A Argentina de ontem e a de hoje se reencontram novamente no cinema

“El Robo del Siglo” (o roubo do século), de Ariel Winograd, tem sido o fenômeno cinematográfico do verão argentino, disputando de perto a bilheteria com “Star Wars” e outros “blockbusters”. O filme, que conta uma história real, algo ficcionalizada, do assalto a um banco em Buenos Aires ocorrido em 2006, já é recordista nacional em seu fim de semana de estreia, com mais de 400 mil entradas vendidas em apenas quatro dias.

No dia 13 de janeiro de 2006, uma sucursal do banco Río, no bairro nobre de San Isidro, foi assaltada por seis homens que usavam armas de brinquedo. Fizeram 23 reféns e levaram mais de US$ 20 milhões em dinheiro, ouro e jóias. Destes, até hoje, apenas pouco mais de um milhão foi recuperado. Embora cinco dos assaltantes tenham sido presos, todos foram libertados em pouco tempo, e só um deles jamais foi localizado.

O filme tem como protagonista a dupla de atores Guillermo Francella (de “O Clã”) e Diego Peretti (de “Tiempo de Valientes”). Ambos revivem o que já é um clássico no cinema argentino contemporâneo _as parcerias de bandidos em que há muita picardia, camaradagem e inteligência. Já se viu o mesmo em “Nove Rainhas” (de 2000, com Ricardo Darín e Gastón Pauls), e também há algo do personagem que o próprio Peretti fez na série “Los Simuladores” (2002, disponível na Netflix), em que quatro pilantras espertos armam emboscadas para vingar pessoas consideradas “injustiçadas”.

Francella encarna um ladrão uruguaio, muito experiente, Mario Vitette Sellanes, que hoje em dia, livre de qualquer condenação, vive em Montevidéu, onde tem uma joalheria _dando um toque a mais no surrealismo da história toda, tanto a ficcional como a real. Mario é quem tem expertise e dinheiro para o empreendimento, e que também humilha seus companheiros por suas excentricidades e sabedoria. Já Peretti vive Fernando Araujo, considerado o arquiteto do plano. Sempre em “estado canábico”, como ele mesmo define, idealiza com criatividade o assalto.

Depois de estudar a sucursal do banco, chega à conclusão de que sua segurança está preparada tanto para assaltos ao caixa como para roubos do cofre, mas não para que as duas coisas ocorram ao mesmo tempo. Esse é o plano que colocam em marcha, usando a rede de esgoto local para escoar o produto do roubo e para, depois, escapar.

As melhores interpretações são, de longe, as de Francella, principalmente quando está ganhando tempo, ao conversar com o negociador da polícia, enquanto seus colegas esvaziam o cofre, e de Peretti, que aparece natural no papel do bandido esotérico e criativo.

Assim como “La Odisea de los Giles”, que acaba de ganhar um prêmio Goya, o principal do cinema do mundo hispânico, “El Robo del Siglo” também faz a Argentina de ontem encontrar-se com a Argentina de hoje. Estão ali a crise permanente _em 2006, o país ainda se recuperava do trauma do “corralito” e da maxidesvalorização do peso_, a desconfiança ou mesmo o ódio às instituições bancárias que se espalhou pela sociedade depois de 2001, a polarização social e os marginalizados pelo sistema que usam da esperteza para sobreviver. Algo que aqui se apelida de “viveza criolla” e que no Brasil seria o correspondente da “malandragem”.