Imagens do horror que revelaram a verdade sobre a repressão
Morto no último sábado, de um câncer, aos 76, o argentino Víctor Basterra viveu nas sombras da ESMA (o principal centro clandestino de tortura da ditadura argentina nos anos 1970) como prisioneiro por mais de quatro anos. Ali, teve a possibilidade de fotografar e guardar um sem fim de imagens que expunham tanto os rostros de prisioneiros que foram sequestrados como dos repressores. Os documentos que conseguiu, pacientemente, tirar intactos dali ao longo dos anos e depois, quando foi libertado, ajudaram a muitas famílias a recompor a história de parentes desaparecidos, além de figurar em processos que até hoje estão em curso na Justiça argentina para determinar a culpa de repressores.
Quando foi sequestrado com a mulher e sua filha, Basterra, que era peronista, passou dias terríveis nos porões da ESMA (Escola Mecânica da Marinha). Submetido a choques elétricos, sofreu dois infartos e quase morreu. Como isso não ocorreu, acharam um melhor uso para ele _era comum que prisioneiros fizessem algo parecido ao trabalho escravo nos centros clandestinos da repressão. Basterra virou empregado do setor de documentação da ESMA. Tinha 35 anos. Sua mulher e sua filha foram libertadas.
Neste posto, era o responsável, por exemplo, por fazer fotos dos repressores para os documentos falsos que usariam em operativos de repressão ou para sairem do país. Passaram diante de suas lentes agentes importantes do aparato, como Alfredo Astiz, um dos mais cruéis comandantes de operações que terminavam em sequestros ou no envio de pessoas para os voos da morte. Basterra, porém, sempre tirava uma cópia a mais dessas imagens e dos documentos falsos. E as guardava. Fazia o mesmo quando lhe pediam que registrasse a imagem de alguns presos, para o arquivo local. Sem saber, acabaria sendo a última imagem com vida de muitos deles. A maioria morreria nos voos da morte ou não aguentaria as sessões de tortura. Não se sabe como e se a Marinha guardou esses arquivos, mas cópias de várias desses registros foram indo parar na casa da corajosa família Basterra.
Afinal, depois de um tempo, quando recebeu o benefício de poder fazer algumas visitas à sua família, levava algumas dessas imagens para casa. Algumas delas iam juntas a seu próprio corpo ou escondidas dentro de sua roupa íntima. A família foi armando em casa esse poderoso arquivo, que veio à luz nos anos 80.
Quando foi liberado, semanas antes da eleição de Raúl Alfonsín (1983) que marcaria o fim da ditadura, Basterra enfim foi para a casa. Não descansou. Organizou seu arquivo e levou seu “Informe Basterra” diretamente à Comissão Nacional sobre a Desaparição de Pessoas (Conadep), que realizou a primeira grande lista dos que haviam desaparecido pela ação do Estado. As imagens e os depoimentos sobre as conversas que manteve com os fotografados colaboraram para esclarecer a verdade sobre o destino de muitos presos, assim como a levar a julgamento vários repressores.