Aos 100 dias de governo, Lasso vira jogo da pandemia no Equador

As primeiras imagens mais duras da pandemia do coronavírus na América do Sul vieram da cidade litorânea de Guayaquil, no Equador. Eram corpos abandonados nas ruas, hospitais colapsados, pessoas sendo enterradas em covas comuns. Um ano depois, em uma visita ao local, ouvi histórias terríveis de seus moradores, entre elas as de gente que não sabia onde havia sido levado o corpo de um parente.

Em 100 dias de governo, o novo presidente do Equador, Guillermo Lasso, vem virando esse jogo. Até sua posse, o país estava vacinando de modo lento, e vendo políticos furarem a fila na maior cara-de-pau. O mandatário de centro-direita assumiu um país em sérias dificuldades econômicas e dividido politicamente –sua própria participação no segundo turno foi decidida por poucos votos.

Mas Lasso entendeu as prioridades, e seus contatos internacionais acumulados em sua longa carreira como empresário e banqueiro serviram nessa tarefa. O país passou, em um curto período, de uma má colocação no enfrentamento da pandemia a um dos primeiros colocados. Está à frente, por exemplo, de Brasil e Argentina no que diz respeito ao esquema completo das duas doses, tendo vacinado 42,1% da população. Apenas com uma dose, tem 57,4%. A curva de mortalidade também caiu de supetão, embora a variante delta ameace esse bom desempenho.

A campanha de vacinação encheu o país de ânimo. Em abril, apenas 5% dos equatorianos achava que o país ia num bom caminho, em agosto, essa cifra subiu para 57%, segundo pesquisa da Cedatos. Entre os entrevistados, as áreas em que sua gestão é mais elogiada são saúde, criação de empregos e segurança.

A popularidade de Lasso também vem aumentando, de 71,4% em junho para 73,5% em agosto.

Assim, Lasso, que saiu de um terceiro lugar nas pesquisas durante a campanha eleitoral, vem se posicionando como um dos presidentes mais populares da região.

Seus desafios, porém, não são poucos. Além de continuar nesse esforço ante a chegada de novas variantes, o mandatário tem na agenda a reestruturação da dívida externa, o aumento do desemprego na pandemia e o encolhimento da economia em 7,8% em 2020.

No plano político, sofre com o fato de não ter uma maioria no parlamento. Atualmente, a coalizão governista tem apenas 8,7% do Congresso unicameral do país. Os demais dividem-se, essencialmente, entre a esquerda e a centro-esquerda, que resistem a uma agenda de reformas que Lasso quer colocar em andamento.

No plano social, a confederação indígena (Conaie) continua pressionando pela mesma razão pelas quais tomou as ruas em 2019. Os grupos indígenas não aceitam a política de ajuste de tarifas que o governo considera necessárias para cumprir com o acordo com o FMI (Fundo Monetário Internacional).

Naquela época, um precário entendimento acalmou os protestos, mas estes só não voltaram a ocorrer por conta das restrições impostas pela pandemia do coronavírus. Entre as agrupações, fala-se em retornar às ruas caso o governo não aumente os benefícios sociais e econômicos para os setores rurais e os mais vulneráveis.

Quem vem assumindo a liderança dos indígenas é Yaku Pérez, derrotado por Lasso no segundo turno das eleições.

 

 

Um flanco que também tem aberto e que vem de gestões anteriores é o da crise de superlotação do sistema carcerário. Nos últimos meses, os motins têm sido comuns, e apenas neste ano, as mortes nesses enfrentamentos já foram o dobro do ano passado. Lasso tem nas mãos uma proposta de mudança no modo como se organizam as prisões. Mas o problema vai além de seus portões, uma vez que o país tem visto cada vez mais cartéis do narcotráfico locais e estrangeiros atuando em seu território.

Será importante para Lasso aproveitar essa boa onda de popularidade para avançar com projetos que melhorem a vida dos equatorianos, sob o risco de a maré virar contra ele rapidamente.