Série mostra encontro do narcotráfico latino e europeu

O cenário de “Vivir Sin Permiso” (viver sem permissão) é paradisíaco. Estamos na Galícia, na Espanha, e suas praias belíssimas, seus “pazos” (casas de gente rica) amplos e acolhedores, sua culinária baseada em deliciosos produtos do mar e seus vilarejos idílicos. Só que nem tudo é felicidade nesse canto da Espanha em que o idioma soa familiar aos que falam português. Na cidade fictícia de Oeste, há uma família poderosa, os Bandeira.

Oficialmente, eles se dedicam a uma grande empresa de conserva de alimentos e de construção. Porém, tudo isso é apenas um disfarce. O magnata por trás desse império em Oeste, o empresário Nemo Bandeira (José Coronado), é também um poderoso narcotraficante. Nemo tem os barcos e a logística para fazer entrar, pela costa galega, a cocaína que vem da Colômbia e do México, para daí ser distribuída pela Europa. O nome da série é um slogan de sua crueldade. Em Oeste, trata-se de uma máxima conhecida: “ninguém vive sem a permissão de Nemo Bandeira”.

Em uma produção de apenas duas temporadas, cujo ciclo está encerrado, mas que está toda disponível no Netflix, vemos uma trama que mistura suspense, thriller, romance e um violento embate de poder. Tudo começa quando Nemo é diagnosticado com Alzheimer. Ninguém pode saber, para que ele não seja desbancado, e ele finge não ter a doença até onde consegue. Depois, passa até mesmo a usá-la em seu favor. Enquanto isso, prepara a sucessão de seus negócios, tanto os lícitos como os ilícitos. Estão entre os candidatos personagens que por si só têm sua subtrama que merece acompanhar, Lara, a filha bastarda, Mario (Ález Gonzalez), o filho adotivo, Carlos (Àlex Monner), o filho homossexual e viciado em drogas, e Nina (Giulia Charm), a filha caprichosa.

Entre os talentosos atores, destaca-se Luis Zahera, que de longe faz o melhor personagem da série, Ferro, o homem de confiança que protege Nemo dos inimigos, dos “brancos” que o chefe têm por conta da doença, e se sai com as melhores frases de efeito e as piadas, algumas apenas para quem tem algum conhecimento do espírito e da cultura galegas.

Mas a trama de disputa pelo poder fica muito mais violenta e interessante quando surgem os sócios mexicanos de Nemo. E, com eles, o encontro de dois “códigos de valor” entre narcos. Nemo passa a figurar como o narco “bonzinho”. Ou seja, que nunca deixou que Oeste se manchasse de sangue, cujas contas a acertar eram sempre realizadas de forma disfarçada, que valorizava seus filhos e respeitava os cidadãos de Oeste, embora tivesse a polícia, a Justiça e os funcionários do porto todos comprados com o dinheiro sujo da droga.

Pois seu sócio, que chega do México ao saber que Nemo está próximo de perder a razão, tem outro modo de agir. Germán Arteaga (Rubén Zamora) é o narco “mau” e aparece com seu estilo mexicano de atuar. Vinganças à luz do dia, matanças, assassinatos de menores, instalação de tráfico de mulheres, com os colombianos jogando a seu lado. Se Nemo joga com habilidade de estrategista, embora esteja perdendo a faculdade de pensar direito, Arteaga atua na base da pistola, do sicariato e na varredura dos inimigos, derramando sangue por todos os lados.

Assinam a história duas feras do roteiro e da literatura espanholas, Aitor Gabilondo, o basco que está adaptando a versão para a HBO do romance “Patria”, de Fernando Aramburu (publicado no Brasil pela Intrínseca) e Manuel Rivas, o mais importante autor galego da atualidade. A série teve o mérito de, na Espanha, ter uma média de 1 milhão de espectadores por episódio, e esse número não caiu nem mesmo quando a Netflix disponibilizou todo o restante da temporada no serviço de streaming. A transmissão de seu capítulo final atingiu a marca de 2 milhões de espectadores.

Não espere até que tirem do ar.