Três meses de protestos na Colômbia, sem soluções no horizonte
Na próxima quarta-feira (28), as manifestações na Colômbia completam três meses.
O saldo é de 78 mortos nos enfrentamentos (três deles eram oficiais das forças de segurança, os demais, todos civis).
Assim como em tantos protestos que vêm ocorrendo na América Latina nos últimos anos, o motivo imediato é quase um detalhe perto do tamanho dos problemas estruturais da região, somados aos particulares de cada país. A princípio, as pessoas saíram às ruas das principais cidades, como Cali, Bogotá e Barranquilla, por estarem contrariadas com uma reforma tributária que pesaria muito sobre a classe média. O governo recuou, mudou a proposta e voltou a apresentá-la, semanas depois, de modo apenas algo mais palatável.
Já era, porém, tarde demais. Depois do primeiro impulso, outras bandeiras se somaram às ruas, e que já vinham se apresentando desde os protestos de 2019. Eram elas melhor acesso a saúde e educação de qualidade, contra a violência da polícia, que na Colômbia é vinculada ao Exército, a falta de oportunidades no mercado de trabalho e a má vontade do governo em implementar o acordo de paz com a guerrilha das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia).
Em 2019, assim como agora, os protestos tiveram forte repressão e deixaram 3 mortos, entre eles o jovem Dilan Cruz, 18, e duraram meses. Para alívio apenas do governo do centro-direitista Iván Duque, em fevereiro de 2020 a tensão se dissolveu, mas não porque essas reclamações tenham sido ouvidas. Ao contrário, porque elas foram agravadas pela chegada da pandemia do coronavírus, que vem golpeando fortemente a Colômbia. O país já soma quase 120 mil mortos.
Diferentemente de seu par chileno, Sebastián Piñera, Duque não recapacitou nem mudou de atitude com relação aos atuais protestos. Se, no Chile, o presidente deu impulso a um plebiscito para a formação de uma Assembleia Constituinte, que redigirá uma nova Carta com base aos pedidos de mudança estruturais do país, na Colômbia o mandatário ainda patina, dando uma série de respostas insatisfatórias.
No plano econômico, suas reformas são impopulares, ainda mais por propor ajustes em meio a uma pandemia, com a maior parte da população ainda não vacinada com duas doses, hospitais saturados, aumento do desemprego e da pobreza. As bandeiras dos protestos de 2019 ressurgem vitaminados pelos problemas dos últimos dois anos. A eles, se somam pedidos históricos de minorias, que pedem o fim do preconceito, da xenofobia e mais direitos com relação à gênero e diversidade. São os afro-colombianos, os indígenas e as mulheres, que se revoltaram principalmente na cidade de Cali.
A Colômbia entra agora em fase de corrida eleitoral, e com isso de grande disputa no campo político. Nesse ambiente, Duque, que soma apenas 18% de aprovação popular (Invamer) e nada contra a corrente para tentar terminar o mandato com sucesso em alguma área.
No enfrentamento à pandemia, Duque tem algum respiro, uma vez que a curva de contágios começou a diminuir. É sua chance de acelerar a vacinação, ainda muito lenta –hoje com 31,5% da população imunizada com as duas doses.
Na economia, precisa lidar com uma queda do PIB de 6,8% e com o aumento da pobreza, hoje na casa dos 42,5%. Enquanto a maioria dos trabalhadores sindicalizados, representados pelo Comitê de Greve, acabou saindo das ruas e aceitando propostas do governo, os que estão pedindo direitos e oportunidades são o maior setor dos mobilizados –desempregados ou trabalhadores informais que tiveram perda de rendimentos e de qualidade de vida na pandemia.
No que diz respeito à violência no campo, Duque tem muita responsabilidade. Quando chegou ao poder, em 2018, recebeu um país que caminhava para a paz. A Colômbia havia firmado um acordo de paz com a principal guerrilha, as Farc, e estava na mesa de negociação com a segunda maior, o ELN (Exército de Libertação Nacional).
Suas decisões, porém, estão levando os colombianos novamente a um cenário de guerra.
O acordo com as Farc, que previa diversas ações do governo, entre elas a proteção dos ex-combatentes desarmados e uma reforma agrária, anda a passos de tartaruga, enquanto que Duque simplesmente deu por encerradas as conversas com o ELN. O resultado foi a ocupação das áreas antes dominadas pelas Farc por outros grupos criminosos, associados a dissidentes e a guerrilheiros do ELN. Há massacres cometidas por conta da luta pelo controle do território e assassinatos de ex-combatentes (280 já foram mortos desde 2016), de civis e de líderes sociais e de direitos humanos (nada menos que 1.200 execuções, todas impunes até o momento).
Como se não fosse suficiente, a má vontade com o acordo de paz agravou também a tensa situação na fronteira entre a Colômbia e a Venezuela, sem possibilidade de diminuição nos confrontos uma vez que a hostilidade entre Duque e o ditador venezuelano, Nicolás Maduro, vem em escalada. Todo o contrário do que havia feito seu antecessor, Juan Manuel Santos, que, mesmo condenando o regime venezuelano, estendeu pontes de diálogo com o regime que permitiram a paz com a guerrilha.
É difícil imaginar que as manifestações sejam amenizadas daqui até maio de 2022, quando será decidido nas urnas quem será o sucessor de Iván Duque. Sua força política, o Centro Democrático, se desgasta junto com a imagem de seu governo e com a derrocada lenta de Álvaro Uribe, seu padrinho político, que responde a processos por corrupção e por crimes contra a humanidade. Uribe, porém, não é um peso morto nesse processo, uma vez que ainda mantém um reduto importante de sua popularidade.
A esquerda desponta com Gustavo Petro, um ex-guerrilheiro do M-19 que foi prefeito de Bogotá, derrotado por Duque no segundo turno em 2018. Outros jogadores de centro e centro-esquerda ainda tentam viabilizar-se, como Sergio Fajardo, ex-prefeito de Medellín, responsável pelas reformas urbanísticas que salvaram a cidade depois da guerra aos cartéis, Juan Manuel Galán, filho de Luis Carlos Galán, promissor nome do campo liberal assassinado em 1989, a centro-esquerdista Clara López Obregón e o escritor e reitor da Universidad de los Andes Alejandro Gaviria.
Num mundo que pede respostas urgentes, maio de 2022 ainda é um cenário longínquo. Ainda é tempo para que Duque ouça a voz das ruas e tome medidas urgentes de assistência aos mais vulneráveis, ao mesmo tempo em que apresenta propostas contundentes para uma mudança estrutural num dos países mais desiguais da região. E, tão urgente quanto, que oriente suas forças de segurança para que deixem de cometer abusos aos direitos humanos.