López Obrador e Bolsonaro, dois lados da mesma moeda?

Ambos lideram as duas maiores economias da América Latina. Ambos cultivam um tipo de poder personalista. Os dois desprezam a mídia e preferem a “conexão direta” com o povo em suas comunicações. Os dois minimizaram a pandemia do coronavírus, são acusados de maquiar os números dos contágios e seus países fazem, agora, uma atrapalhada, senão caótica, abertura econômica em busca de uma normalidade que já se mostrou impossível em países cuja curva de contágios ainda não se deteve. Um é de direita, o outro, supostamente, de esquerda. Mas a posição política, a essa altura, pouco importa. Andrés Manuel López Obrador (México) e Jair Bolsonaro (Brasil) mostram-se como dois líderes populistas sem preparo para a gravidade da situação que enfrentam.

Mais, com o discurso de priorizar a economia antes da saúde, estão falhando nas duas frentes. Com suspeita de haver subnotificação, o total de mortes no México pelo coronavírus, até agora, é de 26.915 pessoas. No Brasil, de 57,658. E, na semana passada, o Fundo Monetário Internacional (FMI) previu que a queda das duas gigantescas economias latino-americanas também seria grande. O PIB do México teria retração de 10%, e o do Brasil, de 9,1% em 2020.

O estilo pessoal de cada líder, obviamente, não é o único fator para explicar esse mau desempenho na pandemia, mas obviamente conta muito. Se, no México, López Obrador aparecia dizendo que as pessoas deveriam sair de casa e ir a restaurantes populares para reativar o consumo, Bolsonaro chamava o coronavírus de “gripezinha” e participava de atos populares sem precauções.

Os dois diferem no trato, é verdade. Se Bolsonaro é mais belicoso e agressivo no discurso, AMLO (como é chamado) cultiva um tom manso e aparentemente apaziguador. Ambos se apoiam numa visão religiosa de seu próprio poder. Bolsonaro citando versos da Bíblia, AMLO evocando uma mescla de catolicismo com as tradições religiosas ancestrais do país. Em suas aparições diárias nas chamadas “mañaneras”, suposto diálogo do líder mexicano com a imprensa, López Obrador parece mais um pregador, e o formato das coletivas não permite que ele fique exposto a perguntas incômodas.

Ambos, também, não param de pensar em eleições. Bolsonaro, em reeleger-se em 2022, e AMLO, com um objetivo mais próximo. Em junho de 2021, ocorrem as eleições de meio de mandato, que definem nada menos que 500 deputados, 15 governadores, além de parlamentos regionais em 30 estados e, ainda, 2 mil prefeituras. Do desempenho nesta eleição, depende o sucesso ou o fracasso da segunda metade do sexênio de López Obrador.

 

Há alguns dias, ambos deram mostras de humor involuntário ao tratar de tragédias. Bolsonaro, em sua live, homenageou os mortos pelo coronavírus com uma apresentação de sanfona, supostamente ao som da “Ave Maria” de Franz Schubert. Nas palavras mais certeiras do humorista português Ricardo Araújo Pereira, “a música tanto pode ser a Ave Maria do Schubert como o ‘Parabéns a Você’. O Bolsonaro diz que é uma homenagem aos que se foram, mas não diz que são pessoas. Pode ser uma homenagem muito bonita a um gato morto. A homenagem reproduz o som de gatos que estão miando”.

 

De seu lado, López Obrador apareceu em três vídeos postados em sua rede social tentando inovar o modo de comunicar que havia ocorrido um terremoto de 7.4 com epicentro na região de Oaxaca. Em vez de um pronunciamento à nação, apareceu, de modo patético, numa chamada telefônica em que, ao longe, se ouvia o responsável por dar o informe sobre os estragos enquanto o presidente lutava para encontrar uma caneta sobre sua própria mesa, destapá-la e escrever algo num papelzinho. Depois, interrompia o interlocutor e repetia o que ele havia falado, com muito menos detalhes. Pouco depois, apareceu novamente ao telefone com o mesmo sujeito, caminhando pelo Palácio Nacional, dando instruções e dizendo que a comunicação estava falha _como se Oaxaca ficasse em outra galáxia. A ideia era passar uma sensação de que ele estava no comando ante a tragédia (que foi menor desta vez, matando 10 pessoas), mas acabou passando a impressão contrária, transmitindo mais confusão que confiança. Não é necessário dizer que os vídeos viraram piada nas redes.

México e Brasil são países fundamentais na região. Um na Alianza del Pacífico, outro no Mercosul. Um com 126 milhões de habitantes, o outro com quase 210 milhões. O que ocorre com ambos repercute nas economias de toda a América Latina. Ter à sua frente dois líderes de estilo populista e que não demonstram estar à altura da crise que enfrentam é uma tragédia. Daqui para a frente, é torcer para que os pesos e contrapesos da democracia possam controlar seus impulsos autoritários.