superpoderes e a corrupção do grupo Televisa, pedir justiça pelo massacre de Atlacomulco, pelo qual Peña Nieto é responsabilizado, o fim da guerra contra o narcotráfico e maior transparência do governo. A principal, porém, era opor-se à candidatura de Peña Nieto.

Boneco de Peña Nieto momentos antes de ser destruído por estudantes na Cidade do México

Seu movimento ganhou volume e influência, sendo responsável por incluir esses temas nas agendas dos candidatos, que passaram a abordá-los em discursos, e forçando um terceiro debate, mais informal, que permitiu conhecer melhor os postulantes. O único que não se comoveu com eles foi Enrique Peña Nieto. E o clima de enfrentamento entre jovens x governo, se acirrou desde então.

 Lembro-me de uma tarde de julho, às vésperas da votação, em que os estudantes programaram um ato para a Praça da Revolução. Entre outras coisas, promoveram a queima e a destruição de um boneco gigante de Peña Nieto.

Seguramente, essa eleição não teria sido a mesma se não fosse por eles e pela insistência de que se fossem discutidos esses temas candentes. Também é verdade que suas marchas coloridas e criativas deram vida e projeção à eleição diante da mídia internacional. Porém, a violência de seus atos e símbolos deveria ser mais contida e melhor endereçada. Nada justifica queimar ou destruir a imagem de uma pessoa. Daí a partir para um ato violento de verdade, não parece haver muita distância.

Um pouco mais disso, infelizmente, vi agora, nessa minha segunda passagem. No dia da posse de Peña Nieto houve enfrentamento de jovens e polícia. Por mais que o “YoSoy132” tenha tentado desvincular-se do ocorrido, foi confirmado que os jovens estavam ligados ao grupo. Houve quatro feridos, um deles ainda está em estado grave.

 A rejeição à Peña Nieto tem razão de ser. Político autoritário, um neo-caudilho com relações duvidosas com a Televisa e um passado que não fala bem de sua capacidade de administrar crises durante sua atuação como governador. Além disso, representa um partido responsável por muito atraso no México, além de ser um dos campeões de corrupção e de manipulação de resultados das urnas.

Isso, porém, não justifica os episódios de violência, e seria hora de os movimentos progressistas pensarem em dar-lhe uma trégua, ou pelo menos que o deixassem começar a apresentar suas propostas de governo. Afinal, os desafios que o esperam são grandes: manter o país na linha do crescimento, combater o crime organizado, incluir os mais de 50 milhões de pobres e outros.

Fazer isso sem o apoio do Congresso –o PRI não tem maioria– e com uma multidão nas ruas reclamando, não será fácil. Por mais objeções que se façam a seu nome, é fato que Peña Nieto ganhou nas urnas, numa eleição em que, mesmo que haja havido problemas na contagem dos votos, foi ganha com ampla e indiscutida margem.

Para continuar orgulhando-se da estabilidade institucional que alcançou nos últimos anos, o México precisa deixar Peña Nieto, pelo menos, começar a governar. Ao “YoSoy132”, seria uma bela lição de maturidade começar a colocar suas propostas no papel, formalizá-las e, quem sabe, estruturar-se como partido ou como uma organização melhor desenhada. O quadro político mexicano só teria a ganhar com esse novo, jovem e vigoroso membro da oposição entrando no jogo de forças.

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Argentina, ou a vida numa bolha https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2012/11/27/argentina-ou-a-vida-numa-bolha/ https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2012/11/27/argentina-ou-a-vida-numa-bolha/#comments Tue, 27 Nov 2012 05:00:48 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/?p=549 A Argentina é um país encantador e cheio de gente interessante, uma cultura literária e musical intensa e vibrante, e Buenos Aires é uma cidade agradável, de linda arquitetura. Na verdade, a lista de atributos é muito grande e, desde que cheguei aqui para viver, em julho de 2011, me surpreendo positivamente com várias coisas.

Mas é preciso dizer que há algumas características gerais –não estou falando de exceções– que irritam. Ou melhor, que até contaminam e te fazem achar normal certas coisas. Por sorte, saio seguidamente do país e, a cada viagem, fica mais fácil constatar: o argentino médio é provinciano e não dá bola para o mundo. Pior, em muitos casos, odeia o mundo e acha que ele só existe para tirar daqui suas riquezas e maravilhas.

Podemos começar, por exemplo, pelos noticiários e pela TV. Se você consumir apenas os jornais, programas e sites argentinos, pouco ficará sabendo do que acontece na Síria, na Líbia, em Israel, até mesmo no Brasil, o vizinho e principal parceiro comercial da Argentina. Com exceção da eleição norte-americana, e mesmo esta foi só um pouco mais ampla que as outras notícias internacionais, tudo o que acontece lá fora interessa pouco, ou é usado para reforçar um nacionalismo tipo torcedor, em alguns casos pode-se dizer primitivo.

O mundo das artes, por sua vez, tem cada vez menos variedade. Os cinemas de arte tornaram-se raros, os livros importados têm dificuldade para entrar, a música de fora vem menos porque a situação econômica não permite a vinda de shows e concertos como no antigamente.

Talvez a origem disso tudo esteja no passado colonial, nos tempos em que a Argentina era um rincão afastado do império espanhol, onde tanto as ideias como a comida e as roupas tinham muita dificuldade em chegar. Desenvolveu-se, então, um sistema de sobrevivência baseado na autoafirmação do caráter nacional.

Some-se a isso as dificuldades econômicas do presente e o autoritarismo de um governo essencialmente nacionalista, e temos uma mistura bastante difícil de engolir.

O isolamento mais o nacionalismo têm efeitos nocivos. É uma característica forte no argentino a ideia de que o que vem de fora não é nunca para ajudar ou para somar, mas sim para estragar, aproveitar, levar embora.

É difícil entender porque o discurso do governo kirchnerista é tão eficiente se não tomarmos em conta esses elementos. É quase uma fórmula, que o governo usa com habilidade já há algum tempo.

Na época do aniversário dos 30 anos da Guerra das Malvinas, foi assim. Cristina apelou para o nacionalismo e o ódio ao império britânico –mesmos elementos usados antes na ditadura– para fazer renascer nos argentinos a reivindicação pelas ilhas. Perdida essa batalha, usou a receita para expropriar a YPF. Os espanhóis foram retratados como exploradores, seu passado colonial reavivado. Resultado, a medida teve amplo apoio tanto da direita como da esquerda.

Recentemente, tivemos o caso da Fragata Liberdade, embarcação retida no porto de Tema, em Gana, por determinação da Justiça daquele país atendendo a um pedido de um “fundo abutre” norte-americano para quem a Argentina deve.

Na ocasião, Cristina apelou novamente ao anti-estrangeirismo médio do argentino, disse que “podiam ficar com nossa fragata, mas não com nossa soberania”. O detalhe é que não se trata de um ataque ao país, apenas a cobrança de uma dívida não paga.

Agora, o mesmo está sendo dito com relação à decisão do juiz Tomas Griesa que obriga o país a pagar suas dívidas com credores norte-americanos até o dia 15 de dezembro. Transformando um problema grave em arma para fortalecer seu relato, o kirchnerismo tenta capitalizar apoio atirando contra os “fundos abutre” que vêm do exterior com a única intenção de prejudicar a Argentina.

É claro que estou fazendo uma generalização, e parte da cultura do país é cosmopolita e aberta, não poderia ser diferente numa cidade que nasceu em torno de um porto.

Porém, nos dias de hoje, quando se contrapõe a Argentina nacionalista, voltada para o próprio umbigo, à Argentina aberta e moderna, tão famosa no começo do século 20, esta segunda parece estar fora de moda, sufocada pela primeira. O espírito dos tempos kirchneristas reforça a divisão, a manutenção das fronteiras e o entrincheiramento do país diante dos outros, até dos vizinhos, como o Brasil.

O atual governo está fazendo um uso político negativo de um aspecto caráter nacional para levar o país à contramão do mundo e dos tempos. Uma pena.

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A casa do terror https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2012/11/20/a-casa-do-terror/ https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2012/11/20/a-casa-do-terror/#comments Tue, 20 Nov 2012 05:00:08 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/?p=539 Coronel Suárez é uma cidade pacata e pequenina ao sul da província de Buenos Aires. Até a semana passada, pouco se havia escutado falar sobre ela, até que um terrível crime a colocasse em evidência no noticiário.

Aqui na Argentina, os jornais e meios em geral tendem a assumir casos como se fossem novelas, sejam eles políticos, futebolísticos ou policiais. Esse é o caso da “casa do terror” de Coronel Suárez, trazido a público pelos correspondentes no local quase que com retoques literários. Numa semana em que a popularidade de Cristina Kirchner foi colocada à prova devido às repercussões da marcha do 8N, em que a Fragata Liberdade continua parada no porto de Gana e quando aproxima-se a data em que o grupo Clarín será obrigado a responder a um ultimato do governo, o assunto que monopolizou conversas de bares e horas e horas da programação televisiva foi o escabroso crime de Coronel Suárez.

A história de terror envolve a jornalista mais famosa do lugar, a apresentadora Stefanía Heit, 29, e seu namorado, supostamente um pastor religioso evangélico, Jesus Olivera, 28.

Descobriu-se, nada menos, que os dois mantiveram em cativeiro uma mulher de 33 anos, Sonia Molina, por pelo menos três meses. Olivera a havia seduzido na Igreja, depois a tinha convencido a abrir mão de seus bens, a vender uma casa e a sacar dinheiro de suas contas para dar a ele, em troca da promessa de “glória divina”.

Já sem nada no bolso, Sandra abrigou-se na casa dele e de Stefanía. Foi quando verdadeiro o terror começou.

O casal confinou Sandra num espaço de um metro por um metro e meio. Amarrada, sofreu torturas, levou surras e foi violada seguidamente. As sessões eram gravadas pela câmara do celular de Heit. Esse foi o cotidiano na casa da rua Gran Bourg. Sandra era alimentada com comida de cachorro e água com excrementos de animais.

Um dia, o casal resolveu livrar-se dela e a obrigou a escrever, de próprio punho, uma carta de suicídio. Sandra estava magra e enfraquecida. O casal já não via sentido em mantê-la amarrada e a levou para um quarto. Superando a fraqueza extrema, Sandra aproveitou um momento em que ambos haviam saído e forçou a janela do quarto. Conseguiu escapar, mas assustou-se com os quatro cachorros da casa. Com dificuldade, desvencilhou-se deles, subiu num latão encostado no quintal e conseguiu escalar o muro. Do outro lado da rua, correu como podia e, quando viu um táxi chegando, colocou-se na frente dele e o parou, desesperadamente.

Pediu que este a levasse até a casa da família para a qual estivera trabalhando até pouco tempo atrás. Tratava-se de um casal de alemães que viviam numa colônia perto de Coronel Suárez. A mulher espantou-se com o estado de Sonia. Tinha o tórax raquítico, marcas de golpe e feridas em todo o corpo. Ajudou-a a tomar um banho e chamou a polícia.

Enquanto isso, Stefanía e Jesus tentavam limpar a casa e livrar-se de notas e recibos de transferências feitos por Sonia para contas deles. No momento em que saíram para jogar fora um saco cheio delas, a polícia os interceptou e prendeu.

Assim como o caso Candela, menina brutalmente assassinada no ano passado no conurbano bonaerense, o caso de Coronel Suárez está monopolizando as atenções do país. A cada dia, surgem gravações, revelações e detalhes do sofrimento da vítima. Os dois grandes jornais da Argentina adotaram posturas diferentes. Enquanto o “Clarín” explora o crime em cada detalhe, publicando mapas, desenhos, íntegras das conversas e depoimentos, o “La Nación” prefere manter a posição mais séria, atualizando o noticiário apenas com base nas informações da polícia, em tom menos apelativo.

Num momento em que há um enfrentamento violento entre os meios independentes e o governo, um caso como esse é a oportunidade de se exercer bom jornalismo e mostrar que seu crédito com o público está renovado. Afinal, tem sido muito comum encontrar erros de apuração e informação nos grandes jornais. Tão preocupados estão eles em ganhar a batalha com o governo, que se esquecem de investir em reportagem e em buscar alguma objetividade nos fatos. Pelo que se pode ver até aqui, com o caso de Coronel Suárez, é que o “Clarín” segue uma linha apelativa e bastante questionável, enquanto o “La Nación” prefere não cometer excessos, mas tampouco arrisca muito. A debilidade que demonstram ao não conseguir cobrir a história bem e não atender a demanda do público leitor é uma boa amostra de como estão ambos impactados e desgastados pela batalha com o governo.

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O que ficou do 8N https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2012/11/13/o-que-ficou-do-8n/ https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2012/11/13/o-que-ficou-do-8n/#comments Tue, 13 Nov 2012 05:00:37 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/?p=511 E o 8N, data do protesto tão alardeado pela oposição ao governo Cristina Kirchner, já é passado. O balanço final dos organizadores foi de que a manifestação teve êxito: presença avassaladora de anti-kirchneristas, nada de violência, nem verbal, nem física, e bandeiras que de tão amplas, cobriam todas as áreas e imperfeições do governo.

Porém, o que ficará do protesto e qual a possibilidade de influir nos próximos atos do governo? A resposta certamente virá nos próximos meses, porém, podem-se fazer algumas especulações. Seguem algumas reflexões.

1. O governo não ouviu nada.

Em suas declarações no dia da marcha (“não vamos relaxar”) e no dia seguinte (“o que aconteceu de importante no mundo ontem foi o congresso do partido comunista chinês”), Cristina Kirchner deixou claro que as reclamações por mais transparência, mais respeito às instituições democráticas e de julgamento para os casos de corrupção de que são acusados funcionários de seu governo não terão nenhum efeito prático. Cristina não dá sinais de que iniciará reformas políticas, de gestão, tampouco de que quer esclarecer acusações contra seus aliados.

Crédito: Sylvia Colombo

2. A re-reeleição não passará.

O governo quer, e está tratando de colocar o tema na agenda da mídia e do Congresso a todo custo, apesar de não ter feito, ainda, nenhum movimento oficial.

A demonstração de repúdio à ideia, porém, que ficou muito clara na noite do panelaço, é suficiente para dar aos congressistas a medida do quão indesejados seriam a reforma da Constituição e um novo termo para Cristina. Nos dias anteriores à marcha, deputados e senadores se comprometeram, por meio de documentos abaixo-assinados, a dizer “não” à proposta.

Além disso, a insatisfação crescente da população deve fazer com que o governo perca a maioria que tem hoje no Congresso nas próximas eleições legislativas, em 2013. Sem essa maioria, impossível fazer reformas na Constituição.

Assim, o quadro do terceiro mandato vai parecendo uma hipótese cada vez mais distante.

3. A mídia tem dado vexame.

Nenhum jornal ou emissora de TV cobriu a marcha com um mínimo de objetividade. Jornais sérios, como o “La Nación”, deram títulos épicos para o triunfo do protesto. Os meios opositores ao governo, em geral, trouxeram furiosos artigos de opinião enaltecendo as bandeiras da marcha. Nenhum, porém, teve a boa ideia de mandar repórteres com o único objetivo de descrever o que acontecia nas ruas ou, simplesmente, para contar quanta gente havia.

Na noite do evento e no dia seguinte, jornalistas estrangeiros sofriam para conseguir uma cifra que fosse pelo menos aproximada, de alguma fonte de notícias ou de alguma autoridade. As da cidade, que estão nas mãos da oposição, exageravam a cifra para cima. Os alinhados ao governo, como a Agência Télam, diziam que não havia mais de 50 mil pessoas no Obelisco –a estimativa final da polícia metropolitana foi de 500 mil pessoas.

Há técnicas hoje em dia para medir a quantidade de pessoas em eventos públicos usadas amplamente por veículos pelo mundo. Nem “Clarín”, nem “La Nación” nem ninguém se preocupou em dar uma informação precisa sobre isso.

Crédito: Uki Goñi

4. As redes sociais terão cada vez mais influência

Seguindo uma tendência internacional, a convocação do 8N foi feita basicamente pelas redes sociais. Ao longo das últimas semanas, blogs, Facebook e Twitter espalharam a notícia e organizaram as rotas do protesto. O surgimento e a proliferação de blogs anti e pró kirchnerismo animam a política local e provocam o comodismo e o partidarismo dos meios tradicionais, comprometidos em sua batalha particular contra o governo.

5. O 7D será uma data-chave

Passado o 8N, a atenção geral agora será voltada para o 7D. Nesse dia, vence a cautelar conseguida pelo “Clarín” para que ficassem suspensas as cláusulas que o obrigam a desinvestir, ou seja, a abrir mão de meios e licenças que superem o novo limite.

O governo vê na ocasião uma oportunidade de recuperar a mística dos tempos dourados do kirchnerismo, o início da gestão Néstor, com o país crescendo a 9% ao ano. Muita coisa deu errado para Cristina em 2012: surgiram denúncias contra seu vice, Amado Boudou, a inflação subiu muito, a economia estagnou-se, um terrível acidente de trem minou sua popularidade entre classes mais baixas. Tudo isso junto colaborou para que seu índice de aprovação caísse para baixo dos 40% apenas um ano depois de vencer uma eleição por 54% dos votos.

Que o 7D seja um sucesso é uma necessidade para que o governo volte a reconstruir sua imagem. Portanto, a agressividade com relação aos meios independentes, em especial ao “Clarín”, deve aumentar nas próximas semanas.

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Unidos, organizados, e assustando https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2012/11/06/unidos-organizados-e-assustando/ https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2012/11/06/unidos-organizados-e-assustando/#comments Tue, 06 Nov 2012 05:00:30 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/?p=499 Aos poucos, o governo kirchnerista vai prescindindo da política. A mais nova manifestação disso é a progressiva perda de relevância dos partidos tradicionais e o aumento da influência de uma militância aguerrida e violenta em seus modos de atuação.

Os partidos de oposição estão no chão. Nenhum tem uma atitude clara de confronto com relação a Cristina Kirchner. Os radicais (UCR), históricos rivais do peronismo, ensaiam uma indignação de fachada, e na hora “h” ou votam com o governo ou timidamente desperdiçam seu espaço para manifestar-se contra. O partido de Mauricio Macri (PRO), teoricamente o principal adversário de Cristina, compõe vergonhosamente com o governo em questões que são sensíveis a negócios comuns. Em questões de relevância da administração de Buenos Aires, do qual é prefeito, Macri não consegue se impor e não combate a presidente. Dá a impressão de que não tem forças para enfrenta-la e que pode jogar a toalha a qualquer minuto.

Já o peronismo de direita se mostra mais aguerrido e tentando descolar-se de organizações que a presidente privilegia, como La Campora. Porém, são temerosos de um rompimento e, mais importante, compartilham com o governo a crença de que as políticas econômicas de Cristina são as melhores para o país.

Os socialistas surgem como uma alternativa, especialmente para setores mais progressistas da sociedade. O fato de não contarem com um líder de peso e carismático, porém, pesa contra. Hermes Binner, que ficou em segundo na eleição do ano passado, será um senhor de avançada idade no próximo pleito presidencial.

Já Cristina, que tem o Congresso na mão, o usa para avançar contra as instituições. A maioria kirchnerista obediente pouco discute as propostas, que são aprovadas aos montes todas as semanas.

A presidente parece não se importar mais com a estrutura de seu próprio partido. Nunca fala do justicialismo, do peronismo ou o que seja. Seus olhos e atenção –e muita verba estatal– estão voltados para as organizações juvenis.

A que mais tem aparecido nos últimos tempos é a Unidos y Organizados, que reúne as lideranças de La Cámpora, Kolina e Movimento Evita. Acabam de inaugurar uma nova sede nacional, um verdadeiro bunker, no bairro popular e central do Once, e se estruturam para ser o principal apoio de Cristina nas eleições legislativas de 2013.

A importância estratégica dessa votação é muito grande. Caso o kirchnerismo perca cadeiras no Congresso, será difícil aprovar o projeto de re-reeleição, o que significaria a derrocada do kirchnerismo.

A Unidos y Organizados investe pesado em formação ideológica e propaganda. Seus símbolos não são ícones peronistas, mas sim heróis do progressismo latino-americano e os membros do casal Kirchner. Como Néstor se transformou de um político de perfil opaco em uma espécie de Che Guevara romântico é uma questão que fica no ar. A linguagem e a organização do grupo são praticamente militares.

Sua especialidade é organizar grandes atos em estádios e lugares públicos. No dia do aniversário da morte de Néstor, em outubro, mostrou sua força, que quer repetir em 10 de dezembro, quando se completa um ano do novo mandato de Cristina.

Nas províncias, a organização é aliada de grupos para-estatais, como o Tupac Amaru, de Milagro Sala, que tem uma espécie de milícia própria, alinhada ao kirchnerismo.

Durante a sessão que aprovou o voto aos 16 anos, medida que ajudará a ampliação do eleitorado kirchnerista ao trazer para cena boa parte da militância desses grupos, a Unidos y Organizados tomou o plenário com cânticos, faixas e uma bandeira gigante de Cristina. Cada vez que a oposição falava, era abafada por gritos e vaias.

Cristina adula o grupo. Dança e canta com eles, vibra quando ouve que se consideram “soldados do kirchnerismo”.

A sensação de que algo pode sair do controle é iminente. A violência verbal de alguns membros da Unidos y Organizados é latente. Na mesma sessão, o deputado Andrés Larroque, do La Campora, acusou o governo de uma província de ser “narco-socialista”. Em vez de ser advertido, foi amplamente elogiado pelo vice-presidente Amado Boudou.

Na próxima quinta-feira, haverá um mega-panelaço em Buenos Aires, já apelidado de 8N, por ser no dia 8 de novembro. A Unidos y Organizados espalhou pela cidade pichações com referência à data, à qual deve tentar resistir e colocar entraves. A sensação que dá, infelizmente, é que o grupo está no limiar de cometer atos violentos. Tomara que isso não passe de uma impressão.

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Futebol para todos https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2012/10/30/futebol-para-todos/ https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2012/10/30/futebol-para-todos/#comments Tue, 30 Oct 2012 05:00:18 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/?p=478 O último domingo foi de festa para o futebol argentino. Pela primeira vez desde que o River Plate voltou à primeira divisão, teve lugar o embate mais tradicional do Rio da Prata, o clássico Boca x River.

O jogo terminou empatado em 2 a 2 e foi transmitido por algumas televisões abertas, todas repassando o sinal do programa Futebol para Todos, da TV Pública. Paixão nacional, o futebol na Argentina também entrou no jogo político, e ver a partida sem reparar nas inúmeras propagandas do governo veiculadas durante seus 90 minutos era quase impossível.

Desde 2009, os torneios de futebol de primeira e segunda divisão, bem como as partidas da seleção argentina e os esportes olímpicos com a presença de atletas nacionais encontram-se “estatizados”.

O que no início tinha um princípio nobre –transferir a transmissão dos canais a cabo, inacessíveis a muitos, para os abertos, em alta definição– hoje se transformou em mais uma maneira de o Estado fazer anúncios de sua gestão e promover suas políticas.

Tudo começou em agosto de 2009, quando o governo pagou à AFA (Associação do Futebol Argentino) 600 milhões de pesos. O dinheiro, associado a uma manobra política, fizeram com que os direitos de transmissão dos campeonatos locais passassem do grupo Clarín (eram transmitidos pelo canal pago TyC) para a TV Pública.  

Desde então, essa é a emissora que transmite os jogos, sendo que outros canais podem comprar direitos mas têm de respeitar o pacote oferecido pelo Futebol para Todos, ou seja, os comentários e as propagandas originais. A publicidade oficial é agressiva, e os intervalos são usados para transmitir spots relacionados às batalhas do governo. O mais recente foi o que propagava o chamado “7D”, atacando o Clarín e chamando-o a enquadrar-se à Lei de Mídia.

Nos últimos três anos, o governo já injetou 4 bilhões de pesos no programa, e o orçamento para o ano que vem é, nada menos, que 72% mais alto do que o atual.

Não por acaso, os nomes dos torneios também foram se metamorfoseando. O tradicional torneio clausura de 2011 foi batizado de “taça Néstor Kirchner”, enquanto o abertura de 2012 virou “taça Eva Perón”. O nome do prêmio da temporada recebeu o título de “Evita Capitana”.

Aos poucos, o Futebol para Todos vem se tornando um poderoso braço do aparato de propaganda da Secretaria de Meios do governo. O escândalo fala por si só, o fato de o Estado colocar tanto dinheiro num negócio que já deveria ser lucrativo por natureza torna-se gritante num país com tantas carências. Sem opção, os torcedores argentinos têm de se submeter a assistir jogos coalhados de anúncios sobre os feitos do governo.

Já se foi o tempo em que o esporte se prestava a fins de propaganda nacionalista, vide os tempos do stalinismo. Submeter os torcedores argentinos a algo parecido, em pleno século 21, é no mínimo abusivo e antidemocrático.

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