Um mapa sonoro para a fronteira do México com os EUA, por Valeria Luiselli
Na última vez em que conversei com a escritora mexicana Valeria Luiselli, acabava de sair no Brasil seu livro “Arquivo das Crianças Perdidas”, romance que, assim como o ensaio “Los Niños Perdidos” se baseava em investigações realizadas na fronteira entre o México e os EUA e em entrevistas com imigrantes, principalmente vindos da América Central. Agora, a reencontrei no Hay Festival, em Cartagena (Colômbia), no meio do processo de criação de mais um trabalho relacionado à fronteira. Desta vez, a escritura virá em segundo plano. Luiselli prepara uma “paisagem sonora” da região, que primeiro será um arquivo, depois uma performance e, por fim, um ensaio.
“Não quero ficar conhecida como uma escritora de um tema só, mas a fronteira está me atraindo muito nos últimos tempos”, disse Luiselli, 36, que vive em Nova York e que teve seu trabalho elogiado por Barack Obama, que a incluiu na lista dos melhores autores que leu em 2019. “Arquivo das Crianças Perdidas” também entrou no ranking dos melhores do ano do “The New York Times”.
A obra atual consiste em gravar os sons da fronteira, desde o vento na região onde já foi construída uma parte do muro de Donald Trump, até o da natureza, nos vales e montanhas, e o das pequenas cidades, de ambos os lados.
“A ideia é refletir sobre a história da violência na fronteira entre México e EUA. Então pensei em três marcos históricos. O ano de 1850, quando, depois da guerra com os EUA, o México vende a esse país ainda mais um trecho de terra, no Arizona. Depois, a chegada das ‘maquiladoras’, no século 20, e, agora, a construção dos grandes centros de detenção para imigrantes”, conta Luiselli. “É nessa zona que se encontram mais casos de violência, racismo e xenofobia. Mas também há vilarejos do lado americano onde há gente que se manifesta contra isso, contra o muro, contra os vigilantes (civis que caçam imigrantes ilegais) e a favor da preservação do ambiente. É uma região muito rica em histórias a serem contadas”.
A isso, Luiselli vai contrapor outro relato, o de vilarejos como Shakespeare, no Estado norte-americano do Novo México, onde ocorrem ensaios de recriações históricas _esse tipo de espetáculo é comum nos EUA, e reconstrói momentos do passado americano, sempre de forma a glorificá-lo. “Em Shakespeare há ensaios de tiroteios, de enforcamentos, e de outras coisas que fazem parte do imaginário americano sobre a conquista do território e o mito da fronteira. Só que os momentos que são escolhidos sempre apagam os indígenas, os imigrantes, populações que foram vítimas da violência ao longo do tempo”. Ao contrapor os dois ruídos, Luiselli diz que pretende “restituir as vozes que foram apagadas”.
Sobre o México atual, Luiselli comentou que a decepção com a presidência de López Obrador vem aumentando, com as políticas anti-imigração e que vão contra seu discurso original. “Creio que cada vez mais se parece a Trump, como um populista de direita, que está indo contra a liberdade de expressão e fazendo aumentar a xenobofia dos mexicanos com relação os centro-americanos”.