Doença e literatura na América Latina em 5 livros
“Esta penumbra é lenta e indolor/ flui por uma mansa inclinação/ e se parece à eternidade.”
Assim descrevia o argentino Jorge Luis Borges (1899-1986) a sua própria cegueira, que foi paulatina até deixá-lo sem ver nada no final de sua vida. Doenças e sofrimentos físicos fazem parte da literatura latino-americana desde sempre, basta lembrar-se de como morriam os indígenas com as doenças trazidas pelos europeus, deixando esse grito registrado nos documentos históricos.
Segue aqui uma pequena seleção de relatos contemporâneos sobre enfermidades e escrita na região:
- “Antes que Anochezca” (ed. Tusquets, importado) – Reinaldo Arenas. Também levado às telas, o livro é um relato pessoal e um depoimento político do escritor cubano, diagnosticado com Aids no final dos anos 1980, quando vivia no exílio, em Nova York. Tido como um pária do regime de Fidel Castro, que bania e perseguia os homossexuais, Arenas se refugiou nos EUA. Ali, tenta remontar sua carreira como escritor, apesar de Cuba tentar apagar seus escritos. Depois de receber a notícia de que tinha a doença, passou a escrever sobre o que sentia e sobre a degradação de seu corpo, ao mesmo tempo em que evocava suas lembranças da esperança e a posterior desilusão com o regime cubano. Arenas se matou antes que a doença o levasse a seu fim.
- “Distância de Resgate” (ed. Record) – Samanta Schweblin. Em sua estreia nos romances, em 2014, a escritora argentina contou a historia de duas mães e seus filhos marcados pela doença e pelo medo da morte e do sobrenatural. Enquanto Carla narra a tragédia de sua relação com o filho, David, Amanda não para de antecipar um horror que pode estar por vir para ela e sua filha, Nina. O livro se constrói a partir de um diálogo entre Amanda e David. Uma novela rápida e cheia de tensão, que foi finalista do Man Booker Prize, o principal prêmio da língua inglesa. Em breve, será adaptado para a Netflix, enquanto outra versão irá parar no cinema, pelas mãos da peruana Claudia Llosa.
- “Los Días de La Peste” (ed. Malpaso, importado) – Edmundo Paz Soldán. Numa prisão chamada La Casona, mais de 30 personagens contam a história do ambiente claustrofóbico e sujo que compartilham. Eles são ricos e pobres misturados, num ambiente de forte tensão interna, até que tudo piora com a chegada de uma epidemia. Claro que a ideia é reproduzir, de certa forma, a sociedade dos países sul-americanos contemporâneos. Curiosamente, a peste que surge para unifica-los na tragédia está relacionada com a população de morcegos que também habitam o mesmo espaço que eles, em La Casona. Pouco conhecido no Brasil, o escritor boliviano Paz Soldán vive nos EUA, dá aulas na Universidade de Cornell, e é um dos mais importantes autores contemporâneos da região.
- “El Desbarrancadero” (ed. Alfaguara, importado) – Fernando Vallejo. O incômodo escritor colombiano conta nesse livro a agonia do irmão doente. É um ensaio sobre o amor fraterno, ao mesmo tempo em que um questionamento tanto à própria mãe de ambos como à mãe Colômbia, a quem o autor atribui todos os males herdados pelo país em que nasceu. Vallejo viaja por sua própria história e explora a fundo os traumas da família e do país, identificando a todos como doentes. É também a história de alguém que vê como um homem se desfaz aos poucos. Apesar de ter impedido a própria mãe de lê-lo, pelas coisas ruins que diz dela, “El Desbarrancadero” é uma história de amor entre familiares, um amor forjado na desgraça humana.
- “O Amor Nos Tempos do Cólera” (ed. Record) – Gabriel García Márquez. Um dos clássicos da literatura latino-americana contemporânea, conta a história do incurável amor de Florentino Ariza por Fermina Daza, que dura mais de 50 anos e se concreta durante um surto de cólera que impede um barco de aportar. Antes disso, Fermina se casou com um outro homem e Ariza, sem duvidar, passou a vida toda a esperá-la. A trama se baseia no conto de amor que foi o próprio romance dos pais de Gabo, Gabriel Elígio Garcia e Luiza Márquez, impedidos de casar-se pela família da moça.