Por que há uma nova onda de violência na Colômbia?

  1. O que está acontecendo na Colômbia?

Uma escalada de assassinatos de civis, principalmente no campo colombiano. Esse aumento, embora em escala menor, vem crescendo num ritmo comparável aos tempos mais duros do conflito armado contra as guerrilhas, nas décadas de 60, 70, 80 e 90. Segundo dados da ONU (Organização das Nações Unidas), em 2020 já ocorreram 33 massacres ou assassinatos coletivos no país, enquanto em 2019 (no ano inteiro) foram 36, em 2018, 29, e em 2017, 11.

Entre esses crimes estão os de Tibú (Norte de Santander), onde foram assassinadas oito pessoas, de Samaniego (Nariño), outras oito, a maioria jovens, e de Ricaurte (Cundinamarca), onde foram assassinados três indígenas.

A contagem dos assassinatos coletivos não inclui a execução de líderes sociais e de direitos humanos que atendem a comunidades carentes. Aí a contagem já soma mais de 1.000 pessoas, segundo a ONG Indepaz.

2. Quem são as vítimas?

Em geral, jovens habitantes da região, líderes comunitários, famílias de camponeses, pessoas que resistem ao recrutamento forçado, membros de bandos criminosos, indígenas que tentam proteger suas terras, soldados do Exército. Além dos que são assassinados, a Colômbia continua sendo um dos países que mais têm refugiados internos no mundo. Ou seja, pessoas que são obrigadas a abandonar o lugar onde vivem devido ao confronto entre facções, cartéis, Exército e paramilitares. Segundo a ONU, os chamados “desplazados” (deslocados) internos do país já são 7 milhões _para comparação, os refugiados da crise humanitária na Venezuela são 4 milhões. Neste ano, já foram obrigados a abandonar suas casas 14 mil famílias. A maioria delas engrossa as populações das grandes cidades. Há uma preocupação constante com essa peregrinação em tempos de pandemia. Geralmente, nas metrópoles, as condições de vida ao chegar são precárias e pouco higiênicas.

3. Quem são as forças em disputa?

Há um conglomerado de facções e bandos, dissidências de organizações que já foram maiores e novos atores vindos do exterior. Em cada região, a combinação dessas forças é distinta. Por isso, analistas do tema violência recomendam abordagens locais, coordenadas com uma estratégia nacional.

Em geral, estão envolvidas guerrilhas ativas como o ELN (Exército de Libertação Nacional), o EPL (Exército Popular de Libertação), dissidências das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), que estão oficialmente desmobilizadas, dissidências das AUC (Autodefensas Unidas da Colômbia), força paramilitar também oficialmente desmobilizada, cartéis de narcotráfico mexicanos e colombianos. Em alguns desses grupos, ainda há células movidas por questões ideológicas e que têm como finalidade a reforma ou a tomada do poder de modo revolucionário. A maioria, porém, dedica-se ao narcotráfico e a outras práticas delitivas.

Segundo relatos das vítimas, a convivência com esses criminosos é hoje ainda mais difícil do que antes. No passado, quando boa parte do interior colombiano era dominado por guerrilheiros e paramilitares, estes grupos, embora fora da lei, estabeleciam laços com as comunidades, muitas vezes até mesmo substituindo o papel do Estado no que diz respeito à atenção médica, transporte, alimentação e segurança. Hoje em dia, as vítimas veem os grupos violentos como um perigo constante e não há a quem apelar.

    4. Qual o papel do Estado neste conflito?

O Estado colombiano já se encontrava ausente em grande parte do território, durante os anos mais duros do conflito armado. A pandemia do coronavírus e a posição contrária do atual governo, de Iván Duque, do partido Centro Democrático, ao acordo de paz entre o Estado colombiano e as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), assinado e aprovado em 2016, terminaram por desviar ainda mais a atenção do governo da questão da violência no interior.

Entre os compromissos a que o Estado se comprometeu no tratado, estava a segurança de ex-combatentes desarmados, o que não vem ocorrendo, uma reforma agrária, questão original pela qual tiveram início os conflitos com a guerrilha, e um plano de inserção na sociedade de ex-combatentes, o que tampouco aconteceu. O Estado, sob a atual gestão, também se negou a levar adiante negociações de paz com outras guerrilhas, como o ELN.

Há uma pressão dos EUA muito forte sobre Duque. É fato que, desde que as negociações de paz iniciaram, aumentou a quantidade de terras cultivadas de coca. O governo anterior, de Juan Manuel Santos, por pressão de camponeses e da guerrilha, proibiu a fumigação aérea dessas terras por agentes químicos que foram considerados cancerígenos. A gestão Trump pressiona Duque a voltar com esse tipo de fumigação, em detrimento da desarticulação manual dessas plantações, que é mais lenta e difícil. Os EUA têm condicionado a continuação da ajuda financeira para o acordo de paz a uma retomada da fumigação aérea com químicos. A população do campo é contra, pois não afeta apenas as plantações de coca, mas também as outras colheitas e a saúde dos habitantes da região rural.

5. Como isso pode impactar as eleições presidenciais de 2022?

Já está impactando. Segundo o Instituto Gallup, Duque tem 29% de popularidade e 64% de desaprovação de sua gestão. O aumento da violência foi uma das razões dos protestos que tiveram lugar nas grandes cidades colombianas desde o fim do ano passado, e que apenas foram interrompidas pela pandemia. Duque tem um combo de problemas, além da violência, o coronavírus, a desarticulação de sua base de apoio desde a prisão de seu padrinho político, Álvaro Uribe, e a crise humanitária com a Venezuela, que também impacta no trânsito dos grupos e facções violentas de um lado a outro na fronteira.

O partido de Duque ainda não tem um provável sucessor claro (na Colômbia não há reeleição), mas é possível que volte a apresentar alguém mais linha-dura _Duque insiste em se rotular como de centro, o que desagrada as posturas mais à direita do próprio Centro Democrático. Por outro lado, a centro-esquerda tem ganhado espaço, com nomes como Sergio Fajardo, que ficou em terceiro lugar na última eleição presidencial, e Claudia López, prefeita de Bogotá, que vem enfrentando Duque nas estratégias de combate ao coronavírus.