Horror na Colômbia: cineasta abusador e garota indígena estuprada por militares
Durante o governo de Juan Manuel Santos (2010-2018), foi feito um real esforço para diminuir a violência de gênero na Colômbia. Ainda que não se chegasse perto de resolver o problema, a agenda feminista foi levada a sério, e ações afirmativas ocorreram por meio da indicação de várias mulheres para postos-chave da gestão.
A questão, porém, parece retroceder no país. Em detrimento de uma agenda pró-segurança pública, e contra a assim chamada “ideologia de gênero”, o governo de Iván Duque não tem feito o suficiente pela proteção das mulheres. O que levou a que, por exemplo, as cifras da violência contra a mulher aumentassem durante a quarentena. A ex-senadora Piedad Córdoba veio a público dar mais visibilidade a esses números, que são oficiais e, portanto, correm o risco de subestimarem o problema. Segundo essa informação, de janeiro a maio de 2020, 355 mulheres foram mortas de forma violenta no país, 70% delas dentro de casa ou vítimas de um ex-companheiro. Houve, ainda 473 casos de violência doméstica e 400 outras denúncias de delitos sexuais.
Porém, se só a pandemia fosse o problema, haveria alguma esperança de que o assunto tendesse a melhorar com o passar do tempo. Mas não é assim. O machismo e a violência machista integrados à cultura colombiana são um assunto mais grave. Uma tragédia que só se resolve com educação, orientação e mais vias de denúncia das vítimas e punição para agressores.
Um exemplo disso é o saldo de dois escândalos em uma só semana. Num deles, o cineasta Ciro Guerra, indicado ao Oscar por seu excelente “El Abrazo de La Serpiente” (2015), foi acusado de assédio sexual e estupro por oito mulheres. Ele nega. Mas a jornalista e escritora Catalina Ruiz-Navarro reuniu vários relatos e evidências (mensagens de texto, gravações) que agora devem formar parte de um processo contra ele. Em todos os casos, Guerra dizia que era “jurado de Cannes” e com isso começava a forçar as mulheres a terem sexo com ele. As que resistiam iam sofrendo agressões físicas.
O outro caso é ainda mais assustador. Uma menina indígena de 12 anos, do povo embera chamí, foi estuprada por um grupo de soldados do Exército no Departamento de Risaralda. O crime foi informado por um comunicado das próprias Forças Armadas. Logo, o ministro da defesa, Carlos Holmes Trujillo, afirmou que o “o fato deplorável é de grande gravidade. Os responsáveis merecem uma sanção severa”.
Os habitantes da aldeia dizem que a menina havia sido sequestrada pelos soldados e permaneceu com eles mais de 24 horas, com os familiares buscando-a por todos os lados. Foi encontrada inconsciente, num descampado perto de uma escola rural e hospitalizada. Foram indiciados oito soldados, mas os parentes da menina dizem que foram mais de 20 os que a teriam levado na noite de seu sequestro.
Ainda que, neste caso, o governo tenha se pronunciado a favor de uma pena dura aos responsáveis, não é o primeiro crime medonho contra uma menina indígena e menor de idade que ocorre na Colômbia. Aliás, isso é até recorrente, como em 2016, quando um arquiteto de classe média alta de Bogotá, Rafael Uribe Nogueira, sequestrou uma menina indígena de 7 anos, Yuliana Samboní, a estuprou e a matou.
Em 2018, Uribe Nogueira teve sua sentença de 58 anos de prisão reduzida.
É importante que esses casos venham à tona hoje com mais frequência e exista mais pressão da sociedade e das feministas, obrigando o governo nacional a dar explicações sobre as medidas que irá tomar. Porém, ainda há muito para ser feito, até porque 70% dos juízes do país são homens e a denúncia de crimes de gênero são difíceis de ser feitas. Também não basta apenas punir mais _que parece ser a solução para tudo no entendimento do presidente Iván Duque. É preciso também que existam políticas públicas e um esforço coletivo da sociedade de mudança de atitude e de postura diante dos direitos das mulheres.