Jovem alvejado 8 vezes vira símbolo na Colômbia

“Estão matando-nos na Colômbia”, grita Lucas Villa, 37, em vários vídeos que estão circulando nas redes sociais, assim como outros em que ele aparece em manifestações ou em rodas ao ar livre em que explica os pontos problemáticos da reforma tributária que o governo colombiano quer implementar. A proposta de legislação foi o que começou a revirar a Colômbia no último dia 28.

Aos 37, Lucas Villa estuda ciências do esporte em Pereira. Seus amigos o qualificam como alguém alegre, pacífico, extrovertido e festeiro. No dia em que foi atingido, a última mensagem que enviou por seu celular a amigos foi “agora na Colômbia só o fato de ser jovem e de estar na rua é arriscar a vida. Todos podemos morrer aqui, mas, como não sair a protestar?”.

No dia 5 de maio, Lucas levou oito tiros, a maioria na região do cabeça. Levado a um hospital, seu último boletim de saúde indica que “está em um estado de saúde muito grave”. Já comovida pelas notícias da violência dos protestos, que já causou 47 mortes, segundo o Indepaz, a sociedade colombiana agora acompanha como uma novela trágica a luta pela vida de Lucas Villa. Seus boletins médicos são notícia nacional, estrelas do showbiz ofereceram ajuda a seus familiares, como passagens de avião para que possam estar com ele, e sua imagem barbada e com a mão ao alto virou uma pixação comum nas ruas colombianas, transformando-se num símbolo desses protestos.

O presidente Iván Duque, por meio de suas redes sociais, lamentou o ocorrido: “Condenamos o que ocorreu em Pereira com o jovem Lucas Villa e seus companheiros enquanto marchavam pacificamente no viaduto”.

O caso do ativista é um exemplo da guerra de narrativas que está em jogo no país. De um lado, os que defendem os manifestantes e dizem que toda a violência é gerada pelas forças de segurança que os reprimem, principalmente a ESMAD, temido batalhão de choque da polícia, que na Colômbia é militar. De outro, está a versão defendida por Duque de que, sim, os protestos em geral são pacíficos mas que não são os oficiais que estão matando os ativistas, mas sim, grupos de vândalos metidos entre eles, que estão causando danos a propriedades e atirando em civis para que o Estado seja culpado.

O fato de que o ex-presidente Álvaro Uribe tenha lançado um post apoiando o uso da força contra os manifestantes (depois retirado do ar pelo próprio Twitter) não ajuda a sustentar a versão de Iván Duque, seu apadrinhado político. Mas ele mesmo vem defendendo que se descubra e condene quem são os temidos “vândalos”, apontando que os distúrbios tem ganhado força e violência quando estes agem em conjunto. Já os manifestantes, que saíram pela primeira vez contra a reforma tributária de Duque, agora saem porque creem que é Duque quem está, de fato, por trás dos excessos, como o de balear um mesmo ativista com oito tiros na cabeça.

A prefeita de Bogotá, Claudia López, que se posiciona contra a ação da ESMAD na capital, pediu que, no geral, as pessoas se acalmem, e que investigações sejam feitas de todos os lados para apurar os responsáveis pela matança. “É preciso reconhecer que houve abusos de lado a lado. Se apenas rejeitamos o vandalismo, mas não se reconhece o abuso do uso da força, não há maneira de começar um diálogo”, afirmou.

O caso é que qualquer atitude política neste momento, em que Duque tem 33% de popularidade e está a pouco mais de um ano para deixar o cargo, se confunde com atos eleitorais. López é uma pré-candidata que deseja conquistar os eleitores de centro e centro-esquerda, por isso a decisão de jogar panos frios e não apontar contra ninguém em específico.

A Uribe e Duque, que não podem concorrer mas querem fazer um herdeiro via Centro Democrático, favorece a versão dos “vândalos”, porque aí identificam “inimigos da pátria”, ou “castro-chavistas”, como a expressão criada pelo primeiro, que estariam associados à esquerda. E, no meio disso tudo, está Gustavo Petro, outro pré-candidato que saiu perdedor do segundo turno na eleição de 2018, mas que surge como favorito no próximo pleito. Ex-guerrilheiro do M-19 que foi prefeito de Bogotá, Petro caminha sobre a tênue linha de atacar a brutalidade da polícia de Duque e ao mesmo tempo não se identificar com o vandalismo e condenar os ataques, por exemplo, a policiais e ao incêndio de edifícios públicos.

As manifestações na Colômbia já não são apenas por conta da reforma tributária. Mas sim por reclamações que já estavam nas ruas nos protestos de 2019, que ocorreram em várias cidades do país. Eram elas pedidos por acesso à saúde e educação, por mais segurança, pela implementação do acordo de paz firmado com as Farc em 2016 que, deixado como está, tem visto acertos de contas transformados em massacres no interior. O que há de diferente, em relação aos reclamos de 2019, é que todos esses problemas estão mais graves agora, devido ao impacto da pandemia na economia, na pobreza e na desigualdade.

Também na época havia um mártir jovem, Dilan Cruz, 18, morto pela polícia. Por ora, a imagem de Lucas Villa, 37, ainda lutando pela vida, é a que traduz o drama atual.