Série expõe seita nazista no sul do Chile
As imagens de propaganda da Colonia Dignidad mostravam cenas belas e idílicas. Homens trabalhando nos campos, mulheres nas enfermarias, crianças sendo educadas em sala de aula. A comunidade de Parral, ao sul de Santiago, adorava o empreendimento do alemão Paul Schäffer, que havia chegado ali em 1961 com um grupo de 200 colonos também vindos da Europa. Nos arredores, não havia boas escolas e hospitais, e a Colonia Dignidad oferecia esses serviços de modo gratuito aos camponeses da região. Em troca, estes os protegiam de bisbilhoteiros que queriam investigar o que ocorria, de fato, dentro da propriedade. Várias famílias chilenas da região, inclusive, entregaram suas crianças em adoção a Schäffer, com a certeza de que, ali, teriam uma boa educação e assistência médica.
Só que Schäffer estava longe de ser esse homem bondoso. Muito pelo contrário. Havia saído da Alemanha fugindo de acusações de abusos de menores em instituições religiosas. Ao chegar ao Chile com um grupo de seguidores, comprou um terreno de 10 mil hectares, e o transformou num verdadeiro centro de terror.
Na Colonia Dignidad, homens e mulheres eram submetidos a um regime de trabalhos forçados, e sobre eles era exercida uma dominação psicológica por meio da religião. Tudo o que era relacionado a sexo ou a relações afetivas era proibido. Maridos viviam separados das mulheres e dos filhos. E as crianças não sabiam quem eram seus pais. Os colonos trabalhavam até 18 horas por dia no campo, no hospital ou na cozinha, e seguiam um cotidiano de orações e obrigações religiosas extremamente rigoroso. Os castigos físicos eram terríveis, e incluíam, por exemplo, deixar pessoas enterradas dentro de caixas por vários dias para que pagassem por algum erro ou “pecado”.
A minissérie “Dignidade”, que está sendo exibida pela Amazon Prime, reconstrói esse centro de horrores. Como se não bastasse o que acabo de descrever, Schäffer abusava sexualmente dos meninos que lhe eram entregues. A trama mistura realidade com ficção e mostra o investigador Leo Ramírez (Marcel Rodríguez) que é enviado desde Santiago à Colônia Dignidade para investigar e prender Schäffer (Götz Otto), no ano de 1997, num Chile que já havia recuperado a democracia, mas no qual a verdade sobre os anos da ditadura militar (1973-1990) ainda não estava totalmente revelada.
Com o passar dos capítulos, vamos descobrindo que Ramírez tem um vínculo especial com o local. Nem sua família atual sabe, mas ele cresceu na colônia e foi uma das vítimas de Schäffer. As memórias e os sentimentos desencontrados que tem com relação ao local dão dramaticidade a essa produção chileno-alemã, que se desenrola como um thriller em oito episódios.
Como se não bastassem os abusos ocorridos na Colonia Dignidad, a série revela ainda uma outra parte do horror. O fato de Schäffer ter sido cúmplice da ditadura de Pinochet. A Colonia recebeu prisioneiros políticos, os torturou e matou. Serviu, ainda, de armazém de armas e emprestou espaço e logística para aterrissagens e treinamentos clandestinos a serviço do regime. A Colonia Dignidad estava, ainda, vinculada a políticos, diplomatas e empresários chilenos, que a protegiam.
Apenas muito tempo depois de terminada a ditadura, a verdade sobre a Colonia Dignidad foi saindo à tona, por meio de relatos de vítimas que se animaram a denunciar Schäfer, no final dos anos 1990. Este, porém, já havia escapado para a Argentina e só seria encontrado em 2005, por meio de uma investigação jornalística. Extraditado de volta ao Chile, acabou morrendo em 2010, antes de cumprir uma pena por todos os delitos que cometeu.