Aplausos solidários e canções em meio à pandemia

A iniciativa não começou na Argentina, mas aqui ganhou vida própria. Já havia rolado antes na Itália e na Espanha, países muito impactados pelo coronavírus. Trata-se da onda de aplausos, que ocorre desde as varandas e janelas dos edifícios e casas e é dedicada aos profissionais da saúde: médicos, enfermeiros, paramédicos, motoristas de ambulância e demais envolvidos na ação de salvar vidas no meio desta pandemia.

Mas Buenos Aires é uma cidade criativa, e inventou o “aplaudaço” com hora marcada e com imaginação. Pouco antes das 21h, já há mais de dez dias, artistas visuais fazem projeções em alguns dos prédios da cidade. Estas mostram um grande cronômetro em contagem regressiva para que todos comecem a bater palmas ao mesmo tempo. O ruído é algo de estremecer o coração, porque se sente não apenas no microcentro e nos bairros de classe média e alta, mas também agora nas áreas mais populosas do chamado “conurbano” _a periferia portenha.

Até mesmo o pronunciamento do presidente Alberto Fernández, no último domingo (29), que anunciou a ampliação da quarentena e novas medidas para enfrentar a pandemia, esperou que o “aplaudaço” daquele dia passasse. O ápice da performance coletiva dura cerca de 5 minutos, mas há quem siga aplaudindo também depois disso.

A iniciativa se chama “Argentina Aplaude” e, nos últimos dias, se estendeu também a passagens de caminhões de lixo, que mantêm a cidade em quarentena limpa, e até mesmo para os motoboys e ciclistas que fazem delivery, uma vez que todos os restaurantes e cafés estão fechados. Na internet, começou também uma campanha para que as pessoas deixem uma gorjeta extra aos ciclistas de aplicativos de entrega, geralmente muito mal-protegidos, ou nada, do ponto de vista trabalhista por suas empresas, para compensar o risco que correm atravessando a cidade vazia para entregar uma refeição para uma família, ou para uma pessoa que não pode cozinhar.

“No primeiro dia que eu ouvi, eu quase chorei”, disse o enfermeiro David Pino, 26, do hospital Juan Fernández, na semana passada. “Mas depois pensei que minha mãe, que se sentiria tão orgulhosa de mim, não poderia ouvir, porque vivo em González Catán (na periferia), e está muito longe daqui”. Ouvido de novo pela Folha nesta segunda-feira (30), Pino estava radiante, disse que por lá o movimento já havia chegado e que sua família tinha podido ouvir. “Quando cheguei em casa depois do plantão, depois da meia-noite, meu pai me abraçou com lágrimas nos olhos”.

No meio da tristeza causada pela pandemia, que já infectou 820 pessoas e causou 23 mortes na Argentina, outras iniciativas também têm estimulado a cooperação. A Red Solidaria é um grupo que reuniu 30 de artistas de renome no país, como Pedro Aznar, León Gieco, Tereza Parodi e outros para cantar “online” um clássico nacional, “Como la Cigarra”, de María Elena Walsh.

Outro que deu sua colaboração para animar o cotidiano dos que estão sob quarentena foi o veterano roqueiro Fito Páez, quem, no último dia 20 de março, sentou-se ao piano em sua casa e fez uma “live” pelas redes sociais com seus principais sucessos. Não sem antes fazer todas as recomendações para que as pessoas respeitassem as instruções das autoridades sanitárias para que a quarentena tivesse êxito. Aqui, o show, na íntegra:

E deixou, ao final, sua mensagem. “Este não é o momento dos charlatães. É o tempo da ação. Eu estou aqui para apoiar, para dar alegria, dentro do possível, aos médicos e enfermeiros que estão guerreando na primeira fila”.

Há muito que se aprender de quem aplaude a médicos e aos que estão ao lado da ciência e não a populistas e desinformados em geral.