‘Populista!’ foge de generalizações comuns da América Latina
O jornalista britânico Will Grant, que passou os últimos 20 anos viajando pela América Latina como correspondente da BBC, acaba de lançar “Populista! – The Rise of Latin America´s Twenty-First Century Strongman” (“Populista! A ascensão do homem-forte do século 21 na América Latina”, importado, ed. Head of Zeus). Trata-se de uma reunião de perfis alentados de cinco ex-líderes latino-americanos e um atualmente no poder: o boliviano Evo Morales, o equatoriano Rafael Correa, o venezuelano Hugo Chávez, o brasileiro Lula e o nicaraguense Daniel Ortega. Além do ditador cubano Fidel Castro (1926-2016), que surge como aquele que teria aberto o caminho aos demais.
A amarração de todos eles é respeitosa com relação às diferenças históricas, conjunturais e pessoais de cada um, e não cai nas generalizações que usualmente são feitas em relação à América Latina por parte de observadores vindos do mundo anglo-saxão. Grant trabalha com o questionável rótulo de “onda rosa” (pink tide), fenômeno político que ele localiza entre a chegada de Chávez ao poder, em 1999, e a morte de Fidel Castro em 2016. Porém, o faz de forma crítica e responsável.
Entre os pontos em comum dos líderes perfilados, Grant lista que foram, por um tempo, imbatíveis nas eleições, e, para ganhá-las, se apresentaram como sendo “um dos seus” à população humilde, trabalhadora, indígena ou mulata. Merecem crédito por terem aberto espaços políticos para que estes setores da sociedade pudessem ter voz, algo que não ocorria antes. Colocaram, ainda, os pobres no topo da agenda de prioridades e lutaram para valorizar a identidade indígena.
Mostra que a maioria deles governou como se estivesse numa campanha eleitoral constante. Evo Morales com suas tours em jet privado por todo o país, o chavismo promovendo eleições quase que a cada ano, Correa com suas viagens pelo país e os intermináveis pronunciamentos no fim-de-semana.
Para explicar seu apelo junto ao eleitorado, Grant afirma que este se deve, principalmente, ao fato de que os governos anteriores, tanto ditaduras militares como democracias pouco inclusivas, “simplesmente não tinham funcionado para grande parte da população de seus países”.
Porém, quinze anos depois, tudo havia terminado, e mal, para quase todos. Chávez morreu, e seu país se aprofundou na ditadura que é hoje, Correa foi condenado e está refugiado no exterior, Lula passou um tempo preso e Evo foi pressionado a renunciar. Apenas Ortega continua no poder, embora em uma Nicarágua em grave deterioração econômica, social e sanitária.
Depois de suas saídas, milhões de pobres ficaram perdidos, e nas mãos daqueles que fizeram oposição a esses governos. Pelo menos por um tempo _no caso da Bolívia, o MAS conseguiu voltar ao poder, agora sem Morales.
Os pontos negativos desses líderes, para o autor do livro, foi terem se desviado de sua intenção original, que ele crê que era boa e honesta no começo. Esta era a de construir, de fato, uma transformação social e econômica profunda em seus países. Porém, ao crer que “arrumariam” seus problemas estruturais e históricos, acabaram caindo na armadilha do egoísmo, da vaidade, e começaram a acreditar que só eles podiam cumprir essa tarefa. Portanto, passaram a querer eternizar-se no poder, manipulando ou mudando Constituições.
Seu crescente autoritarismo teria levado ao enfraquecimento das instituições e ao aumento da faixa de opositores a seus regimes. A chave para entender como seus governos terminaram, considera Grant, é avaliar como foi sua relação com opositores. Quanto mais dura e repressora, pior a resposta. Isso teria sido o pano de fundo dos processos que surgiram para minar esses governos. Algo que ainda não se vê ocorrer na Venezuela, porém.
São muito interessantes os retratos de cada personagem (que Grant chama de “shakespeareanos” e “coloridos”), com bastante informação histórica e pessoal _Grant entrevistou a quase todos_ e dando voz a pessoas com as quais teve contato em cada país. Dá instrumentos que permitem que o leitor concorde ou refute as colocações que o autor faz no prefácio e no epílogo de posse de muitos argumentos e boa informação.
Curioso e intrigante é que o caso argentino não tenha sido incluído, quando o peronismo é parte do cânone dos populismos latino-americanos. E, na época da chamada “onda rosa”, tinha seu equivalente no poder na Argentina, encarnados no casal Néstor e Cristina Kirchner.
A capa do livro é bastante provocativa, porque traz imagens de Chávez e de Bolsonaro. O presidente do Brasil, porém, não é um dos perfilados. Em uma das entrevistas que concedeu, Grant explica que a opção teve como objetivo chamar a atenção para o fato de que o populismo não é nem de direita nem de esquerda.
É uma leitura agradável e super-recomendada aos interessados em entender a América Latina.