Sendero Luminoso, 40 anos do início do pesadelo

O primeiro atentado da guerrilha Sendero Luminoso acaba de completar 40 anos. Quando os combatentes entraram no vilarejo de Chuschi, na região de Ayacucho, em de 17 de maio de 1980, para roubar e queimar urnas que seriam usadas numa eleição, uma longa noite de pesadelo começava no Peru. Ela terminaria apenas mais de 20 anos depois, com mais de 70 mil mortos, entre guerrilheiros, Exército, civis e milicianos das chamadas Guardas Camponesas. 

Curiosamente, os acontecimentos em Chuschi passariam meio despercebidos naquela semana, mas foi a partir daí que o Sendero, grupo maoísta liderado por um dos personagens mais fascinantes e terríveis da história da América Latina, Abimael Guzmán, começou a deixar sangue por onde passava.

A guerrilha nasceu no coração dos Andes peruanos, mas em sua época de apogeu chegou a bater às portas de Lima, amedrontando a capital do país. 

Tratava-se de uma época de guerrilhas na América Latina, impulsadas pela Revolução Cubana (1959). Em sua primeira onda, surgiram os montoneros na Argentina e os tupamaros, no Uruguai, seguidos das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) e do ELN (Exército de Libertação Nacional), na Colômbia. Todas pregavam uma tomada do poder pelas armas e a instalação de um governo socialista. No Peru, além do Sendero Luminoso, atuou na mesma época o Movimiento Revolucionario Túpac Amaru (MRTA), que em 1996 realizou seu maior ataque, a invasão da residência do embaixador japonês em Lima, que terminou com 17 mortos.

O Sendero Luminoso tinha como líder o mítico professor de filosofia Abimael Guzmán, que havia visitado a China e voltara influenciado pelas ideias de Mao Tse-Tung. Em uma excelente biografia do personagem (“A Quarta Espada”, ed. Objetiva), o jornalista e escritor Santiago Roncagliolo conta que a agrupação de seguidores fanáticos formada por Guzmán era apenas uma entre as muitas surgidas no fim dos anos 60 entre estudantes universitários do interior do país. Em seus princípios, e ainda com poucos integrantes, avançaram contra o Estado peruano sem ter muito com o que lutar. O poder de convencimento ideológico e a sedução do discurso de Guzmán, porém, imprimiram ao movimento um impulso de violência tão fora do comum que o Exército peruano, num primeiro momento, não soube como reagir. 

As execuções provocadas pelo bando podiam alcançar requintes de crueldade jamais vistos no Peru _há registros de apedrejamentos até a morte e de inimigos queimados em água fervente.

A guerra entre o Estado e a guerrilha se estendeu até 1992, quando o então presidente, Alberto Fujimori, finalmente conseguiu prender Guzmán. Acabar com o grupo terrorista havia se transformado em obsessão do então mandatário e as vitórias contra o grupo se transformaram em seu principal instrumento de propaganda política. Em nome de vencer a guerra, Fujimori por sua vez tomou decisões polêmicas e cometeu abusos de poder. Uma delas foi usar uma força paramilitar, as chamadas “guardas camponesas”, para enfrentar o Sendero. 

Com Guzmán preso, Fujimori armou um espetáculo midiático, apresentando-se como o “salvador do Peru”, fama que ainda carrega no imaginário de muitos. 

Hoje, por sorte, tanto o Sendero Luminoso como o governo autoritário de Fujimori são coisa do passado. Porém, sequelas deste trauma ainda existem no Peru. No interior do país, restos da guerrilha ainda existem, associados a facções do narcotráfico. Na política, o fujimorismo ainda é forte, tendo praticamente derrubado um presidente (Pedro Pablo Kuczynski, pressionado a renunciar) e desestabilizado o atual, de Martín Vizcarra. 

Tanto Guzmán, hoje com 85 anos, como Fujimori, com 81, estão presos. O primeiro, acusado de terrorismo e de diversos outros delitos. O segundo, por corrupção e crimes de lesa humanidade. Neste episódio, há que se comemorar que o Peru moderno tenha conseguido colocar detrás das grades os dois principais responsáveis pela morte de tantos peruanos. É certo que ambas as figuras ainda conseguem, de um modo macabro, arrastar seguidores nostálgicos. Para terminar de fechar essa ferida, seria necessário esclarecer, de uma vez, todos os crimes cometidos no período e fazer as devidas reparações às vítimas. Apesar dos esforços até aqui, ainda falta muito por investigar.