Colômbia lidera luta pelo direito à eutanásia na região

No próximo domingo, Martha Sepúlveda, 51, despertará, como sempre, como quem vai à missa. Só que, desta vez, não se dirigirá à Igreja. Essa colombiana de 52 anos, católica, enfrentou os padres de Medellín, sua cidade, e a mãe que, até então, vinham tentando convencê-la a desistir de sua decisão de encerrar a própria vida, uma vez que isso iria contra os “ensinamentos de Deus”.

Às 7h do próximo dia 10, acompanhada por seu filho, Federico, Sepúlveda se submeterá a uma eutanásia. A prática é legalizada na Colômbia desde 2015, mas até então era limitada apenas para pacientes terminais em estado avançado de uma doença. Em julho deste ano, a Corte Suprema do país liberou o acesso a esse direito também a doentes não terminais. Sepúlveda tem esclerose lateral amiotrófica, uma doença degenerativa que leva gradativamente à paralisia de todos os músculos. Embora esteja bem neste momento, rindo e falando, Sepúlveda já se angustia pelas dificuldades para locomover-se e afirma querer saltar a parte mais agônica da doença, que a limitará e a levará à morte.

“Deus é meu pai, portanto não quer que eu sofra. Assim como não quero que meu filho sofra. Para mim, o argumento religioso não faz sentido. Morrerei sendo católica, mas não aceito essa ideia de que Deus nos proíba de querer colocar um fim à nossa própria vida”,  afirmou Sepúlveda em entrevista à rede Caracol.

Desde a regulamentação da lei, em 2015, 157 colombianos pediram acesso à eutanásia e abreviaram seu sofrimento. Antes disso, uma pessoa que ajudasse alguém a morrer no país poderia ir presa por 16 a 54 meses.

Na Colômbia, segundo uma pesquisa do Invamer, 72% das pessoas são a favor da legislação.

O caso colombiano é uma referência sobre como o debate sobre a eutanásia ainda engatinha na América Latina. A Colômbia é o único país da região em que o recurso está garantido por lei, e que, com essa nova determinação da Corte, inclusive se amplia. Mas, nos demais países, principalmente por conta da presença intensa da religião católica, o tema ainda é um tabu.

Há outros dois casos que estão forçando legisladores e a Justiça de outros países a se debruçarem sobre o tema.

No Chile, Cecilia Heyder, 52, que padece de câncer, lupus e septicemia, apresentou um pedido à Corte Suprema para ter acesso a uma eutanásia, embora esta seja ilegal no país. Embora ela ainda espere a autorização para o procedimento, seu caso moveu o Congresso a debater o assunto. Em abril deste ano, foi aprovado um projeto de lei que dá acesso à eutanásia a pacientes em estado terminal ou que sofram de uma doença incurável. Agora, espera-se uma decisão do Senado nos próximos meses.

No Peru, outro país em que a Igreja Católica ainda tem muito poder junto ao Estado, um juiz determinou, de modo inédito, em março último, que a eutanásia fosse permitida no caso de Ana Estrada, 44. A psicóloga tem polimiositis, doença inflamatória sem cura que causa debilidade muscular progressiva. A decisão da Justiça foi a de “respeitar” a vontade da mulher de acabar com sua vida. Estrada afirma que, agora, espera que seu caso abra um precedente para uma legislação que contemple a situação de todos os peruanos que gostariam de abreviar seu sofrimento.

Atualmente, quem ajude uma pessoa a morrer no Peru pode pegar uma pena de até 3 anos. O atual presidente, Pedro Castillo, um esquerdista conservador, já se posicionou fortemente contra a eutanásia, o que pode fazer com que o caso de Estrada seja um acontecimento isolado.

Em vários outros países da região, como o México e a Argentina, aceita-se, de modo geral, a chamada eutanásia passiva, que passa por uma redução ou retirada de tratamento. A eutanásia ativa ainda é proibida em todos os países, como o Brasil. A única exceção da região é a Colômbia.

Sorridente e falante, Martha Sepúlveda se despede do mundo deixando um convite à reflexão. Não seria o momento de enfrentar o tabu da morte e entregar aos indivíduos a decisão de quando e como queiram partir?