A sangrenta novela do verão argentino

Meus amigos de fora da Argentina andam perguntando-me: “Que tal o novo governo?”, “E a Cristina?”, “Tevez vai continuar no Boca?”, “O dólar parou de subir?”, “E essa dívida com o FMI?”. Vou decepcionar a todos, nenhuma dessas questões parece interessar os argentinos desde o último dia 18 de janeiro. Estão todos obcecados com outra coisa, um crime terrível que a cada dia ganha um novo capítulo.

Nesta ocasião, um jovem de 18 anos, Fernando Báez Sosa, levou uma tremenda surra na saída de uma discoteca numa cidade do litoral argentino, Villa Gesell. A violência foi tanta que ele acabou morto. Seus algozes foram um grupo de 10 garotos fortes e ricos _Báez Sosa era de origem humilde e filho de paraguaios. Os garotos que o mataram estão unidos por uma paixão em comum, o rugby, um esporte muito popular entre os jovens argentinos endinheirados.

Desde então, “o crime dos rugbiers” tem consumido horas e horas de noticiários televisivos, florestas inteiras transformadas em papel jornal, longos relatos nas rádios. Além disso, tem deixado os jornalistas locais como loucos de um canto a outro, tentando obter informações novas. E, em tempos de redes sociais e de telefones celulares, elas aparecem a todo tempo. Começando pelo crime em si, que foi gravado por gente que estava do lado de fora da discoteca _curioso é que alguns gravaram, muitos viram, e ninguém interveio, provavelmente com medo dos fortões.

No princípio, havia dúvidas sobre a premeditação do crime, mas, uma vez que se foram revelando as conversas de Whats App do grupo, isso se dissipou. Fernando já era o alvo desde o começo. Quando o jogam no chão, um dos rugbiers, até com certa tranquilidade, se posiciona para gravar mais imagens horríveis de como o garoto foi trucidado. Essas imagens também foram exibidas nos meios de comunicação. Depois, eles conversam entre si sobre como escapar, não dizer nada a ninguém, fingir tranquilidade, tiram fotos sorrindo para mostrar que não tinham nada a ver com isso, e ainda foram flagrados depois, em câmeras de segurança de um McDonald’s na frente do local, comendo, assistindo a chegada da polícia e planejando o que fazer.

Horas depois, porém, estavam todos presos.

Agora, começa uma longa discussão, que também é acompanhada por todos os argentinos, sobre como estabelecer as culpas, quem bateu mais é mais ou menos assassino do que quem bateu menos? Quem deu o golpe fatal? Alguém vai entregar alguém? Por ora, o grupo está fechado, declarando-se inocente em bloco, embora suas imagens apareçam claramente em todos os vídeos que há do episódio.

A revolta tomou conta da sociedade, que marchou na última terça-feira (18), em frente ao Congresso, em Buenos Aires, pedindo Justiça. Os pais dos garotos pagam caros advogados, mas brigam entre si, achando que seu filho é menos culpado que o do outro, e psicólogos são chamados a opinar sobre violência adolescente ou se a culpa é da prática do rugby. A voz comum das ruas diz que foi a certeza da impunidade e a violência estimulada pelas redes sociais quem os levou a cometer esse crime horrível.

A novelização do caso pelos meios de comunicação tem um lado positivo, de conscientizar, propagandear mensagens de paz e alertar a sociedade. Por outro, estimula certa morbidez em todos, que passam a querer seguir cada detalhe do enredo. É como se fosse um reality show escabroso. Isso parece impedir a compreensão de tantos temas sociais que estão envolvidos neste episódio: o racismo, a educação que recebem os garotos ricos dessas famílias, o drama dos imigrantes na Argentina e os excessos de uma sociedade traumatizada historicamente pela violência política e social.