11 de Setembro chileno é lembrete para escalada autoritária na América Latina
Já não se fazem mais golpes de estado como o chileno. E ainda bem!
Porém, a lembrança do pesadelo iniciado naquela manhã de 11 de setembro de 1973 deve servir de aviso para os que acompanham, neste momento, a escalada autoritária de vários líderes latino-americanos: na Nicarágua, em El Salvador, na Venezuela e no Brasil, entre outros.
O golpe militar chileno foi violento, resultou na morte dos apoiadores do presidente Salvador Allende e levou o próprio líder socialista a cometer suicídio. As Forças Armadas bombardearam seu próprio país, causando destruição, mortos e prisioneiros de guerra. Daí em diante, e por pelo menos 16 anos, o Chile teve perseguição a opositores, torturas, desaparições, ataques e censura aos meios de comunicação. As liberdades individuais deixaram de existir.
Se no início houve participação ativa e apoio dos EUA para a instalação do regime do general Augusto Pinochet, os norte-americanos passaram a pressionar pela redemocratização do país no fim dos anos 1980. Um regime ditatorial de linha-dura tão longo, naqueles tempos, tinha péssima reputação internacional, com organismos de defesa dos direitos humanos e grande parte da sociedade pressionando contra.
Os ventos mudaram ainda mais e, hoje, mostra-se cada vez menos provável (porém não impossível) que um golpe tão brutal como o chileno volte a ocorrer na região.
Boa notícia por um lado. Por outro, os autocratas do século 21 continuam com sede de poder e com impulso para avançar contra as instituições. Porém, parece que ficou démodé, na região, aplicar o golpe clássico, com tanques nas ruas, bombardeio da sede de governo, campos de detenção, pessoas arremessadas no mar ou no deserto por aviões ou helicópteros, milhares de exilados políticos e outro tanto de desaparecidos.
Hoje, eles usam outros recursos. O mais comum é o contorcionismo na interpretação das leis. Muito popular entre aqueles que creem que são a única solução possível para seus países e que, por isso, precisam ficar no poder indefinidamente. Mudaram suas constituições para fazê-lo Hugo Chávez (Venezuela), Daniel Ortega (Nicarágua), com sucesso, Rafael Correa (Equador) e Evo Morales (Bolívia), que fracassaram na tentativa. O mais recente a alterar uma Carta para poder ficar mais tempo no cargo foi Nayib Bukele, de El Salvador.
O contorcionismo nas leis também serve para chegar a cargos sem estar na linha de sucessão direta pelo poder, como fez Jeanine Yáñez em sua tomada da Presidência da Bolívia. Ao final, foi derrotada nas urnas e agora passa uns maus bocados na prisão.
Outra ferramenta dos novos autocratas é atuar de modo diferente com a oposição. Não se trata mais de abafá-los ou afogá-los. É certo que opositores continuam sendo presos e perseguidos, mas a estratégia mais eficiente é outra. Realizam-se eleições maquiadas, comprometidas, em que opositores podem se inscrever, fazer campanha, obter apoios, mas, ao final, uma fraude frustra seus sonhos e mantém no cargo quem já estava.
Exemplos: Venezuela e Nicarágua. Os chavistas vivem repetindo que são dos países que mais fazem eleições na região. É fato, mas cometem irregularidades e as vencem. São eleições de fantasia. Para não dar bandeira, em algumas votações regionais, deixam que um opositor vença. Mas, meses depois, colocam um interventor, um “protetor do estado” para assessorá-lo.
Por fim, outra atuação diferente nos dias de hoje é com a imprensa. É certo que ainda há prisão e até mortes de jornalistas. Mas parece que os autocratas aprenderam, por fim, que calar um jornalista não cala os demais, e às vezes tem até efeito contrário. Eles, então, atuam de modo mais pragmático: tentam sufocar economicamente os meios de comunicação. Ameaçam empresários para que não publiquem anúncios nos veículos independentes, chegam a mudar regras cambiarias para que tenham dificuldade de obter dólares para comprar recursos. No caso do La Prensa, da Nicarágua, que acaba de encerrar sua versão impressa, o regime havia bloqueado uma compra de papel que está apodrecendo na aduana do país.
Pinochet foi, ao lado de colegas sanguinários como Rafael Trujillo (República Dominicana) ou a Junta argentina dos anos 1970, uma nefasta figura do mal. Mas seria um erro virar a página e pensar que esses personagens ficaram obsoletos e caricatos. Os novos autocratas latino-americanos estão determinados a seguir avançando sobre as instituições e inflando seus poderes.
Não é o momento para baixar a guarda e deixar de vigiar seus passos.