Um diálogo entre Vargas Llosa e Borges

Acaba de sair em espanhol, pela Alfaguara (importado), “Medio Siglo Con Borges” (meio século com Borges), uma coletânea de textos _entrevistas, ensaios, conferências e críticas_ do Nobel peruano de literatura, Mario Vargas Llosa, 84, sobre e com o argentino Jorge Luis Borges (1899-1986). Trata-se de um volume curto (106 págs.), sem previsão de lançamento no Brasil, mas de um valor inestimável para quem curte literatura contemporânea _e não apenas latino-americana.

É claro que, por se tratar de um livro de Vargas Llosa, que nunca deixou de cultivar sua vaidade assim como sua excelente literatura, a obra se trata do argentino, mas em muitos momentos o que sobressai mais é a personalidade forte do peruano. Dado o devido desconto, vale, e muito, percorrer suas páginas.

Sem dúvida, os textos mais interessantes são as duas entrevistas incluídas no volume. A primeira, realizada em 1963, em Paris, por um novato Vargas Llosa, para a Rádio e Televisão Francesa, a um escritor já internacionalmente conhecido. A segunda, feita pelo peruano em Buenos Aires, na casa de Borges, que, na ocasião, já havia perdido quase por completo a visão, e deixou-se observar minuciosamente pelo interlocutor.

Na primeira, Borges se mostra surpreso pela popularidade, na França, de seus livros “História Universal da Infâmia” e “História da Eternidade”: “Queria agradecer pessoalmente a cada um dos leitores, ou apresentar-lhes minhas desculpas”, afirma. Quando Vargas Llosa o provoca sobre suas leituras em francês, Borges cita Montaigne e Flaubert, mas o peruano depois se mostra decepcionado pelo fato de o argentino, naquela ocasião, não se mostrar tão obcecado por Jean-Paul Sartre (1905-1980), a quem Vargas Llosa venerava.

Na segunda, Vargas Llosa oferece um detalhado relato sobre o apartamento em que Borges morava, em Buenos Aires, naquela época: “Vive num apartamento de dois quartos e uma sala de jantar, com um gato que se chama Beppo (assim como o gato de Lord Byron) e uma empregada de Salta, que cozinha e lhe serve também de guia (por conta da cegueira). Há poucos móveis, puídos, enquanto a umidade imprimiu olheiras escuras nas paredes. O quarto de sua mãe, com quem viveu toda a vida, está intacto, inclusive com o vestido lilás esticado sobre a cama, pronto para vestir. Porém, essa senhora morreu há vários anos”, conta o peruano.

Vargas Llosa se espanta pelo fato de não haver livros de Borges em sua biblioteca, nem livros sobre Borges. E recebe uma excelente resposta: “Quem sou eu para me colocar na estante ao lado de Schopenhauer?”. Mais longa, essa conversa se aprofunda mais em questões literárias e políticas, se fala de modernismo, das características sociais da Argentina, de peronismo e anti-peronismo e diferem sobre o formato do romance. Vargas Llosa o defende, enquanto Borges valoriza a artesania do conto e da poesia.

Em outros textos, Vargas Llosa revela sua admiração e o quanto redescobre a cada nova leitura de Borges, embora assumindo que seu trabalho está nas antípodas do argentino. Enquanto este criou um universo fabuloso, labiríntico, imaginativo, Vargas Llosa se prende à realidade, em linhas muito gerais.

“Creio que Borges inventou uma língua, e eu não”, resume o peruano.