Na Colômbia, jornalista agredida espera 20 anos por Justiça
Abusos contra jornalistas há aos montes na América Latina. Vítimas de pressão política, assédio, ataques físicos contra si e contra familiares que podem arruinar investigações, com um período da vida ou mesmo terminar em morte. Alguns, porém, ressaltam pelo calvário que causam a seus protagonistas, e também, como neste caso, se revelam como um retrato não só da violência, como da cultura e da sociedade de cada país.
Por fim, nos últimos dias, a Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o Estado colombiano pelos abusos sofridos pela jornalista Jineth Bedoya, 47. Sequestrada, estuprada e torturada por grupos paramilitares em 2000, enquanto tentava entrar na prisão La Modelo de Bogotá, para realizar um trabalho, Bedoya teve o processo esquecido e minimizado por mais de 20 anos. O tribunal, por fim, reconheceu que o Estado colombiano é “responsável internacionalmente pela violação dos direitos à integridade pessoal, liberdade, honra, dignidade e liberdade de expressão de Bedoya”.
O presidente Iván Duque afirmou que a sentença, que determina várias medidas de reparação, entre elas a de continuar investigando os demais responsáveis pelo delito e fechar a prisão Modelo, será cumprida. A decisão acaba sendo uma derrota política para Duque, uma vez que ele pertence ao partido Centro Democrático, liderado pelo ex-presidente Álvaro Uribe, que durante sua gestão ofereceu apoio logístico e político aos paramilitares, além de interferir na Justiça quando o assunto era a defesa dos paramilitares.
A história de Bedoya vale ser recontada, para que provoque uma reflexão sobre a relação entre crime organizado e poder na América Latina.
Naquela época, início dos anos 00, a prisão Modelo estava dividida entre facções do crime e do paramilitarismo _grupos civis armados por poderosos para lutar contra as guerrilhas_ e enfrentamentos eram constantes. Havia todo o tipo de armas, contrabandeadas para dentro com a cumplicidade do Exército e dos que custodiavam o presídio.
Jineth Bedoya, jovem jornalista do El Espectador, iniciou uma série de reportagens sobre como era a vida lá dentro. Não demorou para incomodar os líderes das gangues e seus aliados no exterior. Começou a receber ameaças dentro e fora de casa. Um dia, quando fazia os trâmites na porta do presídio para entrar e realizar uma entrevista pré-combinada, um grupo de paramilitares a sequestrou, levando-a ao interior do país, em Villavicencio. Por 16 horas, foi torturada e abusada. Depois, foi abandonada na estrada e recolhida por um taxista.
Saindo dali, fez as denúncias e buscou Justiça, sem que o caso sequer fosse investigado. Um mesmo promotor esteve com o expediente parado em sua mesa entre 2000 e 2011. Segundo a jornalista, as únicas indagações que se faziam eram sobre sua própria vida e seus vínculos com os que estavam presos. Houve uma mudança de promotor, desta vez uma mulher, em 2012, e finalmente foram identificados três de seus abusadores.
A luta de Bedoya passou a ser por fazer público seu caso. Procurou a Fundação para a Liberdade de Expressão (FLIP), a Oxfam britânica, os fóruns internacionais. A promotoria colombiana, por fim, elevou a categoria do caso para “crime de lesa humanidade”. Em 2018, a CIDH se pronunciou pela primeira vez, afirmando que o Estado colombiano deveria investigar o caso e assumir a responsabilidade pelo que ocorreu com a jornalista e pela demora em atender seu caso. Desde então, a Colômbia vinha respondendo às acusações, alegando não ter envolvimento no ocorrido nem por ter-se omitido. Em outras palavras, o Estado responsabilizou o próprio comportamento de Bedoya como causador da tragédia em que se viu envolvida.
Por fim, no último dia 18, a CIDH emitiu a sentença contra o Estado colombiano e a favor de Bedoya. Foram 21 anos de exposição e de ter de justificar ao mundo o que tinha acontecido com ela mesma. Esta é uma vitória do jornalismo contra a impunidade, mas também das mulheres contra os estigmas que as acompanham. Quantas não teriam desistido antes.