Farc deveria ir além de gestos simbólicos e oferecer respostas

A menos de um mês do quarto aniversário do plebiscito que marcou a história recente da Colômbia –em que a população disse “não” ao acordo de paz, mas o Congresso acabou aprovando-o–, as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) pediram desculpas públicas pelos sequestros realizados nos últimos 50 anos. O que significa esse gesto?

Antes de mais nada, simbolicamente, ele é muito importante. O sequestro fez parte do modus operandi da guerrilha para dar-lhe poder, por meio de uma estratégia de medo, e recursos econômicos, uma vez que, por meio dos resgates, financiavam as atividades ilícitas da então guerrilha, hoje transformada em um partido político com representação no Congresso.

Quando o acordo foi assinado e, por fim, aprovado, ficaram várias tarefas por terminar. O tratado significou um princípio da tão esperada paz, não simplesmente o término dos conflitos. A lição de casa do governo era implementar o processo de reintegração de ex-combatentes, proteção dos desmobilizados e uma reforma agrária –todos esses pontos estão longe de terem sido concluídos. Do lado da guerrilha, a obrigação era a de esclarecer a verdade sobre torturas, mortes e sequestros e colaborar com a restituição da verdade aos familiares das vítimas –algo também incompleto.

Ou seja, os dois lados estão devendo à sociedade colombiana. A mancada mais recente foi cometida pelas Farc. Chamadas no último dia 8 de setembro ao tribunal especial da paz (a JEP), instância criada pelo acordo para decidir sobre crimes cometidos durante o conflito, as Farc tinham de ter oferecido informações sobre o recrutamento de menores de idade para as fileiras de combate.

A prática está amplamente documentada pela Justiça e por órgãos de direitos humanos. O Centro de Memória Histórica da Colômbia, por exemplo, tem registrados 5 mil casos de menores de idade que teriam sido recrutados pelas Farc apenas entre 1999 e 2013 –a guerrilha existe desde os anos 1960. Sobre o drama do recrutamento de crianças e adolescentes, testemunham também os mais de 7 milhões de refugiados internos do país (os “desplazados”). Eles contam ter deixado suas casas na área rural e mudado para os subúrbios das grandes cidades para fugir da violência entre guerrilhas, paramilitares e Exército. Mas, especialmente, contam que fugiram com medo de a guerrilha sequestrar seus filhos e netos para que integrassem a luta armada à força.

O líder das Farc e hoje presidente do partido Farc (Força Alternativa Revolucionária do Comum), Rodrigo “Timotchenko” Londoño, afirmou ante o tribunal que ninguém com menos de 18 anos teria nunca sido forçado a entrar na guerrilha. Porém, depois, deu declarações contraditórias. Afirmou, por exemplo, que houve “casos em que mães e pais pediram que seus filhos fossem integrados às Farc como forma de ascensão social”. Ele mesmo, Timotchenko, entrou na guerrilha quando tinha 17 anos, e justifica afirmando que, segundo leis do direito internacional humanitário, a idade considerada válida para entrar na luta armada é de 15 anos.

 

 

Outras figuras de relevo da guerrilha também falaram sobre a necessidade de integrar menores de idade à sua luta. Líderes como Griselda Lobo e Pastor Alape, em seus depoimentos, alertaram para o fato de que, na lógica da luta armada na selva, a questão da idade mínima era diferente do que em relação ao mundo urbano e contemporâneo. E que, para muitos adolescentes, a guerrilha era um caminho não apenas válido, como desejado.

 

A questão do recrutamento infantil e adolescente divide a opinião pública colombiana e é um tema de debate político. Entre as dificuldades das Farc para apresentarem-se como opção partidária viável, existe a necessidade de esclarecer este ponto. Daí que a desculpa pública por conta dos sequestros obviamente é válida, porém, não resolve toda a dívida que a guerrilha tem com os familiares de vítimas e com a sociedade colombiana.

O gesto é louvável. Há que se acompanhar se, porém, se de fato será seguido de informações reais e concretas sobre o destino de sequestrados que nunca retornaram e estão desaparecidos. Também sobre a verdade com relação às torturas e ao tratamento que receberam.

Por conta do acordo de paz, as Farc estão hoje no Congresso, com 10 representantes garantidos pela lei. O acordo, hoje, é parte da Constituição. Mas esse arranjo não será para sempre. Depois das eleições de 2022, não haverá mais cota garantida, e o partido das Farc terá de conseguir convencer a população a entregar seus votos a eles por conta de suas ideias e agendas.

Ou seja, as questões do recrutamento de menores e dos sequestros não devem parar apenas nos pedidos de desculpas ou na simples negação. Devem ser acompanhadas de respostas esclarecedoras sobre todos os casos, além de uma reparação aos familiares das vítimas destes delitos a ser definida pelo tribunal criado para essa função.