Pesadelos dos anos 1990 assombram eleições no Peru

De um lado, o pesadelo do fujimorismo, com seus abusos a direitos humanos, corrupção e autoritarismo político.

De outro, o pesadelo dos embates no campo na época do Sendero Luminoso (1980-1993), uma guerra interna que matou mais de 70 mil peruanos, e na qual estiveram enfrentados o Estado, as “rondas campesinas” (milícias civis) e os guerrilheiros de esquerda que seguiam o mítico líder Abimael Guzmán.

Os dois principais atores desse terrível período estão hoje detrás das grades, em prisões próximas à capital, Lima. Alberto Fujimori, 82, autocrata que governou o Peru entre 1990 e 2000, cumpre pena na penitenciária de Barbadillo, enquanto Guzmán, 86, está na prisão de Callao. Os dois octogenários parecem ser cartas fora do baralho na eleição presidencial que se resolve no segundo turno no país, no próximo dia 6 de junho.

Parecem, mas não são. As sementes do enfrentamento que plantaram durante sua vida seguem presentes no Peru atual.

O candidato esquerdista Pedro Castillo, líder nas pesquisas, afirma não ser um “senderista”, e sofre ataques de seus opositores por ter vínculos políticos com integrantes do Movadef _o braço democrático do Sendero Luminoso. Integrantes do Movadef, de fato, assessoram sua campanha. Alguns já passaram pela cadeia por vínculo com ações definidas como terroristas pela Justiça.

Não há, porém, evidências concretas de vínculo de Castillo com ações violentas do Sendero Luminoso. O candidato se diz identificado com os “ronderos”, ou seja, os integrantes das “rondas campesinas” que ajudaram as Forças Armadas a aniquilar a guerrilha esquerdista. Os “ronderos”, fortes na região de Cajamarca, Ayacucho e demais regiões onde o Sendero deixou sua marca, apoiam Castillo. Ali, os “ronderos” são vistos, de modo maniqueísta, como o “bem”, contra o “mal”, que seriam os integrantes do Sendero Luminoso. É certo que, sem a ajuda dessa milícia civil, o Estado peruano talvez nunca tivesse terminado o conflito com a guerrilha. Porém, o modo de atuar dos “ronderos”, sem vínculos com a legitimidade institucional de uma força de segurança, também foi responsável por abusos de direitos humanos, como massacres coletivas e execuções extra-judiciais.

Já a candidata da direita, Keiko Fujimori, tem repetido diversas vezes que não tomará medidas anti-democráticas como fez seu pai, que fechou o Congresso, organizou um esquadrão da morte (o grupo Colina) e associou-se a organizações como as “rondas campesinas”. Porém, da palavra à ação há diferenças. E há razões para ter atenção às marcas do fujimorismo clássico que Keiko, filha do autocrata, pode perpetuar.

A coordenação de seu plano econômico, por exemplo, está nas mãos de Jorge Baca Campodónico, que foi ministro de Fujimori. Se o Peru teve um desempenho de crescimento significativo a partir da gestão fujimorista, também é um dos países que pior redistribuiu os benefícios do “boom das commodities”, o que se reflete na alta cifra de pobreza atual, 39,9% da população, e na informalidade do mercado de trabalho, de 77%.

Keiko também diz que um governo seu não será corrupto como o do pai, marcado por escândalos como o dos “vladividios”, que mostravam o principal assessor de Fujimori, Vladimiro Montesinos (também preso atualmente), subornando dirigentes políticos. Mas, como acreditar em uma candidata cujas investigações de corrupção ainda estão em aberto? Keiko está fazendo campanha eleitoral com uma permissão especial da Justiça, porque não poderia, por sua atual situação processual, sequer deixar Lima. Teve de recusar, nas últimas semanas, o convite do Nobel Mario Vargas Llosa de ir a Quito conversar sobre o Peru atual num evento diante das câmeras, porque não pode, simplesmente, sair do país.

A candidata fujimorista comprometeu-se a respeitar os ritos da democracia. Porém, era a líder, até pouco tempo atrás, do Força Popular, partido que, com sua maioria no Congresso, causou a “vacância” (afastamento) de dois presidentes, movida por um espírito vingativo relacionado ao pedido de um indulto a seu pai (preso, entre outras coisas, por roubar o Estado).

Keiko ainda afirma que será respeitosa dos direitos humanos. Mas deu declarações escandalosas na semana passada com relação às mais de 200 mil esterilizações forçadas cometidas durante a gestão de seu pai, afirmando que eram parte de um projeto de “planejamento familiar”. As vítimas deste abuso estão há vários anos pedindo reparações à Justiça.

É possível que, tanto Castillo como Keiko, ao chegarem à Presidência, se mostrem líderes democráticos e que respeitem as instituições do país. Porém, ambos têm dívidas com relação ao Peru dos anos 1990. Seria importante que ambos deixassem claro o que pensam sobre os acontecimentos daquela época e o que pretendem fazer para sanar os males causados então.

Afinal, eles são uma das causas da instabilidade política do país.