Populismo de AMLO sugere atropelar a Constituição
Em sua intervenção na Assembleia Geral da ONU, o presidente Andrés Manuel López Obrador soltou uma frase que envergonhou mexicanos e viralizou nas redes. Ao elogiar Benito Juárez (1806-1872), considerado o fundador do México contemporâneo e vanguardista, não lhe ocorreu melhor exemplo que dizer que sua projeção internacional foi tanta que o pai do fascista italiano Benito Mussolini tinha-lhe dado esse nome porque era um admirador de Benito Juárez.
É possível que AMLO (como é conhecido) esteja mal-assessorado, mas não se deve descartar que, no fundo, seu populismo cada vez mais explícito no fundo guarda semelhanças com esse tipo de personagem _digo Mussolini, não Juárez.
Um exemplo disso é como ele vem sugerindo levar adiante a ideia de convocar uma consulta popular para que os mexicanos decidam se deve-se ou não levar a julgamento os cinco mandatários que governaram o país antes dele, entre 1988 e 2018. Nenhum deles está com um processo iniciado atualmente, embora existam investigações em andamento em que alguns estão envolvidos, como Felipe Calderón (2006-2012) e Enrique Peña Nieto (2012-2018).
Uma decisão dessas, de entregar ao povo o poder de decidir se esses ex-mandatários devem ou não ir a julgamento é um ataque ao Estado de Direito e sugere um tipo de tribunal popular bárbaro e primitivo. Por sorte, o México possui instituições que podem ainda colocar pedras neste caminho. Primeiro, a proposta tem de passar pelo Senado. Aí, é possível que seja aprovada, pois o partido de AMLO, o Morena, tem maioria. Depois, será a vez da Suprema Corte de Justiça, que determinará se a consulta é necessária e viável.
AMLO ainda vinha embalado pela popularidade com a qual se elegeu em 2018, mas esta veio caindo de modo constante desde o ano passado. Dos mais de 80% que tinha no começo da gestão, está em 47% hoje (segundo pesquisa realizada pelo Grupo de Economistas y Asociados). Os motivos são claros: a má administração da pandemia, o aumento da violência e da taxa de homicídios relacionadas ao narcotráfico, o prognóstico de uma queda do PIB de mais de 10% pelo FMI (Fundo Monetário Internacional) em 2020 e por mudanças em seu próprio discurso de campanha _como passar de crítico de Trump a uma posição de vassalagem explícita.
A ideia da consulta popular é mais um gesto demagogo e populista. Não é necessário dizer que AMLO despreza os meios de comunicação e prefere “falar diretamente ao povo”. Na mesma linha, com esse gesto, mostra desprezo também ao sistema Judiciário, ao tentar transferir para a população a decisão de julgar ou não os presidentes que o precederam. Numa democracia com divisão de poderes, quem julga é a Justiça.
A proposta de AMLO é parte, também, de uma estratégia eleitoral. Em 2021, haverá eleições regionais no país. A ideia do presidente é fazer a consulta popular no mesmo dia, em 6 de junho. Trata-se de uma votação importante, na qual se define a governabilidade do país no segundo trecho de seu mandato (no México, é de seis anos). Ela escolherá 15 governadores, 500 deputados, 30 congressos regionais e mais de 2.000 prefeitos.
O apelo popular da consulta popular poderia alavancar as candidaturas dos políticos do Morena, e reforçar seu discurso de campanha contra a corrupção.
Uma plebiscito que sugira passar por cima da Justiça seria um ato autoritário e apelativo, um show mediático com o qual a figura do presidente ganharia protagonismo e poderia levantar sua aprovação popular. Parece uma ideia de quem tem pouco discernimento político ou mesmo, pura má fé.
Assim como a ideia de sugerir que Benito Mussolini merece alguma admiração.