Avanços e polêmicas em um mês de Assembleia Constitucional no Chile

Sylvia Colombo

A Assembleia Constitucional do Chile tomou posse há um mês, e vem colecionando avanços, conflitos com o governo e divisões internas. Os legisladores têm um prazo estabelecido para redigir e apresentar a nova Carta –nove meses, prorrogáveis por mais três. Depois disso, o texto será votado num plebiscito vinculante. Só aí o país poderá, ou não, despedir-se da atual Constituição, que foi promulgada durante a ditadura Pinochet.

Empolgados no princípio, os chilenos mostram agora certo desânimo com relação ao processo constitucional. Segundo pesquisa da Activa, o apoio ao trabalho da Assembleia Nacional caiu quatro pontos percentuais desde que o órgão começou a funcionar. Além disso, 40% dos chilenos afirmam que tem confiança de que os trabalhos seguem num bom caminho, 26% confiam parcialmente, e 34% não confiam absolutamente nada.

O instituto Cadem também registrou uma queda. De 63% de confiança no início de julho, logo após a instalação da Assembleia Constituinte, para 51%, trinta dias depois.

O desgaste é lógico, uma vez que as necessidades manifestadas nos protestos que ocorreram desde outubro de 2019 requeriam uma resposta rápida a questões urgentes, como acesso a saúde, educação e aposentadorias melhores, além de um país com mais oportunidades para os jovens e a desconstrução dos pilares do neoliberalismo chileno. Era evidente que a transformação desejada não aconteceria rápido. O mais provável, aliás, é que a transformação do país não satisfaça a todos e que nem todas as bandeiras de mudança passem pelo crivo da maioria de dois terços de legisladores –condição para que um artigo seja aprovado. Além disso, o processo é longo e há muitos que não querem ou não podem esperar, pois a pandemia do coronavírus agravou a situação dos mais vulneráveis.

Composto por 155 legisladores e com uma maioria de independentes, o órgão teve de começar do zero. Portanto, os primeiros avanços deste mês foram a instalação de um regulamento para as sessões e a formação das comissões para tratar cada assunto. Foram 13 sessões com todos os legisladores presentes e mais de 115 votações. Os legisladores reclamaram das condições do palácio Pereira, designado pelo governo como sede dos trabalhos. Várias sessões foram atrasadas ou canceladas por conta de internet falha e da falta de condições sanitárias para o funcionamento das diversas salas em que os representantes trabalham, para evitar aglomerações.

A primeira polêmica foi instalada por Elisa Loncón, a professora universitária e linguista de origem mapuche que foi eleita presidente do órgão. Loncón vem pedindo a libertação de manifestantes presos desde o início dos protestos, assim como a de indígenas mapuche que estão condenados por delitos durante a luta por suas terras, um conflito que há anos afeta o sul do país.

A atitude de Loncón foi criticada pela direita, que crê que ela não tem autoridade sobre temas relacionados à política do atual governo. Alguns parlamentares da aliança de direita Vamos por Chile levaram à comissão de ética da Assembleia um pedido para que Loncón retire suas palavras e que seja advertida por manifestar sua opinião sobre decisões do Executivo e do Judiciário chilenos.

A segunda polêmica se deu pela escolha de um ex-comandante da marinha como integrante da Comissão de Direitos Humanos. O legislador Jorge Arancibia esteve adiante da força entre 1997 e 2001 e, no passado, entre 1980 e 1982, trabalhou de modo próximo a Pinochet. Seu nome causa divisão na assembleia por ele ter uma opinião bastante firme com relação aos ex-repressores da ditadura, que cumprem prisão na prisão especial de Punta Peuco. Arancibia defende que suas penas sejam anistiadas ou minimizadas. Sua indicação para a comissão foi feita pelos legisladores de direita da AC e não tem nada de irregular. Porém, incomodou a grupos de defesa de direitos humanos e a esquerda.

Outro obstáculo a ser enfrentado pelos que redigem a nova Carta é não deixar que suas decisões sejam politizadas ou utilizadas como material de campanha, uma vez que o país já vive em clima de sucessão presidencial. O substituto de Piñera será escolhido em novembro deste ano. Os pré-candidatos com mais chances pertencem a uma nova geração de políticos: o esquerdista Gabriel Boric, o direitista Sebastián Sichel, e a centrista Yasna Provoste.

A primeira pesquisa com esses nomes, da Cadem, dão um empate na liderança, entre Boric e Sichel, com 24% cada um, seguidos por Provoste, com 13%. Outros treze nomes concorrem por siglas menores.