Ditadura e oposição celebram ouro da Venezuela
Não se sabe se o ditador Nicolás Maduro e a oposição, liderada por Juan Guaidó, de fato irão iniciar mais uma tentativa de diálogos por eleições livres na Venezuela. Esta novela, já reprisada e falida em momentos anteriores, continua incerta. A crise humanitária no país só se agrava em tempos de pandemia. E não parece haver perspectiva de um entendimento político por ora.
Mas, na manhã deste domingo (1), Maduro e Guaidó despertaram felizes e concordaram em algo, era necessário celebrar a vitória de Yulimar Rojas, em Tóquio, e, claro, tentar surfar na onda de sucesso da agora recordista mundial no salto triplo.
Maduro celebrou o “espírito combativo e de grandeza do povo venezuelano”, espelhado no exemplo da atleta. Já Guaidó exaltou sua “perseverança, esforço e confiança”. E completou: “Você une e alegra os venezuelanos”.
O sucesso de Yuli, como é conhecida na Venezuela, não é de hoje. Há anos ela vem disputando o reinado na modalidade com a colombiana Caterine Ibargüen. A imagem de ambas juntas em diversas premiações e elogiando-se mutuamente nos últimos anos mostra o quanto esses dois países estão vinculados, embora seus atuais governos venham hostilizando-se um ao outro.
Só que Rojas já não exalta tanto suas posições políticas ultimamente. É certo que já elogiou o ex-ditador Hugo Chávez (1954-2013) e tirou fotos com Maduro depois de vitórias. Mas também é correto que se deu conta de que não poderia chegar a um pódio olímpico se continuasse vivendo na Venezuela. Ali, segundo seu técnico da juventude, Jesus Velázquez, “ela não conseguia fazer três refeições por dia”.
Rojas vive em Guadalajara, na Espanha. Nascida em Caracas, passou a vida toda em Puerto de La Cruz, no estado de Anzoátegui, antes um rico pólo petrolífero do país, hoje uma cidade decadente marcada pela pobreza. “Minhas origens são das mais humildes, venho de uma família muito numerosa, seis irmãos, pai e mãe, e cresci numa casinha muito precária”, disse, em uma entrevista a um meio local.
Fã do personagem batman e de quadrinhos, a atleta de 25 anos é uma militante da causa LGBTI+. Apesar de estar longe de casa, visita a Venezuela com regularidade e vai a várias comunidades humildes, onde é recebida com fervor. Também é um sucesso nas redes com suas danças. Antes de cada prova, ensaia uns passos de vallenato ou reggaeton, para acalmar os nervos.
“Minha orientação, minha sexualidade sempre foram importantes para mim e para minha carreira. Desde que comecei no esporte, sempre tratei de lutar pelos direitos das mulheres e do coletivo LGBTI+”, disse a um jornal espanhol.
Com a menor delegação desde 1996, com apenas 43 atletas, os venezuelanos bateram um recorde de medalhas numa Olimpíada nesta edição. Já foram três de prata e uma de ouro.
Não sabemos se Rojas irá até a Venezuela mostrar sua medalha, nem se apertará as mãos de Maduro novamente, depois de fazer críticas ao regime pelo abandono dos centros esportivos do país e a falta de apoio ao esporte. Tampouco se tem alguma simpatia por Guaidó.
O certo é que os venezuelanos hoje, pelo menos, têm um dia de alegria em meio a uma situação tão trágica.