Morte de Fidel Castro completa cinco anos numa Cuba alterada

Era curioso caminhar pelas ruas do centro de Havana naqueles dias que se seguiram à morte do ditador Fidel Castro, que completa cinco anos nesta quinta-feira (25).

Na noite em que líderes internacionais se reuniram na Plaza de la Revolución para as últimas homenagens ao líder da Revolução Cubana (1959), havia uma diferença fundamental na reação das diferentes gerações de cubanos. Estavam os que apareceram abraçados a fotos do líder revolucionário ou carregando bandeiras e cartazes, alguns chorando, outros com ar de lamento. Estes eram geral pessoas mais velhas. Algumas crianças acompanhavam os pais, ou os avós, para erguer os pequenos altares com sua imagem que permaneceram por dias nas ruas de Havana.

Não houve, porém, a comoção nem a explosão social que boa parte da mídia internacional estava imaginando, como se o evento pudesse significar um divisor de águas ou o fim do regime.

De um lado, estavam as solenidades oficiais e os apoiadores dos Castro, consternados. De outro, via-se uma juventude que reagia olhando para tudo aquilo com desinteresse e desalento. Outros pareciam, ainda, mais preocupados em buscar os pontos de wifi, os únicos lugares da ilha em que é possível conectar-se à internet, e que ficam em algumas praças, certas esquinas ou ruas turísticas. Lembro de ter perguntado a alguns dos jovens por ali sobre o que estavam sentindo. O descaso surgia na forma de frases assim: “eu nem sabia que Fidel ainda estava vivo”, ou “sua morte não muda nada, antes de ficar doente, ele já armou tudo para que não mudasse nada nunca por aqui”.

Quanta coisa ocorreu de lá para cá!

Seu irmão já estava à frente do país desde 2008. Com Fidel ainda vivo, Raúl havia iniciado algumas reformas que levantaram o ânimo nacional, sinalizando não apenas uma abertura econômica como uma aproximação com os EUA que poderia, quem sabe, um dia, significar o fim do embargo.

A eleição de Donald Trump colocou esses avanços em banho-maria. Ficou distante a possibilidade de eliminar as barreiras que impedem a chegada a Cuba de alimentos, remédios e tantos outros itens que tornam o desabastecimento um problema crônico no país.

Raúl, por sua vez, foi substituído por Miguel Díaz-Canel, em 2018, que também sinalizou com mudanças na gestão da ilha.

Promulgou-se uma nova Constituição, em 2019, cheia de lindas palavras sobre a liberdade de expressão e de associação, e até um item que permitia as manifestações pacíficas nas ruas. Porém, a ideia de concretizar um “estado socialista de direito” não foi adiante. Um cerco às atividades de artistas e intelectuais criou uma forte reação desse setor. Espalhados em diversos grupos pela ilha, coletivos passaram a se juntar para ler poemas, realizar performances e greve de fome contra a censura. A ira desatada contra os artistas pelo regime foi desde o princípio desmedida. A partir de então, qualquer jovem com um celular na mão é considerado uma ameaça ao sistema, e os cárceres foram se enchendo de presos políticos.

O caldo foi entornando até que, nos últimos dias 11 e 12 de julho, a ilha viveu um momento inédito. De modo voluntário, milhares de pessoas saíram às ruas para protestar de modo pacífico contra o governo, o desabastecimento, as condições econômicas deterioradas pelos efeitos da pandemia. A repressão foi brutal nesse dia _houve uma morte e centenas de prisões.

Uma segunda manifestação, que estava marcada para o último 15 de novembro, foi abafada em seus mínimos detalhes. Opositores tiveram casas cercadas, alguns tendo sido depois levados a sair do país com a roupa do corpo. Outros tantos foram presos apenas por terem saído de branco nas ruas. Até mesmo um garoto de 15 anos, Reniel Rodríguez (@LunaticoDebates), passou alguns dias atrás das grades, de modo ilegal, só por ter saído de casa com uma camiseta branca, a filmar e mostrar por meio de suas redes sociais o que via nas ruas.

Embora o regime tenha celebrado o “fracasso rotundo” dos protestos, que afirmou terem sido articulados pelos EUA, está claro que o jogo já é outro no país. Sabendo que não vai poder manter a repressão contínua, Díaz-Canel tomou algumas medidas para tentar acalmar a população. Entre elas, a legalização de um conjunto pequeno de empresas privadas, para aliviar a pressão desse setor. Outras, mais contorcidas, passam por acertar com a Nicarágua de Daniel Ortega que cubanos possam viajar para lá sem visto. Com isso, espera-se que um grupo considerável de cubanos tome essa alternativa, na esperança de chegar aos EUA desde a Nicarágua e incrementar a partir daí o valor das remessas de dólares para a ilha. Neste quesito, o regime vem fazendo vista grossa, deixando que entre dinheiro, mesmo que de modo ilegal, ao país, porque isso ajuda a manter viva uma economia em estado de coma.

Se essas medidas forem suficientes para conter os ânimos e o poder repressivo se mantiver no mesmo grau, o regime pode ter uma sobrevida. Por outro lado, as vozes que pedem democracia na ilha não parecem querer se calar. A cada líder neutralizado ou que parte para o exílio, outros surgem. A atomização é uma força da resistência.