Livro joga luz ao violento nascimento dos montoneros

A década de 70 não para de gerar debates na Argentina. Um novo livro lançado por aqui joga luz ao violento assassinato do general Pedro Eugenio Aramburu, crime que completa 50 anos no próximo dia 1 de junho. O oficial havia sido um dos líderes do golpe que derrubou Juan Domingo Perón, em 1955, conhecido entre os militares como “Revolução Libertadora”.  Depois, governou a Argentina como ditador, no período entre 1955 e 1958.

O livro “Aramburu – El Crimen Político que Dividió al País”, de María O’Donnel (ed. Planeta) reconstrói o episódio conhecido por dar projeção nacional aos montoneros, a guerrilha urbana que atuou na década de 1970 e que apoiava o retorno de Perón ao poder. No dia 29 de maio de 1970, um grupo de líderes montoneros disfarçados de militares tocou a campainha do general, que já estava aposentado. Sua mulher, Sara, abriu a porta e os deixou passar, porque por um instante achou que se tratava de alguma homenagem ao militar. Aramburu foi violentamente arrancado de sua casa, levado em um carro até um sítio em Timote, na província de Buenos Aires.

Ali, liderados por Mario Firmenich, Aramburu foi “julgado” pelos montoneros pelos crimes cometidos durante a ditadura militar. A sentença dada o condenava a morte. E o general foi, então, assassinado a tiros.

Firmenich, que vive até hoje no exílio, na Espanha, disse, na época, que o assassinato de Aramburu era legítimo porque “o julgamento realizado foi um julgamento do povo, em que os montoneros foram apenas os executores da decisão”. Essa terrível história não termina aí. Em 1974, os montoneros voltaram a buscar Aramburu, já morto e enterrado. Sequestraram seu corpo do cemitério para pressionar o governo para que trouxesse de volta o corpo de Eva Perón, mulher do também já falecido Juan Domingo Perón, que estava na Espanha _pois este também havia sido sequestrado e desaparecido.

Essas primeiras ações dos montoneros, que hoje soam como algo absurdas, também dividiram a sociedade argentina de então, provocando ainda mais a polarização do país. Uma ferida ainda aberta e que revela muito sobre os extremos do debate político nos dias de hoje.

A Revolução Libertadora foi a mais violenta ação de repúdio ao peronismo já realizada no país. A ideia era, abertamente, “desperonizar” a Argentina à força. Foram levados a julgamento políticos e apoiadores do movimento, os sindicatos, e se destruíram símbolos do peronismo. Até mesmo atletas que se diziam peronistas foram proscritos e impedidos de continuar participando de torneios internacionais. Isso gerou um movimento de resistência ainda maior, e os montoneros começaram a realizar ataques mais sangrentos. A situação levou à desestabilização do país, quando era governado por Isabelita Perón, até que esta também foi derrubada por mais um golpe militar.

Os montoneros atuariam até o fim dos anos 1970, mesmo depois de romperem com o próprio Perón. Jovens de classe alta e média, com forte vínculo com a Igreja Católica, eles foram se radicalizando até abraçarem o marxismo e o sonho de derrubada do poder para construir uma nação socialista. A perseguição a eles também foi brutal.

Um dos destaques do livro é uma rara entrevista dada a autora com o próprio Firmenich, que nunca mais voltou à Argentina e hoje dá aulas em uma universidade na Catalunha. O líder montonero também está por trás de outras mortes, como a do sindicalista José Ignacio Rucci, que foi um dos principais apoiadores de Perón.

Firmenich diz à autora que até hoje não se arrepende de nada do que fez e que a morte de Aramburu era um acerto de contas com relação ao que ele fez como ditador do país e inimigo de Perón. Pelo livro, percebe-se que seu modo de raciocinar ainda segue a lógica dos anos 1970.

O livro traz uma interessante reflexão sobre o período, além de aportar informações inéditas sobre o episódio e sobre a mentalidade dos guerrilheiros argentinos, que depois se inscreveriam na lista das tantas guerrilhas latino-americanas do período. Sequelas dos rancores e dos embates daqueles tempos são vistos todos os dias no debate político atual.