Mercado editorial argentino adota delivery, mas mergulha em crise
Conhecida como a capital das livrarias na América Latina, a cidade de Buenos Aires tem mais de 400 estabelecimentos independentes de vendas de livros, além das lojas que pertencem às grandes cadeias. Nestes tempos de quarentena, porém, suas portas estão todas fechadas desde o último dia 20 de março, complicando ainda mais a situação do mercado editorial argentino. Só no primeiro trimestre do ano, a compra de livros no país caiu 70% em relação ao mesmo período no ano passado.
A quarentena levou os vendedores de livros a buscarem ajuda do governo nacional. Acabaram conseguindo algo. No último decreto de ampliação da quarentena, veio a autorização para que as livrarias funcionassem em modo delivery, ou seja, de entrega dos itens em casa, após pedido por telefone.
“Desde então, estamos usando a criatividade”, conta Rogélio, vendedor da livraria Paradigma, “Mudamos nossa vitrine toda semana. Às vezes, a dedicamos a um só autor, ou oferecemos promoções”, diz. Muitas delas deixam as vitrines iluminadas, para atrair a atenção de quem passa na rua caminhando para os títulos em exposição. Nas portas, há sempre um cartaz com o telefone da loja.
Outras lojas apostam mais nas redes sociais e anunciam aí suas promoções com a “hashtag” #YoMeQuedoEnCasaLeyendo (eu fico em casa lendo).
A tradicional Feira Internacional do Livro de Buenos Aires, que agitava a cidade todo outono, neste ano foi cancelada, assim como os eventos com escritores nas livrarias _alguns deles ocorrem, mas agora por videoconferência.
Não é a primeira vez que o mercado editorial argentino entra em crise profunda. Depois do “corralito” de 2001, praticamente não havia como trazer livros de fora, por conta da desvalorização do peso, e muitas livrarias e selos faliram. Por outro lado, surgiram com força as pequenas editoras, publicando traduções de obras cujos direitos autorais estavam livres de cobrança ou republicando clássicos, além de abrir a porta para jovens autores.
Não foi fácil, e saiu-se dessa crise para cair em outra, em 2010/2011, quando as políticas protecionistas da gestão de Cristina Kirchner (2007-2015) tornaram quase impossível importar livros a um custo razoável. Mais uma vez, as pequenas editoras abriram espaço desta maneira, enquanto os grandes selos sofriam mais. O que garantia a alta qualidade de alguns catálogos é o fato de que, nas décadas de 1950 e 1960, a Argentina era a capital das publicações e das traduções em espanhol na América hispânica. Com isso, a republicação de obras de excelente qualidade, mas há muito tempo longe das vitrines, ajudou a segurar a onda de editoras e pequenas livrarias.
Nos últimos anos, o mercado tampouco vinha bem, mas encontrou soluções paliativas para continuar vivo. Uma delas foi a criação das livrarias de curadoria mais artesanal, como a Falena, em Colegiales, que é discreta, fica numa esquina quase sem sinalização, e tem um salão com estantes bem iluminadas e um lounge. Ali, pode-se tomar um café ou uma taça de vinho enquanto se folheia novidades. Espaços assim passaram a sobreviver não apenas pela venda de livros, mas também por ter um bar e por oferecer um espaço para encontros e reuniões ou para o trabalho solitário. Outra deste estilo é a Libros del Pasaje, cujo bar costumava estar sempre cheio, ou a Otras Orillas.
O delivery de livros pode ser um remédio para os sintomas da atual crise do livro argentina, mas não oferecerá a cura. Outra aposta tem sido a promoção de livros em e-book. A propaganda do setor é forte, e algumas editoras, como a Penguin Random House, aumentaram seu mercado em 50%. Há também uma plataforma digital, a Bajalibros, cujas vendas aumentaram em 400% desde o começo da quarentena.
Outras livrarias, ainda, estão oferecendo promoções para depois da quarentena. Pode-se comprar livros por delivery agora e já ganhar cupons com descontos para gastar em novidades quando as lojas físicas reabrirem. É o que fez, por exemplo, a Cúspide, outra grande cadeia de livrarias local.
De todas as formas, o cenário adiante não é muito animador para o comércio em geral, e as livrarias e editoras não vão ficar de fora. A Argentina deve ter seu PIB reduzido em 5,7% em 2020, segundo cálculo da Cepal, e a recessão deve sufocar ainda mais o mercado editorial.
O diagnóstico do mundo do livro argentino no momento é de que precisa urgentemente de um respirador, o que pode vir na forma de algum tipo de política de estímulo. É triste, mas, o mercado argentino sempre encontrou um modo criativo de continuar vivo. Espera-se que possa fazer o mesmo desta vez.