O mistério de Florencia Kirchner

Os kirchneristas creem que a filha caçula da vice-presidente, Cristina Kirchner, Florencia, 29, está doente, afetada pelo bombardeio da Justiça e da mídia contra a sua imagem, e que isso causou o fim de seu casamento, o afastamento de sua filha-bebê, Helena, e sua internação numa clínica em Cuba, onde está desde março de 2019.

Já os anti-kirchneristas creem que isso é mentira, que Florencia está saudável, e a única razão pela qual sua mãe a teria mandado a Havana seria para fugir da Justiça. Assim como Cristina e seu irmão, Máximo, Florencia está acusada em processos de enriquecimento ilícito e de lavagem de dinheiro por meio dos hotéis da família na Patagônia. A diferença é que Cristina e Máximo têm foro privilegiado, ela por ser vice-presidente, e ele, deputado. Para que a filha não fosse presa, segundo essa teoria, Cristina a teria enviado à mesma clínica, em Cuba, onde se trataram Diego Maradona e o ditador venezuelano Hugo Chávez.

Qual dos dois lados está certo, não se sabe. A Justiça argentina vem pedindo à clínica cubana informes regulares sobre a situação de Florencia, afinal, ela tem faltado às intimações para depor. Segundo os médicos, a jovem sofre de depressão e também tem um linfedema nas pernas. Sem previsão de alta.

Desde sua internação, a politização de sua suposta doença serviu a ambos os lados. Os que hoje estão na oposição veem uma estratégia: Cristina teria posado de vítima durante a campanha eleitoral, causando simpatia do eleitorado. A doença da filha também explicaria porque a vice tem-se mantido tão discreta até aqui e apostam que apenas aguarda, com a desculpa de que por ora se preocupa com Florencia, o momento de dar o bote e tirar do ar Alberto Fernández, segurando novamente as rédeas da nação.

Já os kirchneristas creem que isso é uma invenção cruel, afinal, não se estaria respeitando a doença e a fragilidade de uma jovem mulher que, nas raras fotos que foram vistas dela desde então, aparece magra, frágil, triste, e que está longe de sua filhinha.

O assunto dá para horas. Estratégia ou não, o fato é que Florencia voltou ao debate político e do mundo das fofocas argentino há três semanas, quando ativou uma conta no Instagram. Nela, aparece em fotos que mostram sua cara apenas de modo parcial. Nos longos posts, comenta livros (e recomenda autoras, como Sylvia Plath) e apoia a campanha pró-lei do aborto. Ainda, diz que está doente por causa dos “orangotangos da Justiça” e da imprensa: “Há um tempo, segundo os meios de comunicação, eu deixei de ser uma garota frívola para ser chefe de uma máfia, com uma mente, é claro, acima do normal, uma vez que aos 12 anos já vivia uma vida ilícita”.

Existe ainda uma teoria de que Florencia estaria furiosa com a mãe, que a envolvera num escândalo de corrupção nem bem começava sua vida adulta. Cristina viaja regularmente a Havana para visita-la, mas há relatos de que Florencia, em muitas ocasiões, não quer vê-la.

No último aniversário de Cristina, no dia 19 de fevereiro, Florencia posou numa foto com a mãe, ambas sorridentes, no que virou um cartaz, espalhado como se fosse de propaganda política pelas ruas de Buenos Aires. Na foto, Florencia se parece muito com como era antes, o que levantou as suspeitas da Justiça, que pediu um novo relatório médico à clínica em Cuba.

Não se sabe até quando este mistério vai durar, mas o fato é que se transformou numa questão política importante no país. Afinal, uma das prioridades apresentadas por Alberto Fernández neste começo de gestão é promover uma reforma na Justiça, que a mostre mais independente e menos politizada. Isso envolve resolver as tantas causas em que Executivo e Judiciário aparecem vinculados. E envolve também resolver as pendências com a lei que a família Kirchner ainda tem.