O que esperar das negociações da Venezuela

Desde a última sexta-feira (13), a ditadura e a oposição venezuelanas estão conversando, na Cidade do México, tendo como mediadora a Noruega. A comitiva que representa o regime é liderada por Jorge Rodríguez, um dos homens mais poderosos do chavismo, ex-vice de Chávez e hoje presidente da Assembleia Nacional. A que reúne os interesses da oposição é comandada por Gerardo Blyde, ex-deputado que hoje dirige a coalizão anti-chavista Mesa da Unidade Democrática. Eles terão 180 dias para chegar a um acordo que possa tirar a Venezuela da crise econômica, política e humanitária em que está.

Se não conseguirem, fracassarão, como as outras seis tentativas de diálogo que existiram desde 2014. Por conta do fracasso das anteriores, a população vê a tentativa com certa apatia, agravada pelo aumento de casos de coronavírus no país e pela altíssima inflação, que fazem com que os problemas a serem resolvidos sejam ainda mais urgentes.

O que se pode esperar, então, da mesa que debaterá o futuro da Venezuela, no México?

Há um certo entusiasmo pela ideia de que a ditadura tenha aceito conversar. Ainda que alguns setores mais radicais da oposição, como o Vente Venezuela, de María Corina Machado, creia que já não há mais nada que dialogar com um regime que descumpriu acordos anteriores ou que simplesmente deixou as negociações pelo meio.

Um pouco menos pessimistas estão Juan Guaidó e Leopoldo López, que creem que a ditadura está desgastada, mais isolada e com menos apoio popular. Porém, consideram que não é possível sair com um acordo parcial, e que todas as reivindicações da oposição devem ser aceitas. Se não, que se deveria abandonar a negociação.

Na sexta-feira, as duas partes chegaram a um memorando de oito pontos para a discussão. Talvez o número de itens já seja um problema. Parece muito mais difícil chegar a um acordo em oito pontos, sendo estes por sua vez algo evasivos e subjetivos.

São eles: direitos políticos para todos, garantias eleitorais para todos e cronograma para eleições com observação internacional, levantamento das sanções e restauração de direitos a ativos, respeito ao Estado Constitucional de Direito, renúncia à violência e reparação às vítimas da violência, proteção da economia nacional e medidas de proteção social ao povo venezuelano. A isso, a oposição ainda acrescentou a necessidade de garantias de implementação com participação da comunidade internacional e uma maior distribuição de vacinas contra o coronavírus.

A questão de fundo mais importante é que Maduro tem muito mais a oferecer do que a oposição, que vem desinflada e dividida. O que o chavismo mais deseja é interromper as sanções econômicas, que de fato prejudicam aos cabeças do regime, e que seu mandato seja reconhecido como legítimo pela comunidade internacional.

Porém, não há sinais de que estejam dispostos a entregar o que a oposição mais quer: eleições livres para presidente, com um novo conselho nacional eleitoral e com a garantia de que não será um processo fraudulento como os anteriores. É difícil imaginar que, neste ponto, Maduro prometa algo distinto do que já prometeu antes. Em negociações anteriores, o ditador afirmou que a eleição de 2018 seria livres e justa. Não foram, e ele ganhou com fraude.

Levantar as sanções econômicas sem garantir isso seria garantir o fluxo de dinheiro que o regime precisa para seguir indefinidamente no poder. Portanto essa é a negociação mais importante. Quem cederá primeiro nesses dois pontos: eleição livre e sanções.

Os demais parecem ser menos complicados de serem atingidos. Não é de hoje que o regime usa os prisioneiros políticos como moeda de troca para conter e controlar a oposição e o humor social. No domingo à noite, por exemplo, liberou Freddy Guevara, braço direito de Guaidó, para demonstrar boa vontade e para que ele participe das negociações. Outras liberações ocorreram durante as conversas para instalar essa mesa. Não parece ser difícil ir negociando cada um dos casos das centenas de presos políticos do regime. Outro assunto será levar a julgamento os casos de execuções extrajudiciais e abusos de direitos humanos contra os opositores.

Também deveria ser mais fácil tratar de modo mais urgente e em combinação das duas partes a vinda da ajuda humanitária ao país. Se já era necessário antes, quando uma grande tentativa, em Cúcuta, na fronteira entre Colômbia e Venezuela, faliu em fevereiro de 2020, agora é muito mais.

Além de acordos para doações de vacinas envolvendo a comunidade internacional, é necessário ainda que cheguem alimentos e remédios para a população mais vulnerável. E uma solução para os migrantes, tanto os que estão em outros países em situações precárias, como os que estão tentando voltar e, com isso, expondo-se a situações de violência e abuso.

Se de todo o acordo, este último ponto for o único a vingar, já terá valido algo a pena, pois se trata do mais urgente.