Desempenho do Brasil diante do vírus fortalece Alberto Fernández
A quarentena na Argentina continuará obrigatória, super controlada, e com a penalização daqueles que a violam com condenações que vão de multas a cadeia (de 1 a 5 anos), pelo menos até dia 26 de abril. Mas o que faz com que uma sociedade como a argentina, um tanto rebelde por natureza, venha aceitando medidas tão restritivas e um presidente, Alberto Fernández, que vem administrando esse tema de forma algo controversa: apenas por decreto e sem consultar o Congresso?
Em parte, o medo. O argentino em geral é mais paranóico com esse tipo de catástrofe do que o brasileiro. Em segundo, a proximidade cultural maior que a sociedade daqui tem com a Itália e a Espanha. As notícias destes dois países sempre ganham amplo espaço na mídia local, e o intercâmbio de cidadãos e famílias é grande. O fato de justo esses dois países estarem vivendo a pandemia de modo tão doloroso responde de certa maneira à razão da aceitação dos argentinos das duras medidas do governo local.
A partir desta quarta-feira (15), será obrigatório o uso de máscaras para sair na rua na maior parte das capitais. Algumas províncias, como Jujuy, exigem quarentena para quem chega, mesmo que seja um argentino, vindo de carro de outra província. Além disso, estão as proibições de antes, não se pode correr na rua, não se pode sequer andar mais de uma quadra com seu cão. Além das profissões que foram liberadas (profissionais da saúde, da alimentação, do comércio e distribuição de combustível, jornalistas, políticos e diplomatas) ninguém pode ir mais longe do que o armazém ou o supermercado mais próximo, além da farmácia. E há blitzes, é preciso mostrar permissões especiais.
No último fim de semana, no feriado de Páscoa, algumas violações da quarentena foram muito midiáticas e os cidadãos envolvidos estão presos. Trata-se de uma jovem mulher que tentou atravessar um controle viajando no baú de um táxi. Foi descoberta porque teve a brilhante ideia de gravar um “stories” para seu Instagram quando estava fazendo o trajeto. A polícia a deteve e ela responde a processo, assim como o taxista. Outro caso foi o do fulano que tinha permissão para ir à sua casa de fim de semana, mas não para levar sua empregada, então, também colocou-a no baú do carro. A polícia descobriu, e ele está na mesma situação, sendo processado. Casos assim têm revoltado a sociedade, e reforçado a ideia de que a quarentena, por ora, é para todos.
Mas também conta para isso o discurso de Alberto Fernández. E, ainda que ele tenha jogado um pouco com os números em seu último pronunciamento para justificar a continuação das duras medidas, tentou mostrar que a Argentina está muito melhor que o Chile e o Brasil. Que o Brasil, sem dúvida. Enquanto nosso país bate recordes de 200 mortes por 24 horas, a Argentina mal passou as 100 mortes desde que iniciou a pandemia.
Já quanto ao Chile, há controvérsias. Fernández afirmou que o país tem 31,24 casos para cada 100 mil habitantes, enquanto a Argentina, apenas 4,19. Pode ser, usando números oficiais. Mas o caso é que o governo chileno tem um trunfo que Fernández não mostrou. Se tem mais infectados, também é porque está testando mais. E porque está testando mais, tem poucos mortos comparando-se a outros países da região.
De todo modo, é fato que a quarentena, por ora, está funcionando na Argentina. E que Alberto Fernández tem resistido, também por enquanto, à crescente pressão de empresários e comerciantes que creem que o país não aguenta uma quarentena maior. Segundo o Banco Mundial, a retração do país neste ano deve ser de 5, 7%, uma das maiores da região. Fernández, porém, parece ter adotado uma estratégia política clara. Se não iria ser possível, de fato, mesmo antes da pandemia, resolver o tema econômico e a dívida externa, talvez seja melhor ficar conhecido como um presidente que comandou bem o país diante da pandemia. Ainda que, depois, fatalmente, venha o desastre econômico.
O fato de o Brasil de Bolsonaro ter cada vez mais mortos assusta os argentinos, e isso ajuda a aumentar a popularidade do peronista, hoje de 74%. Aos olhos dos apoiadores de Fernández, Bolsonaro leva o Brasil para um suicídio coletivo, enquanto ele ainda se mantém firme. Resta saber se Fernández terá fôlego para resistir com essa quarentena de mão dura por mais tempo. Jogam contra ele não apenas o mercado cada vez mais inquieto para retomar suas atividades como a possibilidade de um aumento de tensão nas periferias, quando a fome começar a apertar entre a população mais pobre. Além, é claro, da imprevisibilidade do vírus.