Pense no Haiti, reze pelo Haiti

O Haiti está caindo do mapa.

No país mais pobre da América Latina, os velhos problemas (desigualdade, violência, escassez de remédios e alimentos) ganharam companhia. O país vive novas tragédias. Uma delas, obviamente, é a pandemia do coronavírus. Outra, uma nova crise política ao redor da legitimidade do autocrata Jovenel Moïse. E, como se não fosse suficiente, uma nova onda de sequestros e deslocamentos causada por uma furiosa guerra entre gangues.

Poucos têm olhado para isso com atenção, mas organismos internacionais apontam preocupação com a situação do país, que vem deteriorando-se, entre eles as Nações Unidas e a Unicef. Já seus vizinhos optam pelo temor, como a República Dominicana, que compartilha com o Haiti a ilha de Hispaniola, onde Cristóvão Colombo colocou os pés em sua primeira viagem à América, em 1492. O governo dominicano vem estudando a possibilidade de levantar um muro. Sim, um muro, entre os dois países.

A pandemia do coronavírus não parece tão grave se olharmos os números oficiais: 415 mortes e mais de 18 mil casos. O problema é que essa cifra não bate com a realidade. Há insuficiente testagem e os relatos locais dão conta de um aumento da mortalidade de pessoas em casa e e em hospitais colapsados. Além disso, apesar de figurarem como prioridade para o consórcio Covax, o Haiti recusou a remessa que lhe era destinada, de vacinas da AstraZeneca. A resposta do governo foi que o imunizante não seria desejado por conta de seus efeitos colaterais. O resultado, por enquanto, é que o país não está vacinando nenhum de seus 11,2 milhões de habitantes.

A crise política vem se agravando. O atual mandatário queria ter realizado no último domingo um referendo por uma nova constituinte, que seria redigida por pessoas escolhidas por ele. Não pôde realizar o pleito, alegando a piora do quadro da pandemia. Moïse também tem sofrido muita pressão por conta da oposição, que realiza protestos constantes há meses, alegando que seu mandato acabou em fevereiro e que o que cabe agora é convocar eleições presidenciais. Moïse alega que não, porque ele assumiu um ano depois de ter sido escolhido, e que portanto, só deve deixar o cargo em fevereiro de 2022.

Os EUA, embora não aprovem a ideia de uma nova constituinte escolhida nesses moldes, apoia que Moïse conclua o mandato em 2022 e pede que as eleições ocorram em setembro deste ano. A oposição concorda, porém, vê com desconfiança a possibilidade de que sejam livres e justas, uma vez que o processo vem sendo organizado por um Executivo que avança contra as instituições.

Enquanto isso, a violência nas ruas é extrema.

Apenas em Porto Príncipe, a capital, há pelo menos 95 gangues disputando território. E fazem isso por meio de barricadas e ataques a quem tenta ir de um bairro a outro. Esses bloqueios têm dificultado a ida de pessoas com suspeita de terem coronavírus a hospitais. E a violência já obrigou mais de 17 mil pessoas a abandonarem suas casas desde setembro do ano passado. Os sequestros aumentaram de modo abrupto, de 234 em todo o ano de 2020 a 233 apenas entre janeiro e abril. Extorsões, assassinatos e recrutamento de menores estão entre os demais delitos das gangues. As Nações Unidas denunciou o roubo de material de construção de um albergue que abriga deslocados pelo terremoto de 2010 e o roubo de alimentos. Um membro do Médicos Sem Fronteira foi assassinado quando voltava para casa.

 

É difícil imaginar uma solução para o Haiti neste momento. Uma eleição livre e justa poderia ser o início de uma saída. Mas será apenas o início. A comunidade internacional deveria estar mais atenta. Especialmente os países da América Latina.