Argentina pode ter tragédia econômica pior que a de 2001
A crise econômica que se avizinha para o pós-pandemia na Argentina será imensa, é o que dizem 10 de cada 10 economistas com quem se conversa nos dias de hoje. Três notícias recentes começam a mostrar que o cenário, de fato, não pinta bem para o médio e longo prazo. Uma delas foi o anúncio do encerramento de operações da Latam Argentina, que deixará sem empregos mais de 1.700 funcionários, e causará desemprego indireto nos destinos turísticos para os quais a aerolínea voava. Além disso, deve aumentar o preço das passagens internas disponíveis, favorecendo uma das únicas aerolíneas locais de porte, a Aerolíneas Argentinas.
Outra notícia foi o novo adiamento do prazo para negociação da Argentina com seus credores. O país deve mais de US$ 60 bilhões, e vem negociando, por enquanto, com três grandes grupos de credores uma reestruturação de sua dívida em lei estrangeira. Já foram desobedecidos quatro prazos, e agora o país tem como último deadline para essa parte da dívida o próximo dia 24 de julho. Tecnicamente, o país já está numa “moratória técnica”. Porém, com os EUA e o FMI (Fundo Monetário Internacional) vêm ajudando a acalmar a raiva dos credores, estes ainda não declararam a Argentina em moratória nem buscaram a Justiça. Isso basta, pelo menos para o governo argentino, para dizer que não está em “moratória”. Mas, como a possibilidade de cumprir esses compromissos parece distante, e os credores vão chutando a bola pra frente como quem também não acredita, é bastante possível que o “calote técnico” vire “calote real” nas próximas semanas.
Isso transformará a Argentina, novamente, em ser pária no mercado financeiro internacional, perdendo acesso a linhas de crédito justamente quando poderá necessitar delas, para recuperar-se dos efeitos da pandemia.
E o terceiro fato que agrava a situação da Argentina foi a tentativa do governo de expropiar… isso mesmo, expropiar, uma empresa privada de processamento de cereais, a Vicentín, em nome da “soberania alimentar” do país. A oposição aí não perdoou a atitude que mais se parecia às medidas bolivarianas de Hugo Chávez em seu auge. Houve buzinaços e manifestações. Também muita pressão do meio empresarial, e a Justiça acabou derrubando a decisão do governo. Por enquanto.
Obviamente, é cedo para fazer comparações com outros momentos históricos, que sempre deixam lacunas e passam por cima de peculiaridades. Em 2001, uma delas era o fato de governo ser não-peronista, o que é importante pois líderes peronistas têm instrumentos para a contenção popular que outras forças não possuem. Outra, é que em 2001, as ruas marcaram o passo da crise desde o começo, e desta vez isso não ocorre, por conta da pandemia. Outro elemento que não existe agora é uma divisão política muito exacerbada. Isso não ocorre porque a pandemia fez com que a oposição (ou turma do Macri) se sentasse à mesma mesa do governo (a turma da Cristina), eliminando, por ora, os possíveis atritos em nome da saúde pública.
Porém, mesmo com essas ressalvas, será muito difícil que o governo de Alberto Fernández evite o que fatalmente virá, assim como aconteceu em 2001, uma das piores crises econômicas que o país já teve. Depois de 2001, foram 15 anos para que o panorama econômico começasse a melhorar na Argentina. Outro tombo agora e mais outros 15 anos para recuperação seria acabar com as perspectivas de mais uma geração de argentinos.
Além dos casos Latam, Vicentín e dívida, vejamos o que mais está mal e sem possibilidade de melhora imediata:
_ Para sustentar seus planos de auxílio aos que necessitam nessa pandemia, o país está emitindo moeda, o que provocar o aumento da inflação.
_Há fortes restrições para comprar dólar, e uma diferença de mais de 100% entre o dólar oficial e o paralelo, o que também pode fazer disparar a inflação quando a pandemia terminar, além de impactar no comércio exterior.
_O governo estima que o PIB encolherá 4% neste ano, mas a visão do FMI é mais pessimista, e joga o número para 5,7%, isso num cenário que já era recessivo antes da pandemia.
_Antes da emergência sanitária, a pobreza era de 40% da população. Agora, se estima que vá subir para mais de 50%, com o aumento do desemprego.
_As medidas restritivas da quarentena, que impedem a abertura de comércio não essencial, já fez com que fechassem as portas de modo definitivo 20% das lojas de Buenos Aires.
_Segundo a UIA (Unión Industrial Argentina), se a quarentena tiver mais de 100 dias (o que ocorrerá nesta semana), 40% das indústrias terão seu funcionamento comprometido.
_A produção das pymes (pequenas e médias empresas) caiu 34,9%, e elas correspondem a 70% do emprego na área privada.
_Por decreto, Fernández impediu empresas públicas e privadas que demitam durante a pandemia. Mas isso não vai evitar a demissão em massa que deve ocorrer assim que esse decreto perder a validez.
Obviamente não há saída fácil no pós-pandemia nem para a Argentina nem para ninguém. Porém, a crise econômica aqui parece que será mais intensa do que em outros países da região que não estavam em recessão antes, como a Colômbia ou o Peru.
Alberto Fernández, que tinha 81% de popularidade no começo da pandemia, muito por conta da mão-firme para conter o coronavírus, agora está com 60% de aprovação popular. Como disse antes, é difícil que haja uma explosão nos bairros populares num governo peronista, mas isso não significa que eles estejam passando bem. E que a pandemia poderá segurar manifestações anti-quarentena, anti-governo e pró-abertura da economia.
Essas manifestações já vêm ocorrendo todos os sábados. E, neste último (20), ela foi maior. Ocorreu no Obelisco, na Praça de Maio, em Rosário, Córdoba e outras cidades. Este setor da população que gritou contra a nacionalização da Vicentín é o mesmo que já chama a gestão de Alberto Fernández de “infectadura” _uma ditadura causada pelas medidas sanitárias rígidas. Por enquanto, não é majoritário. Mas não será o momento de o governo mudar de estratégia?