Paraguai na encruzilhada

A pandemia do coronavírus é o novo problema do Paraguai. E, com a chegada da variante brasileira, um problema gigante. O país até tinha conseguido conter a curva de contágios no ano passado, mas agora se vê atropelado por ter se atrasado em comprar vacinas e em não ter preparado seu sistema de saúde adequadamente. Existem, no país, pouco mais de 400 camas de UTI, contando as privadas e as públicas. Insuficiente para uma população de 7 milhões de habitantes.

Todo mundo achou bonito ver os paraguaios nas ruas defendendo seu direito básico e legítimo à saúde, numa série de manifestações que começou há uma semana e que continua. O que não parece ter saída para o vizinho do Brasil é a corrupção que já havia antes e que não poupa a quase ninguém do atual establishment político. A sociedade está órfã. Não há a quem pedir ajuda. E o partido colorado, quase hegemônico no Paraguai atual, apesar de estar dividido em correntes internas, não se mostra preocupado com outra coisa do que com suas eleições internas no meio do ano e com a sucessão do frágil Abdo Benítez, em 2023.

Isso se o o mandatário chegar a 2023…

O que se viu no Paraguai nos últimos dias foram dois movimentos completamente diferentes, apesar de profundamente interligados. Um foi a manifestação nas ruas. Primeiro, saiu a classe média, depois, os jovens universitários. Já no terceiro dia, afastado o grupo de violentos que causou confrontos na última sexta-feira (5), a população que era vista percorrendo o centro de Assunção misturava famílias, gente humilde, jovens, enquanto começam a chegar camponeses e manifestantes que vêm do interior, onde a escassez de recursos para a saúde é ainda maior.

Era impossível não simpatizar com a reivindicação mais do que justa pelo direito básico do acesso à saúde.

Mas o segundo cenário causa desânimo. No palco do poder, nos bastidores do Congresso, há um debate palaciano em que a pandemia parece ser um mero detalhe, quase que uma palavra não mencionada. Políticos, analistas e “operadores” só debatem uma coisa: como se reparte o poder e quem leva as rédeas do partido colorado, hoje hegemônico no país, embora este contenha distintas correntes internas.

São basicamente três. Uma, a de Abdo Benítez, que surgiu com sua eleição em 2018 como uma tentativa da velha guarda do partido colorado de voltar ao poder. Essa velha guarda _ligada aos grandes fazendeiros e à Igreja_ foi a que deu apoio à ditadura de Alfredo Stroessner (1954-1989). Marito vem falhando na gestão, quase caiu no episódio de Itaipú em 2019 e vem sendo desmoralizado popularmente por mostrar-se tão conformado em ser um fantoche de outros com mais poder.

A outra é a de Horacio Cartes, o empresário mais rico do Paraguai, cuja fortuna inclui negócios lícitos e ilícitos (bancos, fábricas de cigarro, soja, farmacêutica e contrabando). Cartes por um lado é bem visto por parte dos colorados porque trouxe dinheiro ao partido para financiar campanhas e por comprar a lealdade de deputados. Por outro, não deixa de ser um “outsider” do partido, alguém tão pouco interessado em política que fez seu primeiro título eleitoral quando decidiu ser candidato a presidente.

A terceira força entre os colorados é relativamente nova, mas usa as mesmas ferramentas do passado. Se trata de Hugo Velázquez, o vice-presidente de Abdo Benítez. Seu poder surgiu sob a sombra de Cartes, de quem foi próximo no passado, mas agora posa de opositor interno. Na verdade, Velázquez tenta agradar os dois lados, porque sua intenção já declarada é a de concorrer sozinho em 2023. Velázquez, que é advogado e colecionador de cavalos raros, é acusado por corrupção na época em que foi promotor do departamento do Alto Paraná _na fronteira com o Brasil. Está sendo investigado por vínculos com o narcotráfico, lavagem de dinheiro e contrabando.

Assistir ao que ocorre em Assunção nestes dias é como ver dois espetáculos simultâneos e aparentemente dissonantes, em que um parece não estar relacionado ao outro. Nas ruas, há uma manifestação popular legítima, em geral pacífica, de uma sociedade já cansada da desigualdade, da corrupção e, agora, ameaçada por um poderoso vírus. Nos corredores do poder, a pandemia perde de longe como assunto central para as intrigas e disputas desses velhos e novos coronéis colorados.

Neste primeiro round, perde a democracia e o bem-estar dos paraguaios, pois quem vai ganhando é um velho “establishment” sobre quem pesam denúncias de tantos atos ilícitos. Porém, o que teve início com esses protestos pode mudar o cenário político e social do país, pois os pedidos e as reivindicações seguem no ar e se farão mais urgentes com o agravamento da pandemia.