Filme argentino sugere violência política entre sussurros

Nada de sangue, fuzilamentos ou tortura. “Azor” expõe a ditadura militar argentina (1976-1983) desde um outro ângulo, o daqueles que estiveram por trás dos abusos de direitos humanos, mas que não mancharam suas mãos com o trabalho sujo, mantiveram um cruel silêncio diante dos embates políticos e lucraram muito no período. Na cidade em que vivem, pouco se vê de protestos e prisões. Sua bolha parece consistir em jardins bonitos com piscina, propriedades equestres e salões de clubes sociais.

Produção suíço-argentina que estreará nas próximas semanas no Brasil, “Azor” se passa na Buenos Aires de 1980, com a chegada ao país do banqueiro Yvan de Wiel (Fabrizio Rongione) e sua mulher, Ines (Stéphanie Cléau). Embora saibam, por alto, o que está ocorrendo no país, o casal suíço mantém o foco noutra coisa: como manter as contas dos ricos clientes do banco europeu depois que seu sócio e representante no país, René Keys, desapareceu misteriosamente?

Num filme de silêncios e murmúrios, a presença do desaparecido ressalta. Todos sabem algo dele, mas o quebra-cabeças sobre o que lhe aconteceu parece não terminar de fechar. Seu apartamento, tal qual um labirinto borgeano, foi abandonado com portas abertas e cigarros por fumar. Aos poucos, vamos sabendo que ele andava realizando negócios paralelos, mas, seria ao lado dos subversivos ou da cabeça do regime? A referência a “O Terceiro Homem”, de Graham Greene é clara.

Falado em francês e em espanhol, “Azor” é um thriller político, um suspense narrado em um clima de tensão furiosa, embora quase nada vocalizada. A ação praticamente inexiste e os diálogos, parcos e sutis, acompanham a tomada lenta de consciência de De Wiel. No começo, ele parece se horrorizar com o que ouve, tem medo de dar um passo em falso e se assusta com o que imagina que pode estar acontecendo. Aos poucos, vai entrando no jogo de sedução e traição de seus interlocutores: empresários, líderes da Igreja, militares, damas da alta sociedade.

Azor, neste contexto, é uma gíria entre os banqueiros, que revela a precaução que se deve tomar no labirinto em que o filme vai se metendo. Outra referência clara é “Coração das Trevas”, de Joseph Conrad, com De Wiel em busca de seu próprio Sr. Kurtz, e “o horror” desenhado na história dos anos de chumbo argentinos.

 

Dirigido pelo argentino Andreas Fontana, que cresceu na Suíça, o filme conta com excelentes atuações, como a do protagonista e a de Pablo Torre Nilsson, que encarna o monsenhor Tatoski, apoiador da ditadura e que aposta em cavalos e na Bolsa. O clima sufocante da trama leva a pensar também nos universos criados por outra argentina, Lucrecia Martel. Diferentemente dela, porém, “Azor” tem a ação numa cidade grande, agitada e sofisticada.

Num país que já produziu dezenas de bom títulos sobre suas ditaduras militares, “Azor” ressalta pela originalidade do olhar e a sofisticação do enredo. Depois de desfilar pela Berlinale e por festivais estrangeiros, aterrissa no Brasil em novembro.