30 anos depois, Vargas Llosa apoia fujimorismo
Mais de 30 anos depois de ter sido derrotado por Alberto Fujimori no segundo turno das eleições de 1990, o escritor e prêmio Nobel Mario Vargas Llosa, 85, tem participado vivamente do debate político no Peru. Perder para um adversário que depois lideraria um governo autoritário e com graves abusos contra os direitos humanos colocou Vargas Llosa numa posição de ainda mais destaque do que já tinha por sua literatura.
O autor de “Lituma nos Andes” passou a figurar como herói anti-fujimorista, que havia tentado impedir os graves acontecimentos que se seguiriam. Deste lugar, ganhou afetos e a simpatia de quem não concordava com a escalada ditatorial do engenheiro. Até então um desconhecido no cenário, Fujimori é descendente de imigrantes e se identificava com os cantos esquecidos do país, enquanto Vargas Llosa tinha o apoio do setor em que nasceu, a elite urbana do país.
Vargas Llosa foi a principal voz crítica da autocracia imposta por Fujimori após o fechamento do Congresso, em 1992. E, depois da redemocratização do país, dos estragos que o fujimorismo impunha em sua ação vingativa a partir do parlamento, sendo o principal responsável, por exemplo, da queda de dois presidentes nos últimos anos, PPK (Pedro Pablo Kuczynski) e Martín Vizcarra.
Tudo isso mudou no último sábado (17), quando Vargas Llosa afirmou que apoiaria o movimento que foi seu principal inimigo. Em uma coluna publicada no jornal espanhol El País, sob o título “Chegando perto do abismo”, o escritor disse que tinha “combatido o fujimorismo de maneira sistemática, assim como fiz contra todas as ditaduras, de esquerda ou de direita. Creio que, nas próximas eleições, os peruanos devem votar por Keiko Fujimori, porque representa o mal menor e há, com ela no poder, mais possibilidade de salvar nossa democracia, enquanto com Pedro Castillo não existe nenhuma”.
Vargas Llosa se refere à votação de segundo turno, em 6 de junho, das eleições presidenciais, que serão disputadas entre a filha do ex-presidente, Keiko, de direita, e o esquerdista Pedro Castillo, um outsider que Vargas Llosa identifica com o projeto chavista. Ou seja, a lógica do escritor é a de que, entre um governo que evoca um regime autoritário de direita e outro que se espelha numa experiência autoritária de esquerda, seria melhor apostar no primeiro.
A mudança de opinião e o apoio de Vargas Llosa ao fujimorismo poderia ser apenas uma curiosidade, se ele não fosse o intelectual mais importante do Peru. Ali, sua palavra é ouvida pela sociedade, tanto é assim que os dois candidatos se manifestaram sobre o tema.
Keiko Fujimori telefonou para o escritor, agradeceu o gesto e afirmou estar de acordo com as garantias democráticas que Vargas Llosa pede, em seu texto, além de reafirmar o compromisso de respeito aos direitos humanos. Já Pedro Castillo afirmou que a declaração pouco importa, porque Vargas Llosa já não conhece o Peru e opina desde sua mansão em Madri –de fato, o escritor já vive há anos na capital espanhola.
O que é claramente uma contradição com relação a suas convicções históricas, por outro lado revela o pragmatismo de Vargas Llosa entre escolher sempre o que, para ele, seria o “mal menor”, a cada eleição. A questão é que estes “males” tampouco tiveram muito êxito, e a cada decisão, Vargas Llosa vai se desacreditando junto à sociedade peruana.
No período da redemocratização, Vargas Llosa apostou em Alejandro Toledo, que terminaria seu mandato em 2006 com um dos menores níveis de aprovação da história do Peru.
Em 2006, Vargas Llosa posicionou-se com vigor contra a candidatura de Ollanta Humala, então líder militar nacionalista de extrema-esquerda. Seu temor de que um populismo estilo chavista tomasse o Peru o fez preferir a vitória de Alan García, que de fato ocorreu. García acabou suicidando-se enquanto respondia a processo por corrupção, enquanto Toledo foi condenado e é foragido da Justiça.
Inconformado com a nova postulação de Humala em 2011, o escritor voltou a apoiar Toledo, mas este foi eliminado no primeiro turno. Vargas Llosa, então, teve de optar entre dois candidatos que não lhe agradavam nem um pouco.
De um lado, a mesma Keiko Fujimori, do outro, Humala. Em suas palavras, era como ter de escolher “entre o câncer e a AIDS”. Mesmo assim, não quis abster-se, e deu seu voto de confiança a Humala depois que este fez amplas promessas de que se posicionaria no centro do espectro político, adotaria políticas de mercado e não desse ouvidos a seus familiares, ainda bastante metidos numa militância extremista de esquerda. Hoje, Humala também enfrenta processo por corrupção e passou um tempo na cadeia.
Em 2016, a disputa foi entre Keiko e PPK, pois Vargas Llosa ficou com PPK, que acabou afastado pelo parlamento e, adivinhem, foi também processado por corrupção.
Cada vez mais, os fãs da magnífica obra de Vargas Llosa parecem preferir deixar de ouvi-lo falar sobre política, tamanhas são suas contradições e contorcionismos retóricos. A derrota como candidato presidencial em 1990 acabou dando ao mundo livros inesquecíveis e um prêmio Nobel das letras. Isso é o que está para ser celebrado.