Tato Bores e um humor argentino que não envelhece

Nesses tempos difíceis, os argentinos pararam para dar algumas risadas nesta semana, quando se completaram 25 anos da morte do comediante Tato Bores –nome artístico de Mauricio Borensztein (1925-1996). Alguns de seus mais célebres esquetes e monólogos foram lembrados na TV, além de circularem nas redes sociais.

O que mais impressiona, porém, ao assistir hoje o mais talentoso humorista que a Argentina já teve, é que os problemas do país que eram a matéria-prima de suas piadas persistem: as sucessivas crises econômicas, a debilidade das instituições, a corrupção da Justiça, a obsessão pelo dólar e o modo nervoso como os argentinos costumam acompanhar a política do país.

Bores tinha um visual peculiar. Estava sempre usando fraque, porque dizia que, num país cujas transformações eram tão frequentes, “nunca se sabe se podem me convidar para ser ministro hoje”. Usava uns óculos grossos que sempre escorregavam pelo nariz, e uma peluca meio descabelada que reforçava sua sensação de espanto com relação à Argentina.

Falava rápido, muito rápido, com textos que eram meio decorados e muito improvisados. Um tipo de humor verborrágico que talvez não atraísse tanto público no Brasil. Mas, na Argentina, Bores era um campeão de rating, e, na maior parte de sua carreira, teve o programa veiculado nos domingos à noite, disputando e ganhando até mesmo das partidas de futebol e dos programas de comentários esportivos.

Entre as passagens mais atuais, estão as que se referem ao dólar, e que questionam a debilidade da moeda argentina, e as que ironizam personagens que existem até hoje: especuladores, juízes e políticos corruptos. Numa delas sugere que se reúna todos os dólares guardados pelos argentinos debaixo de seus colchões e que, com essa enorme poupança, comprem os EUA. “Não sei como os gringos, que são tão inteligentes, não se dão conta do risco que estão correndo conosco”.

Em um de seus monólogos, Bores descreveu uma cena dos anos 1960, que vejo até hoje e que estará ocorrendo em Buenos aires enquanto você lê esse texto: “Você vai pela rua San Martín, onde estão as casas de câmbio, e todo o país está parado em frente às vitrinas. Há operários, pedreiros, peões, alfaiates, músicos, artistas, de tudo. Cada um está com um pacotinho de dinheiro e, assim que se mexe a cotação, entram todos em patota. Um diz ‘me dá três dólares’, outro diz ‘me dá quatro dólares’, outro diz ‘me dá oito dólares’ e saem correndo. E vão a outra casa de câmbio. E antes de que a cotação se mexa, vendem os dólares. E assim passam o dia todo, vendendo e comprando. Comprando e vendendo. E quando chega a noite vão para casa, moídos, desfeitos, caem mortos em um sofá, contam o dinheiro, chamam a mulher e dizem: ‘Vieja, vieja’, venha. Hoje ganhei 14 mangos [gíria para dinheiro] e não fiz nada”. O público gargalha até hoje da piada tragicômica.

Seu programa era tão querido, que sempre havia convidados estrelares, de atores e atrizes a presidentes. Carlos Menem e Raúl Alfonsín, por exemplo, que eram vítima de tantas piadas de sua parte, compareciam com frequência para dar entrevistas (no vídeo abaixo, Menem conversa com Bores comendo macarrão). Havia, ainda, cenas armadas com celebridades. Numa delas, Bores tem o jantar interrompido pela figura da Justiça, encarnada pela Susana Giménez, que entra no palco do humorista carregando sua balança. Diante da importância da visitante, Bores faz reverências e a convida para jantar, até que ela se abre com ele: está cansada de ser estuprada constantemente e pede ao humorista um advogado.

Com 50 anos de atuação na TV, Bores enfrentou várias vezes a censura. Isabel Perón, a viúva de Juan Domingo Perón, foi uma das que proibiu que fosse ao ar quando ela foi presidente (1975-1976). Depois, voltou, mas tinha de driblar a ditadura (1976-1983) fazendo ironias, algo que conseguiu com muita destreza até que inventou um telefonema fictício com o ditador Jorge Rafael Videla, e teve de sair do ar novamente. Nos anos 1990, já com uma melhor produção e um público fiel, seus programas passaram a ser mais elaborados, e contavam com espetáculos musicais e efeitos. Mas o que todo mundo esperava com ansiedade mesmo, era ainda a hora do monólogo.

Bores inovou o humor político na Argentina, e talvez lamentasse que, hoje, os problemas que apontavava continuem a ser tão atuais. Tanto que, sobre eles, continuam trabalhando seus dois filhos. Alejandro Borensztein mantém uma coluna semanal de humor político no jornal Clarín, e Sebastián Borensztein é cineasta e dirigiu as comédias “Um Conto Chinês” (2011) e “A Odisseia dos Tontos”. Em seus trabalhos, parece que o espírito da obra do pai está presente, de rir para não chorar.