América Latina em 2021, o que vem por aí?
Se 2020 foi um ano difícil para a América Latina, 2021 não parece que será muito melhor. Economias que já vinham desacelerando iniciam o o ano com quedas de PIB acentuadas por conta da pandemia. Na área da saúde, as novas ondas ou mutações do coronavírus parecem estar chegando muito mais rápido do que as vacinas. E, no meio de toda essa tempestade, vários países vão trocar de comando ou renovar parlamentos. Com isso, veremos candidatos fazendo promessas de campanha que dificilmente poderão cumprir e governantes tendo de realizar ajustes pouco populares que, deste modo, devem colocar mais lenha na fogueira das tensões sociais.
Más notícias já começaram nesta terça-feira (5), com a posse da nova Assembleia Nacional venezuelana, eleita em um pleito marcado por irregularidades e pelo boicote dos principais partidos. Assim sendo, o parlamento, último bastião de uma bastante imperfeita oposição, acaba de cair. O chavismo, agora, toma conta do Executivo, do Judiciário e do Legislativo de um país em grave crise humanitária, sem liberdade de expressão e com centenas de presos políticos. Para quem tinha dúvidas sobre o caráter ditatorial do regime, o discurso de Jorge Rodríguez prometendo perseguir Juan Guaidó e seus seguidores ajuda a dissipá-las.
O Chile vive um ano de transformações e sonhos, e espera-se que estes não se frustrem. Um calendário eleitoral atolado de votações, porém, pode atrapalhar um pouco. Em 11 de abril, os chilenos voltam às urnas para escolher os 155 integrantes da Assembleia Constituinte. O voto dos chilenos, em outubro último, no plebiscito que decidiu pela redação de uma nova Carta, foi nitidamente contra a classe política hoje no poder. Se isso sugere uma renovação, é uma excelente notícia. Mas é uma pena que a eleição para essa assembleia vá ser atropelada por uma campanha presidencial que já começou _o Chile escolhe o sucessor de Sebastián Piñera em 21 de novembro. Se o ano anterior foi de protestos constantes e nervosos, este será de escolhas, num país em que o debate está muito polarizado. O que parece certo é que o chamado “modelo chileno” deve terminar de se desmontar. O que viria no lugar dele?
As pesquisas indicam que o mal-estar contra a política tradicional, já sugerido no plebiscito, continuará. Prova disso é que quem lidera as pesquisas, o prefeito comunista de Recoleta, Daniel Jadue, tem apenas 18% das intenções de voto. E, em segundo lugar, está o direitista Joaquín Lavín, com 11%. Em terceiro lugar, o ex-chanceler de Bachelet, Heraldo Muñoz, com 3%. Ou seja, a maioria dos eleitores ainda está indeciso, ou não quer votar, o que deixa o cenário bastante aberto. A atual popularidade de Piñera também não entusiasma mais ninguém: 16%.
A primeira eleição presidencial do ano ocorre em pouco mais de um mês. Trata-se da escolha do sucessor de Lenín Moreno no Equador, em 7 de fevereiro. Depois de um ano de revoltas e em que a cisão da sociedade ficou clara, veio o ano da peste. Foi da cidade litorânea de Guayaquil que vieram talvez as mais terríveis imagens da chegada do coronavírus na região. Hospitais e cemitérios lotados, corpos abandonados nas ruas, enterros coletivos sem identificação dos cadáveres.
O governo de Lenín Moreno, que tão logo começou, em 2017, já se opôs a seu padrinho, Rafael Correa, foi marcado especialmente por esses dois eventos: as manifestações indígenas de 2019 contra o ajuste no combustível e o modo como o país foi golpeado pela pandemia. Todo o demais acabou ficando pequeno. Moreno, mesmo, não buscou nem sugeriu concorrer à reeleição. O governo sequer terá um candidato próprio na contenda.
Mas Rafael Correa, que se sente injustiçado e está condenado a 8 anos de cadeia por corrupção, não desistiu de nada. Primeiro, insinuou candidatar-se a vice de Andrés Arauz, repetindo a fórmula de Cristina Kirchner com Alberto Fernández, mas não deu certo. O fato de estar sentenciado e foragido _vive na Bélgica_ impediu que se candidatasse. Mas seu novo apadrinhado, participará e, se ganhar, terá o mesmo dilema de Moreno, ou ser um fantoche nas mãos de Correa ou também romper as relações com ele.
Arauz concorre com outros 15 candidatos, embora vários com indicação de uma votação inexpressiva. Quem lidera é o candidato de Correa, com 24% das intenções de voto. Em segundo e em terceiro, ressurgem dois veteranos da política equatoriana de poder regional e setorizado, o empresário Alvaro Noboa, com 17%, e o banqueiro Guillermo Lasso, com 12%. Arauz é de Quito, os últimos dois, de Guayaquil, coração financeiro do país. Assim como no Chile, os que não sabem em quem votar ou simplesmente não querem votar são mais de 50%. A rejeição ao modelo político tradicional também se nota no Equador.
Já os peruanos deveriam estar aliviados com a chegada das eleições, em abril, quando finalmente poderiam colocar fim a um mandato em que deu quase tudo errado. Houve três presidentes e dois Congressos, que se sabotaram o tempo todo entre si. Porém, não é bem assim. A apatia e a falta de envolvimento com as possíveis candidaturas também se nota no país andino.
A liderança nas pesquisas é do ex-goleiro do popular time Alianza e atual prefeito do município de La Victoria, George Forsyth, com uma cifra também magra, 18% das intenções de voto. Em segundo, está Julio Guzmán, do partido Morado, que cresceu muito nos últimos tempos. Na eleição mais recente, Guzmán vinha liderando, até que sua candidatura foi impugnada por uma questão técnica que foi bastante contestada. Porém, ele pertence ao partido Morado, do atual presidente interino do país, Francisco Sagasti, o que poderia ajudar a dar um impulso à sua candidatura.
Atrás de Guzmán, está a esquerdista Verónika Mendoza, com 6,5%, que foi uma das responsáveis por desempatar a eleição de 2016, em que o centro-direitista Pedro Pablo Kuczynski venceu por muito pouco a direitista Keiko Fujimori. No último momento, Mendoza anunciou o apoio da esquerda ao candidato, com quem admitia publicamente ter muitas diferenças, apenas para impedir a volta do fujimorismo ao poder. Agora, Mendoza planejava voar mais alto, mas com essa intenção de voto, pode não ser uma candidata competitiva. De todo modo, os números do Peru também mostram que um setor grande do eleitorado tampouco está decidido ou animado a votar. Assim como no Chile e no Equador.
Também haverá “eleição” na Nicarágua, e deixo entre aspas porque a ditadura já inviabilizou legalmente a participação da oposição, o que deve fazer com que seja fácil que tanto Ortega como sua mulher, Rosario Murillo, assim que decidirem quem concorrerá, vença o pleito. Murillo é uma figura-chave do regime hoje. Além de vice-presidente, é a figura mais ativa e a voz mais ouvida do governo, enquanto Ortega tem passado vários meses desaparecido, surgindo apenas de vez em quando.
Outro país centro-americano cheio de problemas irá às urnas neste ano, trata-se de Honduras, que, além da crise econômica e da pandemia, lida com o impacto de furacões e dos enfrentamentos entre grandes empresas mineradoras e líderes ambientalistas, embate que já levou à morte muito destes.
Há, ainda, duas eleições legislativas importantes. Na Argentina, onde vários economistas preveem que virá uma crise como a de 2001 e no México, onde a gestão de López Obrador será julgada nas urnas. O mexicano elegeu-se em 2018 prometendo uma renovação pela esquerda, mas tem se mostrado cada vez mais um populista conservador que, ainda por cima, não vem lidando nada bem com a pandemia.
O que certamente está garantido é que não faltarão notícias na região.